Mostrando postagens com marcador Ética. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ética. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 3 de maio de 2022

É isto um juiz? 2


Este blog publicou recentemente (24 abr 2022) É isto um juiz?, comentando as atitudes do Sr. André Mendonça frente ao Supremo Tribunal Federal, no caso da condenação de Daniel Silveira.

http://loucoporcachorros.blogspot.com/2022/04/e-isto-um-juiz.html

 

            Hoje, a bem da verdade, se faz necessária a complementação do funesto episódio. Aqui vai:

 

“Mendonça explicou a Bolsonaro razões para seu voto pela prisão de Daniel Silveira: notícia publicada hoje na Folha.Uol (2.mai.2022).” 

 

“O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, tiveram uma conversa telefônica após o julgamento do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que foi condenado à prisão por 10 votos a 1.”

 

“Mendonça foi um dos ministros que votaram pela condenação, embora propondo uma pena menor do que seus colegas.”

 

Segundo o Painel apurou, Mendonça explicou ao presidente os motivos de ter dado uma pena menor ao parlamentar e foi elogiado por Bolsonaro, que depois o defendeu em público das críticas da base conservadora em um evento.”

 

            Ou seja, houve desdobramentos...

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/05/mendonca-explicou-a-bolsonaro-razoes-para-seu-voto-pela-prisao-de-daniel-silveira.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha

 

 

domingo, 10 de abril de 2022

Banditismo evangélico segundo Marilene Felinto

 

A crônica de hoje para a Folha de S. Paulo (9 abr 2022) recebeu o sugestivo título: Banditismo evangélico corrói na surdina instituições republicanas – Enquanto minha mãe se põe a morrer, encolhida e ainda crente, minha raiva de pastores falsários se avoluma. Escrito por mulher inteligente, lúcida, corajosa, o texto é daqueles que entram para a História de nossa República.

Marilene confessa que escreve “cheia de raiva desses evangélicos”. No instante em que escreve, sua mãe agoniza em um leito de hospital. Ela fora criada frequentando a Assembleia de Deus, e já “reconhecia há tempos que a promessa evangélica de paraíso carrega uma nódoa de falsidade, indecência, exploração e trapaça”; “desiludida, a mãe mudou-se para a Metodista e depois para a Batista”. Crítica de todas elas, ficou com sua “própria Bíblia”.

Marilene agora diz o que sente: “Eis que a farsa já pode receber o nome de fraude, de banditismo. Banditismo evangélico. ...O banditismo grassa de norte a sul, faz negócios no balcão da promiscuidade entre política e religião evangélica. A recente revelação de que o demitido ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, fazia tráfico de influência com recursos públicos da pasta já não seria o bastante para indiciá-lo por crime? Indiciar a ele e a seu superior imediato, o fascista Jair Bolsonaro.”

         O áudio que todo mundo ouviu dizia que "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim", afirma o Ministro.

         As negociatas eram lideradas por dois pastores da Assembleia de Deus, Gilmar Santos e Arilton Moura, acusa Marilene Felinto. E ela prossegue: “O banditismo evangélico vai corroendo na surdina as instituições republicanas, cagando em cima de uma Constituição supostamente laica. Ora, o ethos político e o ethos moral são diferentes, ressaltam os estudiosos do tema, "e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder". Mascarados, criminosos, bandidos. Pois esses moralistas, esses fascistas vestidos de pastores serão vetados!”

         “Enquanto minha mãe se põe a morrer”: assim a jornalista e escritora resume a situação da própria mãe, enquanto tudo isso acontece! E exprime uma mágoa enorme: “Perder mãe é ver perder-se um pouco de todo o resto. Naquela infância evangélica, ao menos um pai ateu nos esperava em casa, fazia o contraponto. Amém.”

*


         Antes de tudo, é preciso respeitar os sentimentos de Marilene Felinto. É a frustração de uma vida inteira, ao ver a mãe iludida e aprisionada por uma igreja após outra, pelas promessas vãs de um pastor após outro, e morrer só, com a “própria” Bíblia.

         Esta é a história dos evangélicos que hoje dominam a política no Congresso Nacional, nos meandros insondáveis do Poder Executivo, chegando mais recentemente ao Supremo Tribunal Federal, para constrangimento do país.

         A mãe de Marilena representa milhares de mães, pais, famílias inteiras, todos iludidos pela promessa de um lugar no Paraíso, a custo de muito dinheiro. Este dinheiro alimenta e faz crescer o poder desses evangélicos a que Marilene se refere, que se atrevem a desvirtuar as funções mais nobres da administração pública, saqueando os Ministérios da Saúde e da Educação, logo os mais importantes, amputando assim a possibilidade de crescimento e desenvolvimento das novas gerações.

         Obrigado Marilene Felinto, por sua manifestação de resistência.

