domingo, 7 de março de 2021

O ateu

Ele vivia tão bem, era tão feliz, que chegou a considerar a ideia de que Deus existe.


Tardes de sábado

 

Roger comemora o gol pela Inter de Limeira

Foto: Ítalo Gabriel / Inter de Limeira

 

 

Tarde de sábado, o ar lavado pela bátega caída ainda há pouco a rescender o perfume do jardim. Zapeio os canais de esporte em busca de um bom jogo do campeonato paulista e encontro verdadeiro clássico interiorano: Internacional de Limeira versus Novorizontino, prestes a começar. Vejo as escalações e encontro apenas um nome conhecido, Roger, veterano centroavante da Inter, ex-jogador do Corinthians. O gramado se apresenta em bom estado, o jogo promete!

            A Inter vem de duas derrotas, contra a Ferroviária e São Paulo; o time de Novo Horizonte vem de dois empates, contra Ponte Preta e Mirassol; ambos precisam vencer. Daí o jogo disputadíssimo no Limeirão, franco, aberto desde o início, com o máximo empenho dos atletas. No final do primeiro tempo, em contra-ataque mortal, Roger desloca o pesado zagueiro adversário para a esquerda e chuta da entrada da área no canto direito do goleiro, num belo gol: 1 a 0 para a Inter.

            No segundo tempo o Novorizontino reage, pressiona, ganha um escanteio, o atacante coloca a bola na marca do corner, vem o bandeirinha e aponta a posição irregular da pelota: ela precisa tocar a marca de cal (que já não é mais de cal, agora as demarcações do campo são pintadas com tinta branca). Eis que surge a pérola vinda do locutor esportivo, inconformado com o preciosismo do bandeira, dessas que me enchem de alegria as tardes de sábado: 

            – Os senhores sabem, a bola é redonda, então basta que um lado dela toque a linha para que a posição seja considerada regular, afirmou o indignado locutor.

            Matuto comigo mesmo, a casa em silêncio, até os cães dormem: “a bola é redonda” deve ser o pleonasmo do século! E se é redonda, os únicos “lados” que tem são o interno e o externo. O locutor fala demais; no tempo do radinho de pilha colado na orelha o locutor precisava falar muito, para descrever o que se passava em campo e até o que não se passava em campo, verdadeiro artista incumbido de transmitir aos ávidos ouvintes do mundo toda a emoção da partida; nas transmissões pela tevê o expectador precisa no máximo do nome dos jogadores, nada mais; mas o locutor fala fala fala, precisa aparecer, defender seu precioso salário em tempos de peste. Dá nisso: a bola é redonda!

            O escanteio é cobrado sem perigo de gol. O time visitante ataca, o time da casa se defende bem. A Inter volta a marcar, gol invalidado pelo VAR, isso mesmo, o implacável VAR está presente na partida.

Às tantas, falta perigosa para o Novorizontino; quem vai bater é o mesmo beque que levou o drible do Roger, dono de chute potentíssimo; ele tenta se recuperar da falha anterior; a barreira é formada, com a lentidão de sempre, a catimba de quem está ganhando o jogo; vem o chutão, e como diz o grande Milton Leite a bola sai do Limeirão, passa por cima de Araraquara e cai em São Carlos, na chácara do meu amigo Sergio Pripas!

            Ficamos no 1 a 0, um bom jogo. Nada como o futebolzinho nas tardes amenas de sábado.