 

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilene-felinto/2022/04/banditismo-evangelico-corroi-na-surdina-instituicoes-republicanas.shtml

 

 

quarta-feira, 9 de março de 2022

Nação à deriva


Bolsonaro com lideranças evangélicas, 

Silas Malafaia à direita

Foto: Cristiano Matriz/Agência O Globo

 


Eu dirijo a nação para o lado que os senhores desejarem”. 

 

O presidente Jair Bolsonaro se reuniu ontem com 280 religiosos no Palácio da Alvorada e proferiu a frase acima. Parece que eram evangélicos, aproximadamente 30% dos brasileiros, de acordo com o Datafolha. 

A fala que antecede a frase aqui destacada completa o sentido das ideias do presidente:

 

“— Seria muito fácil estar do outro lado. Mas, como eu acredito em Deus, se fosse para estar do outro lado, nós não seríamos escolhidos. Falo “nós” porque a responsabilidade é de todos nós. Eu dirijo a nação para o lado que os senhores desejarem.”

 

            Fica evidente que, para o presidente, o país está dividido em dois ‘lados’: os que creem e os que não creem. 

O tema é recorrente neste blog.

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2016/12/crer-ou-nao-crer.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2015/12/religiao-e-psiquiatria.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2016/11/acaso.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2013/08/ateus-declaram-se.html

Entre outros.


            Penso que isso é muito grave. Um presidente não pode dividir a nação. Sua função é a de unificar, governar para todos, indistintamente. Afirmo o óbvio. Qualquer inteligência mediana há de concordar com isso. A não ser nas autocracias, onde o líder é seguido cegamente, ou quando a inteligência está muito abaixo da média.

            Outro aspecto assustador é o surgimento dos “escolhidos”! Devo me considerar um “não-escolhido”? Certamente, minha condição de ateu há de atestar isso. E o que isso significa? Devo pregar na roupa algum distintivo, uma estrela amarela, por exemplo, a indicar minha condição de pária?

            Há muito o Brasil deixou de ser um país laico, o que fere com força a Constituição Brasileira. Agora, isso é confirmado aos berros pelo presidente da república, em gesto inconstitucional.

            E o Supremo Tribunal Federal não intervém?! O Congresso não intervirá, diante da invencível ‘bancada evangélica’.

            Nação à deriva!

 

 https://oglobo.globo.com/politica/bolsonaro-reune-evangelicos-em-meio-acenos-de-adversarios-conheca-as-liderancas-entenda-relacao-com-governo-1-25424693

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Linguagem neutra

 

 

Em postagem de julho último comentei o texto do Museu da Língua Portuguesa, convidando "todas, todos e todes os falantes, ou não, do nosso idioma", para a auspiciosa abertura do Museu. Meu comentário à época foi: para mim, todos ainda representa todos.

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/07/todes-contra-ou-favor.html

            Leio hoje (7 dez 2021) matéria de Arthur Leal, André de Souza e Pâmela Dias em O Globo, com o título 'Linguagem neutra': o dialeto de não-binários que professores querem debater em sala de aula, e Resolvi Pensar Melhor Sobre O Assunto.

            Os autores destacam que, antes mesmo que as escolas pudessem discutir a questão, uma enxurrada de projetos surgiu em todo o país, contra o uso de linguagem neutra, o que sugere forte preconceito. O tema já está no Supremo, a pedido de professores, “para que não haja interferência externa nos debates acadêmicos”, e já teve parecer favorável do ministro Édson Fachin.

Segundo o artigo, “para especialistas, a língua portuguesa não sofre ameaça e a possibilidade de inclusão pela linguagem não pode ser ignorada. A tese é defendida na ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) apresentada no Supremo contra um projeto do governo de Rondônia, que proíbe o tema nas unidades de ensino, e pode vir a orientar a forma como ele passará a ser tratado daqui para frente.” 

O voto apresentado por Fachin afirma: “A chamada linguagem neutra ou ainda linguagem inclusiva visa a combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro”.

Ainda no Supremo, o PT questionou um decreto de Santa Catarina que “proíbe novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas”, nos concursos públicos e documentos oficiais. O ministro relator Nunes Marques solicitou parecer da PGR e AGU. A AGU defendeu o decreto catarinense, citando manifestação do Ministério da Educação também contrária. “As modificações da linguagem neutra, por serem alheias ao uso corrente da língua, são alheias ao cotidiano de crianças, jovens e adultos”, alegou a AGU.

Agora Começo A Ficar De Orelha Em Pé! Nunes Marques é o relator; a AGU é contra; o Ministério da Educação também é contra; melhor pensar sobre o assunto.

O professor Gilson Reis, diretor da Contee, afirma que “leis como a de Rondônia têm mais a ver com questões políticas e ideológicas. Sabemos que, na prática, a linguagem neutra é algo profundamente difícil de ser implementado, porque teria, por exemplo, de flexionar todas as palavras já existentes.” 

Para Rodrigo Borba, linguista coordenador do programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ, “a linguagem neutra não representa risco ao português. É uma forma de demonstrar respeito a pessoas que não se identificam com o gênero masculino ou feminino. Funciona como se fosse uma gíria, mas que é importante para demonstrar pertencimento e respeito a um grupo. Mudar a língua é um processo histórico, que não vai acontecer tão cedo.”

Brune Medeiros, 23, que começou a se reconhecer como uma pessoa trans não-binária em 2016, “acredita que não existe uma separação marcada somente pelo masculino e feminino que contemple a forma como se enxerga no mundo. Na Faculdade de Letras da UFRJ, Brune descobriu a oportunidade de contribuir para o debate da linguagem neutra, uma proposta de adaptação da língua portuguesa para que as pessoas não binárias se sintam representadas. Assim, “amigo” ou “amiga” virariam “amigue”, segundo uma das propostas. Ela difunde o conceito de que “a proposta da linguagem neutra não é mudar o português, mas permitir que pessoas como ela se sintam representadas”.

 

            Depois de identificar o preconceito em mim, registrado na postagem anterior, concluo: não sofro de qualquer influência política ou ideológica ligada o tema; gosto da ideia de que a língua portuguesa, pátria de todos nós, não estará ameaçada; a linguagem neutra parece estranha (“alheia ao cotidiano”), mas penso que podemos aprendê-la; respeito as pessoas autodenominadas não-binárias; se a linguagem neutra faz bem a elas, tudo bem para mim. 

      Reescrevo, portanto, a frase da postagem anterior: 

      – Espero que todes estejam representados e satisfeitos. Ups!, ou devo dizer, representades e satisfeites?

 

https://oglobo.globo.com/brasil/linguagem-neutra-dialeto-de-nao-binarios-que-professores-querem-debater-em-sala-de-aula-25308322

 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Bíblia e Constituição, nessa ordem?

 


 

Nesta quarta-feira (1º dez 2021), André Mendonça, indicado para ministro do STF pelo presidente da República, foi submetido a longa sabatina, com oito horas de duração, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Ele assumiu com ênfase o compromisso de defender a Democracia, a Justiça e o Estado laico, e resumiu em frase de efeito seu modo de pensar: "Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição". 

            Em seguida, sua indicação foi confirmada pelo plenário do Senado. Mendonça então se dirigiu à sala da Presidência do Senado, onde fez breve pronunciamento, que pudemos assistir ao vivo pele tevê. Aí surgiu a fala enigmática, para dizer o mínimo.

            André Mendonça mudou o tom do discurso apresentado durante a sabatina para uma fala “terrivelmente” religiosa. Depois de “dar glórias a Deus por essa vitória”, afirmou: 

      – “É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil é um salto. Um passo para o homem, um salto para os evangélicos. ...É uma responsabilidade muito grande, uma nação de 40% dessa população que hoje é representada no Supremo Tribunal Federal."

      Uma atitude de cautela será esperar pelos votos do futuro ministro nos julgamentos do Supremo, quando saberemos, de fato, a que veio ele. Porém, nada me impede de perguntar: por que Mendonça no STF representará um salto para os evangélicos?

      Não consigo imaginar outro sentido para esta fala que não o intuito de defender os interesses da “nação evangélica”, especialmente aqueles que contenham implicações morais e religiosas. Exemplos? Homossexualismo, direito ao aborto, eutanásia, liberdade religiosa plena e tantos outros.

      Retrocesso à vista? 

 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Pensar a Moral

 O psicanalista Contardo Calligaris publicou há 8 dias (5 ago 2020) artigo instigante na Folha de S.Paulo, ao relacionar moral e fé religiosa. 

        Informa Calligaris: “O Pew Research Center acaba de publicar uma pesquisa em que indivíduos de 34 países, geográfica e culturalmente diversos, responderam à pergunta: “É preciso ser religioso para ter moralidade.”

O resultado da pesquisa revela que “a ideia de que só há moralidade graças à religião prospera nos lugares de menor desenvolvimento econômico e cultural — entendendo por “desenvolvimento” cultural a proximidade com as ideias da modernidade ocidental.”

            Eis alguns dados pinçados por Calligaris:

Na Indonésia e Filipinas, 96% estão convencidos de que não há moral sem religião. 

Espanha e Itália, berços do catolicismo, ficam em 23% e 30%.

França, grande pátria da modernidade, 15%. 

Estados Unidos: 54% respondem que é possível sermos morais sem religião, e 44% pensam o contrário.

Os menos convencidos são a Suécia: 9%.

No Brasil e África do Sul, 84% pensam que a religião é a condição da moralidade, logo atrás da Nigéria e do Quênia.

Completa Calligaris: “A modernidade recusa a ideia de que os valores morais estão fora da gente — numa escrita sagrada ou nas palavras do camarada Stálin, do pastor, do padre, do papa ou do PCC, tanto faz. A modernidade é contra a elevação dos braços para convidar o rebanho a adorar, e pouco importa que a gente levante uma hóstia, uma Bíblia ou uma caixa de cloroquina — para a modernidade, o gesto de levantar os braços pedindo adoração é imoral em si. Para a modernidade, a fonte da moralidade está na gente. Ela não se mede na conformidade a mandamentos externos. Ela é uma responsabilidade de foro íntimo.” 

            Ao aceitar  “liberdade moderna”, o homem assume a responsabilidade daquilo que é a moral para cada um de nós; “procurar o certo e o errado na conformidade com prescrições (divinas ou terrenas, tanto faz), isso é sempre o mais imoral dos atos”, resume Calligaris.

            Tudo parece muito bem posto pelo conhecido psicanalista. Até que ontem o mesmo jornal publica crônica de Hélio Schwartsman, De onde vem a moral?, em resposta à provocação de Calligaris.

            Segundo Schwartsman, “De fato, não há boçalidade muito maior do que imaginar que não exista moralidade fora da religião. Acho até que podemos radicalizar o argumento. Não há nada mais imoral do que a moral diretamente extraída das Escrituras, que nos autorizam a vender filhas como escravas (Ex. 21:7) e nos obrigam a matar gays (Lv. 20:13).”

Prossegue o filósofo: “Acredito, contudo, que a moralidade seja um fenômeno com fortes componentes externos (situacionais). Ela é forjada na teia de relacionamentos sociais que mantemos com nossos semelhantes.” ... 

Para Schwartsman, “A moralidade é a solução encontrada pela evolução para compatibilizar os impulsos egoístas do indivíduo e a necessidade de reduzir conflitos dentro do grupo. Essa permanente tensão entre bichos que são ao mesmo tempo rivais e aliados desemboca em emoções e sentimentos socialmente relevantes como inveja, raiva, gratidão, compaixão, vergonha, culpa, que são a tabela periódica com a qual cada sociedade constrói seu código moral.”

 

É possível pensar que as ideias aqui expostas se complementam. É Igualmente razoável admitir que uma pessoa profundamente religiosa – e que pensa com liberdade – seja capaz de reconhecer naquele que não crê a moralidade perfeitamente estabelecida. Penso que a tal “modernidade” deve implicar necessariamente liberdade de pensamento e expressão, e acima de tudo, tolerância para com aquele que pensa diferente.

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2020/08/ideia-de-que-moral-depende-da-fe-prospera-em-paises-menos-desenvolvidos.shtml

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/08/de-onde-vem-a-moral.shtml

 

terça-feira, 19 de maio de 2020

Uma obrigação moral

18.mai.2020, Folha de S. Paulo 


“Não sei se um impeachment contra Jair Bolsonaro tem condições de prosperar. Numa avaliação política, eu diria que, hoje, não. Mas acredito que temos a obrigação moral de deflagrar o processo, mesmo que não tenha êxito. Os crimes de responsabilidade cometidos pelo atual mandatário são tantos, tão ostensivos e tão graves que deixar de acusá-lo equivaleria a coonestar suas atitudes.”

                                                               Hélio Schwartsman


O título do artigo de Schwatsman é O dever do impeachment - Temos a obrigação moral de deflagrar o processo, mesmo que não tenha êxito.
            Raro alguém falar em “dever moral” nos dias que vivemos. Raro alguém pensar a ética, especialmente com a volta da política baseada no “pragmatismo”.
            O significado da palavra pragmatismo no Houaiss é a “Doutrina que preconiza que as ideias devem ter aplicação prática para ter valor.” Simplesmente isso.
            Como a Língua é viva, cada vez mais pragmatismo se associa a corrupção moral, na qual a aplicação prática se dá apenas em interesse próprio, geralmente escuso.
            A ressalva “mesmo que não tenha êxito” está em oposição a este pragmatismo interesseiro a que me refiro, e enfatiza a obrigação moral de se fazer alguma coisa, mesmo que tão singela quanto escrever estas palavras em um blog que pouca gente lê.



sábado, 28 de dezembro de 2019

Nova astrologia?





“Diga-me qual é o seu signo e eu te direi para onde ir de férias é o mais recente caça-cliques turístico. A obsessão com a estética das constelações vem sendo impressa tanto nas camisetas da marca Stradivarius (28 reais) como nos desenhos de Clare Waight Keller para a Givenchy (1.730 reais). A Goop vende garrafas portáteis com pedras de ametista dentro para se “beber água com boas vibrações” (360 reais). Este ano, na Urban Outfitters se destacaram os “geodos místicos” convertidos em práticos e decorativos suportes de livros (137 reais), mas ainda há estoque de velas e aromatizadores de ar para celebrar os solstícios (114 reais). A K-Hole, agência que prevê tendências, já antecipava em 2015 e acertou em cheio: aproximavam-se tempos de devoção à magia em várias subtendências, todas associadas ao esotérico e ao feminismo.” 
Assim tem início do esclarecedor artigo de Noelia Ramírez (26 dez 2019) para El País, intitulado O pujante negócio da astrologia contra o patriarcado. O feminismo exalta bruxas, horóscopo e memes num ramo que faz dinheiro com moda e consultoria pessoal em meio à incerteza social. Trata do novo consumo da astrologia, incluindo os aplicativos de horóscopo, com serviços personalizados diários e gratuitos, entre outros serviços pagos (mapa astral), viciantes e bem-sucedidos. 
“Como observou a jornalista Erin Griffith, em um artigo do The New York Times intitulado Investidores digitais estão pondo dinheiro em astrologia, o setor de “serviços místicos” tem um potencial comercial de 2,1 bilhões de dólares (cerca de 8 bilhões de reais), depois que o Co-Star, um aplicativo baixado por três milhões de usuários que permite comparar mapas astrológicos para que “a irracionalidade invada nossas formas de vida tecno-racionalistas”, captou cinco milhões de dólares (cerca de 20 milhões de reais) em investimentos de fundos de capital de risco do Vale do Silício.”
            Parece uma brincadeira! Para os consumidores, pouco importa que as informações recebidas tenham amparo científico ou não, trata-se de um paliativo mágico contra a ansiedade e o vazio, é como ir ao shopping e passar o dia a fazer compras. Não vale fazer a clássica pergunta Qual a diferença entre astrologia e Astronomia? A resposta baseada em fatos não interessa.
            Em outras palavras, a verdade não está em jogo. Por isso chamei de brincadeira, que rende bilhões ao espertos e emburrece os consumidores.
            O artigo de Ramírez termina com bela definição: “Passagem para o intangível, essa fuga no feminino para um pensamento mágico diante de uma tendência global de incerteza econômica e política.”
            É preciso combater a ignorância, sempre. Aos suscetíveis à “nova astrologia”, proponho o estímulo ao exercício de pensar. 



segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Paul Gauguin torna-se réu


'Tehamana tem muitos pais'
 Retrato da amante menor de idade de Paul
Foto: Instituto de Arte de Chicago

Sob o provocativo título Devemos parar de admirar Paul Gauguin?, Farah Nayeri escreve para The New York Times (2 dez 2019) artigo que há de gerar polêmica. Portanto, interessa a este blog.
“Está na hora de pararmos de vez de olhar Gauguin?” Esta é a pergunta espantosa que os visitantes ouvem no guia áudio, circulando pela mostra Gauguin Portraits na National Gallery, em Londres.” Estão expostos autorretratos, retratos de amigos, de colegas artistas, das jovens com as quais viveu no Taiti e dos filhos que ele teve com elas.
Destaca-se o retrato de Tehamana (1893), amante adolescente de Gauguin, segurando um leque. O artista “manteve frequentemente relações sexuais com adolescentes, ‘casou’ com duas delas e teve filhos”, informa o texto na parede do museu. 
Paul Gauguin nasceu em Paris em 1848, viveu no Peru na infância, até regressar à França. Começou a pintar com pouco mais de 20 anos e viajou para Taiti de barco em 1891, aos 43 anos de idade, desiludido com sua produção artística até então. 
A inovação formal apresentada pelo pintor a partir de então tornou-se sucesso mundial, marco fundamental na história da pintura. Afirma Nayeri: “Em uma época de extrema sensibilidade às questões de gênero, raça e colonialismo, os museus estão reavaliando o seu legado. Agora, tudo deve ser revisto em um contexto muito mais pormenorizado", disse Christopher Riopelle, um dos curadores da mostra da National Gallery.  
 Sasha Suda, diretora da National Gallery do Canadá editou alguns dos textos afixados ao lado dos quadros. Por exemplo, em vez de “o seu relacionamento com uma jovem taitiana”, ela escreveu “o seu relacionamento com uma menina taitiana de 13 ou 14 anos”. Disse mais: “Tratar dos “pontos cegos” da obra de artistas históricos “poderia tornar estes artistas mais relevantes”. Entretanto, “para outros profissionais dos museus, o reexame da vida de artistas do passado, da perspectiva do século 21, é arriscado”
“Eu posso ter horror e sentir asco pela pessoa, mas a obra é a obra”, explicou Vicente Todoli, diretor artístico da fundação de arte Pirelli Hangar Bicocca de Milão. “Uma vez que um artista cria algo, isto deixa de pertencer ao artista, passa a pertencer ao mundo”. 
“Ashley Remer, uma curadora da Nova Zelândia, que em 2009 fundou a girlmuseum.org, um museu online sobre a representação de meninas na história e na cultura, insistiu que, no caso de Gauguin, as ações do homem foram tão escandalosas que ofuscaram a obra. “Ele foi um pedófilo arrogante, superestimado, paternalista, chegando a ser tosco”, afirmou. 
Agora vem a parte mais surpreendente, para não dizer estarrecedora, do artigo de Farah Nayeri: “Para garantir que o legado artístico de Gauguin não seja manchado por seus “casamentos” com adolescentes, estes relacionamentos deveriam permanecer cobertos nas exposições, segundo Line Clausen Pedersen, curadora dinamarquesa que organizou várias mostras de Gauguin. Em cada exposição, “retira-se outra camada da proteção da história de que ele de certo modo se aproveitou”, disse. “Talvez tenha chegado o momento de arrancar mais camadas do que antes”. E acrescentou: “O que resta dizer a respeito de Gauguin é que devemos retirar toda a sujeira”.
 Uma certa ministra do atual governo talvez pudesse convocar aquela senhora para reavaliar a produção artística nacional, desde sua origem até os dias atuais, para retirar tanta sujeira. O fundamentalismo religioso não impera apenas entre nós, infelizmente. Fico pensando quanto da arte seria escondida debaixo de panos, empoeirando em salas obscuras dos museus, guardada em porões de antigas bibliotecas, censurada aos olhos dos homens, a partir de julgamento moral, e não artístico, de um determinado julgador onisciente e onipotente.
Voltamos à Idade Média? Seria isso o começo do fim da Arte?



segunda-feira, 1 de julho de 2019

Tradição e Ética



Foto: Paula Vianna


“Japão retoma caça comercial de baleias após mais de 30 anos”, é a manchete da reportagem assinada por Harumi Ozawa para a Folha de S.Paulo de hoje (1º.jul.2019).
“Nesta segunda, navios japoneses caçaram com arpão duas baleias em águas japonesas, inaugurando a retomada da caça comercial desse animal que estava interrompida há mais de três décadas.”
"É uma pequena indústria, mas estou orgulhoso da caça às baleias. A prática existe há mais de 400 anos na minha cidade", disse Yoshifumi Kai, presidente de uma associação de baleeiros, animado em voltar ao mar. "Acreditamos que as baleias são recursos marinhos como os peixes e que podem ser usadas de acordo com critérios científicos", explicou à AFP um funcionário do Ministério da Agricultura, Silvicultura e Pesca. "Determinamos cotas para não prejudicar as espécies", disse.
Alguns desejam preservar uma tradição, especialmente os idosos, que lembram que a baleia era sua única fonte importante de proteína no período pós-guerra. Para algumas cidades, “a caça à baleia representa uma razão de ser, se não econômica, pelo menos cultural e moral”.
Progressivamente o Japão está abandonando a caça às baleias em alto mar, não é uma interrupção completa, mas é um grande passo para o fim", afirmou  Patrick Ramage, diretor do programa de conservação marinha do Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal (IFAW). A indústria baleeira, que conta com de 250 pescadores, "afundará rapidamente", prevê.
"Recebíamos [carne de baleia] na cantina quando eu era pequena, mas acho que não vou comê-la de novo. Acho que o Japão deveria tomar suas decisões levando em conta o resto do mundo, que diz que isso não está certo", declarou em Tóquio uma japonesa de 30 anos que pediu anonimato. 

Em uma notícia despretensiosa como esta, encontramos um grande embate de ideias: tradição centenária versus ética.
Interessante esta última informação: o Japão contra o mundo em defesa de uma tradição. (Parece que o mesmo se dá com relação às touradas em Espanha.) O argumento da tradição precisa ser levado em conta; são os costumes de um povo que estão em jogo, sua cultura, independentemente do dilema certo/errado.
No entanto, o que era ético há 400 anos, hoje pode não ser mais, e os povos têm o dever de rever costumes e tradições. É o que diz a japonesa anônima: hoje ela não come mais carne de baleia, levando em conta o que pensa o resto do mundo.
Quando o homem pode pensar, ele é capaz de mudar um costume de séculos. Se não pode pensar, costumes bárbaros, e outros não tão bárbaros como os rituais religiosos, precisam ser mantidos. 
De fato, não é fácil pensar.



quinta-feira, 23 de maio de 2019

Destino cruel de Emma





Cadela saudável foi submetida à eutanásia para atender ao último pedido da tutora, que queria ser enterrada ao lado de seu animal de estimação. 
Aconteceu nos Estados Unidos, informa Lívia Marra para a Folha de S.Paulo (22 mai 2019). “A shih tzu Emma foi levada a um abrigo na Virgínia no começo de março, após a morte da tutora. Durante as duas semanas que ficou ali, os protetores tentaram reverter a decisão e colocar a cadela para adoção.”
Emma acabou submetida a eutanásia, seu corpo cremado, e as cinzas colocadas em uma urna e devolvidas ao representante da mulher.
Nos Estados Unidos, a lei considera animais de estimação como propriedade pessoal. A eutanásia sem necessidade não é aprovada por muitos veterinários, que consideram a decisão cruel e recusam o procedimento.
            No Antigo Egito, quando morria o faraó ou pessoa da alta hierarquia, os escravos, cavalos, animais de estimação eram enterrados junto com o ilustre morto. Parece que a prática perdura, milênios após. 
Que barbarismo! Como é lento o processo civilizatório. 
A homenagem deste blogueiro a Emma.


(Foto: Adobe Stock)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

É isso Medicina?

Conselho de Medicina regulamenta consulta, diagnóstico e cirurgia onlineeste o título da reportagem de Lígia Formenti para  O Estado de S.Paulo (3 Fev 2019).
“Médicos poderão atender seus pacientes pela internet. Resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que deverá ser publicada na próxima semana, permite que profissionais façam consultas, diagnósticos e cirurgias online. A regra, que entra em vigor dentro de três meses, surge no momento em que os governos se deparam com vazios de assistência em regiões distantes do País, provocados pela saída de profissionais cubanos do Mais Médicos.” 
O relator da resolução no CFM, Aldemir Soares, afirma que “as consultas a distância podem ser úteis para levar assistência nas cidades que não conseguem atrair profissionais.” 
A consulta a distância somente pode ser feita com a concordância do paciente. Um termo por escrito, com autorização expressa, tem de ser assinado. (A afirmação chega a ser ridícula. Imagine o leitor alguma situação na qual o paciente fosse “obrigado” a ser atendido a distância!)
O texto aprovado pelo CFM permite também o diagnóstico a distância. “O relator conta que a tecnologia já permite que alguns exames, como o de ouvido e garganta, possam ser feitos pela internet.” 
A resolução prevê ainda a teletriagem, quando um médico avalia o paciente e determina qual o tipo de atendimento que ele deve receber. “Isso pode ser muito útil, evita que o paciente, por exemplo, seja encaminhado para uma especialidade que não é tão apropriada para o seu caso.” 
As regras estabelecidas se aplicam para a assistência em geral, seja de médicos particulares, que atuam no Sistema Único de Saúde, ou para planos. 
“A resolução do Conselho Federal de Medicina permite também cirurgias a distância. Soares conta que já existe no País cerca de 40 centros habilitados para esse tipo de procedimento em que um médico opera, por meio de um robô, um paciente que pode estar a muitos quilômetros de distância. A norma que deverá ser publicada nesta semana prevê que o procedimento somente poderá ser feito em locais com infraestrutura adequada. E, além do cirurgião remoto, é preciso estar presente, no local onde está um paciente, um cirurgião da mesma especialidade. “Ele pode auxiliar na operação, com manipulação de alguns instrumentos e, caso haja qualquer problema, pode assumir a operação.”
(Hospitais e postos de atendimento com frequência estão desprovidos de um simples esfigmomanômetro; como falar em cirurgia a distância?)
Uma pergunta me ocorre de imediato: É isso Medicina?
Ou teremos de dar outro nome a esta prática, que não envolve necessariamente a presença física de médico e seu paciente? A tão festejada relação médico-paciente agora torna-se virtual. 
            Tempos estranhos esses.






terça-feira, 16 de outubro de 2018

Haja estômago!




"Ex-médico Roger Abdelmassih é condenado a 181 anos de prisão por estupros e inspira minissérie."
            Esta a manchete estampada na página do G1 de hoje (16 out 2018); ontem teve início, na TV aberta (Globo), a minissérie Assédio, estrelada por atores de peso. 
De fato, são duas manchetes em uma: a condenação do criminoso e a criação da minissérie. Subliminarmente, a primeira é chamariz para a segunda: Senhores, vejam na tv a história do criminoso condenado a 181 anos de prisão.
            A arte imita a vida? Ficção inspirada na realidade? Seja lá o que for, ao ver o magnífico Antonio Calloni representar o papel do médico psicopata, no primeiro capítulo da série, minha vontade era de vomitar. Os olhares lascivos e doentios do personagem, além da cena de estupro, deixaram-me perguntando sobre as razões para a criação de minissérie como esta.
            Sensacionalismo barato e de mau gosto? Exploração da curiosidade mórbida do telespectador? Interesse financeiro apenas? E o que pensarão as 39 mulheres, vítimas de 52 estupros, ao verem – talvez reviverem – as cenas de tamanho realismo e crueldade? 
            Porque se trata de assunto doméstico e ainda presente nas páginas dos jornais e na Internet, a impressão que se tem é de realidade pura, e não de ficção. Minha impressão subjetiva era a de que estava assistindo a um documentário.
            O tema violência contra a mulher está na ordem do dia, com muita propriedade. Será esta, a apresentação de uma série de tv, a melhor forma de tratar do assunto estupro? Se for, haja estômago.
            Meu sábio irmão certamente diria: Qual a necessidade?
            




quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O troglodita interno



A crônica de hoje de Leandro Karnal para O Estado de S. Paulo (1 Ago 2018), intitulada O deus das pequenas coisas, ressalta que além da grande ética, existe uma pequena ética, a etiqueta.
             Afirma Karnal: “O centro da etiqueta é fazer com que meu comportamento exista em harmonia com os outros, sem perturbar, invadir, desagradar ou agredir pessoas de forma intencional.” ...”o primeiro passo é multiplicar expressões que me desloquem do centro do universo. Com palavras e gestos, devo indicar que faço parte de um todo maior e que existo, mas não vivo isolado. Assim, “por favor”, “com licença”, “muito obrigado” e o coloquial “me desculpe” indicam que desejo me harmonizar com outras pessoas, respeitar suas existências.” ...“Ser gentil desarma cenhos e punhos. A gentileza é o deus das pequenas coisas, o antídoto ao Neandertal permanente que nos acompanha no trânsito, à mesa e no leito.”
            E o cronista encerra seu texto com surpreendente sinceridade:

“De tudo o que já escrevi na minha vida, o texto de hoje é o que mais eu preciso ler, reler, refletir e tentar seguir o que recomendo aos outros. Meu troglodita interno é vivo, forte e altivo. Sob a pátina de civilizado há em mim um homem primitivo e tosco.É uma luta. Sou derrotado com frequência, todavia tento, tento e tento novamente.”

(O grifo é meu.) Trata-se de uma reflexão fundamental que todos nós devemos fazer: o homem primitivo, tosco, bruto, verdadeiro troglodita, que habita em nós, e com quem temos que conviver em todos os instantes de nossa vida cotidiana. 
Karnal sugere que nos utilizemos da etiqueta, a pequena ética, na luta (inglória) contra este ser primitivo, este Neandertal entranhado em nós. 
Trata-se de luta para uma vida inteira.




quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Manifesto francês



Artistas e intelectuais francesas criticam 'puritanismo' de campanha contra o assédio.
Manifesto defende a 'liberdade de importunar' dos homens, que consideram 'indispensável para a liberdade sexual'.
Cem artistas francesas contra o “puritanismo” sexual em Hollywood.
Manifesto assinado por atrizes como Catherine Deneuve defende que série de denúncias de assédio vai na contramão da liberação sexual.

            Estas são manchetes de alguns dos principais jornais de hoje (09 Janeiro 2018), quando cerca de cem artistas e intelectuais franceses lançaram manifesto no qual criticam o "puritanismo" da campanha contra o assédio surgida por conta de casos envolvendo o produtor Harvey Weinstein. Eles defendem a "liberdade de importunar" dos homens, que consideram "indispensável para a liberdade sexual". O manifesto, publicado no jornal francês "Le Monde", afirma que homens devem ser "livres para abordar" mulheres.
            A divulgação do manifesto ocorre dois dias depois da cerimônia do Globo de Ouro, tomada por protestos contra a onda de assédios: atrizes se vestiram de preto e a apresentadora Oprah Winfrey, homenageada da noite, fez um discurso contra o machismo.
“O estupro é crime. Mas o flerte insistente ou desajeitado não é um delito, nem o cavalheirismo uma agressão machista", disseram Catherine Deneuve, a escritora Catherine Millet, a editora Joëlle Losfeld e a atriz Ingrid Caven.
As artistas disseram que "não se sentem representadas por esse feminismo que, além das denúncias dos abusos de poder, adquire uma face de ódio aos homens e sua sexualidade", em alusão ao movimento #MeToo, que surgiu para denunciar nas redes sociais casos de abusos machistas.
As artistas reconhecerem que o caso Weinstein deu lugar a uma "tomada de consciência" sobre violência sexual contra as mulheres no contexto profissional; lamentam que agora sejam favorecidos os interesses dos inimigos da "liberdade sexual" e dos extremistas "religiosos". “Mas esta liberação da palavra se transforma no contrário: nos intima a falar como se deve e nos calar no que incomode, e os que se recusam a cumprir tais ordens são vistos como traidores e cúmplices”, argumentam as signatárias, que lamentam que as mulheres tenham sido convertidas em “pobres indefesas sob o controle de demônios falocratas”.
O manifesto prega que as mulheres deveriam se unir contra outro oponente, os "inimigos da liberdade sexual", como extremistas religiosos e reacionários.
O manifesto alerta ainda para as repercussões que este novo clima poderia ter na produção cultural. “Alguns editores nos pediram [,,,] que façamos nossos personagens masculinos menos ‘sexistas’, que falemos de sexualidade e amor com mais comedimento ou que convertamos ‘os traumas sofridos pelas personagens femininas’ em mais explícitos”, denunciam as signatárias, opondo-se também à recente censura de um nu de Egon Schiele no metrô de Londres, ao pedido de retirada de um quadro de Balthus de uma mostra do Metropolitan de Nova York e às manifestações contra uma retrospectiva dedicada à obra de Roman Polanski em Paris.”
“O filósofo Ruwen Ogien defendeu a liberdade de ofender como algo indispensável para a criação artística. Da mesma maneira, nós defendemos uma liberdade de importunar, indispensável para a liberdade sexual”, subscrevem as cem signatárias do manifesto.
           
            Sem qualquer tomada de posição, penso que o manifesto francês é oportuno e traz o contraditório, ampliando assim o campo de discussão.





 Foto de Catherine Deneuve: Loic Venance / AFP