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sábado, 9 de maio de 2020

Carta do jornalista Ramos


Meu caro André,

desculpe a intimidade, chamando-o pelo nome, mas depois que Suzete me indicou seu blog – que bom nome, Louco por cachorros! –, vasculhei-o, li tudo o que o tempo me permitiu, gostei muito, especialmente as sessões literárias e de fotografia, que aprecio bastante, e já o tenho como amigo, embora nem o conheça pessoalmente. Sei que mora em Brasília, em algum momento espero poder visitá-lo.
            Observei também que você fala pouco de política, dessa politica partidária baixa, da politicagem que assola o Brasil; mesmo assim registro o “marcador” Política sem palavras, com imagens engraçadas ou até ridículas. Você trata da grande Política, coisa que nos interessa a todos nós, queiramos ou não.
            Jornalista de profissão, não tenho o direito de fazer tal discriminação; falo de tudo, preocupado em informar. Só não falo de fake news, do jornalismo marrom, sensacionalista, barato. De modo que, com sua permissão, vez em quando vou falar do que penso ser importante, às vezes mesmo que seja inconveniente. O que você censurar, estará censurado, o blog é seu. Sem ressentimentos.
            Porém, posso explorar aqueles gostos que temos em comum, por exemplo o gosto por listas. (Apreciei deveras a lista dos nomes populares da formiga bunda-de-ouro!)
http://loucoporcachorros.blogspot.com/2020/05/formiga-bunda-de-ouro.html 
            O presidente da república é um NÉSCIO
Significados da palavra néscio:
1. aquele que é desprovido de conhecimento(s), de discernimento; estúpido, ignorante.
2. aquele que não tem aptidão ou competência; incapaz, inepto.
Etimologia:
Do Latim, NESCIUS, “ignorante, aquele que não sabe”, de NE  SCIRE, “não saber, não aprender”.
            A lista:
burro estulto estúpido idiota ignorante imbecil inepto lerdaço palerma parvo pedra raso limitado peco inocente estólido mentecapto tolaz bronco asselvajado avilanado boçal bruto ignorante inculto labrego lapuz lorpa obtuso panaca patego peco primitivo provinciano rude rústico sáfaro sáfio saloio simples simplório xucro caipira malcriado tolo jumento besta.
            Interessante notar que a todas essas palavras pode ser acrescentado o adjetivo mesmo, o que produz efeito inesperado e de muita ênfase. Exemplos: burro mesmo, estúpido mesmo, jumento mesmo, e assim por diante, e esta seria uma outra lista!
            Independentemente do uso das palavras, do destino que a elas podemos dar, observo que também temos em comum, André, o gosto pelas palavras. Adoro a palavra lorpa! Não é mesmo linda e engraçada? Ainda, lerdaço
            Em outros casos, faz-se injustiça com o primitivo e original significado da palavra: burro, jumento, são animais adoráveis, cujos nomes não mereciam aplicar-se ao presidente. Fazer o quê, se não somos donos das palavras nem dos destinos delas. Porém, às vezes a palavra ganha em importância e grandeza: um presidente pedra! Ou: um presidente raso!
            Caso o presidente venha a ler esta carta – a República está cheia desses tortuosos labirintos e as notícias voam –, espero que não se ofenda, são palavras, nada mais que palavras...
            Bem, alonga-se esta minha epístola; foi um primeiro contato, que espero se prolongue. Desde já, você está autorizadíssimo (noto que ambos gostamos de um superlativo de vez em quando) a publicá-la no blog, caso a considere digna dessa honra.
            Com meus mais efusivos sentimentos de amizade, despeço-me. 
Do seu,

Ramos.
            

sábado, 2 de maio de 2020

O jornalista Ramos


Diante do rumoroso sucesso da crônica E daí?, do jornalista Ramos, publicada no Diário de Notícias da cidade de F., penso que Francisco de Oliveira Ramos, ou apenas Ramos, merece ser apresentado aos leitores deste blog.
            E merece apresentação por duplo motivo. Primeiro porque se trata de pessoa interessante, solteirão bem conservado em seus 50, homem culto, amante da literatura e das artes em geral, casmurro na maior parte dos dias, revelando às vezes certa instabilidade emocional, sujeito a pequenos surtos, como todos nós, o que explica a explosiva paródia da citada crônica. O que não empalha o brilho de suas contribuições para o jornal.
            Ramos vive modestamente, com minguado salário do Diário; às vezes publica em uma ou outra revista de variedades, o que lhe rende dinheirinho extra, reservado para viagens de trabalho – ele gosta do jornalismo investigativo, fã incondicional de Truman Capote, daí o toque literário de seus textos. Mora numa casa modesta, em pequena chácara na periferia de F., em companhia de seus cães, onde cultiva hortaliças, colhe algumas frutas, desfruta do silêncio necessário para ouvir boa música, ler seus autores prediletos.
            O segundo motivo para apresentá-lo aqui é mesmo surpreendente! São “as voltas que o mundo dão”, bem o disse Guimarães Rosa. Coisas da vida, de um vida sobre a qual não exercemos qualquer controle, a nossa nem a dos outros, todos personagens de um romance sem pé nem cabeça, escrito no livro non sense da vida cotidiana, a ponto de gente sabida como Jorge Luis Borges afirmar que realidade e ficção são a mesma coisa.
            Ramos foi cortar o cabelo e conheceu Suzete!
            Suzete mudou-se para F. há dois anos e meio, onde abriu salão de beleza com secção de cabeleireiro para homens e mulheres, maquiagem, manicure e pedicure – só para mulheres, que os homens de F. não fazem as unhas –, massagem, drenagem linfática, coisa fina, empreendimento de alta rentabilidade a serviço da fina flor da sociedade de F..
            Quando Ramos entrou no amplo salão e pediu para cortar o cabelo, foi Suzete quem se apresentou, ela que adora cortar cabelo de homem. Instalado em confortável cadeira, nem bem iniciou o corte, Ramos notou junto a pentes, escovas, pinceis e outros petrechos da cabeleireira, volumoso livro cujo título não conseguia ler. Desculpe perguntar, que livro é este sobre a mesa, é você quem está lendo, Quem mais poderia ser, por acaso uma cabeleireira não pode gostar de ler, Claro que pode, me desculpe o jeito de perguntar, Está desculpado, reconheço que não é mesmo comum, E o tijolo afinal, o que é, As irmãs Makioka, de Jun’Ichiro Tanizaki, e Ramos, perplexo, disparou De onde você desenterrou isso, ouvindo em seguida sonora gargalhada de Suzete, que aproveitou para esnobar o jornalista, É autor japonês de renome, já li três livros dele, o senhor não conhece, tudo indicações que encontro no blog Louco por Cachorros, não vá me dizer que o senhor também não conhece o blog, ah! e também gosto de escrever, está vendo aquele caderno ali, tem crônicas, contos, até um poeminha eu arrisco de vez em quando.
Ramos, atônito, não sabia o que pensar diante da fala articulada, culta, de senso crítico apurado da cabeleireira (passou-lhe uma sombra pela cabeça, pois pensou mesmo foi... de uma simples cabeleireira). Ele não conhecia o livro nem o autor, muito menos o blog de nome esquisito, Louco por cachorros? Que diabo era aquilo? Haveria de pesquisar, poderia até dar um bom artigo para o jornal. Cabeleireira que gosta de ler e escrever? Se bobear, vai parar no Fantástico!
Findo o serviço, Suzete espanou alguns fios de cabelo que porventura houvessem caído na camisa do cliente, recebeu o pagamento e os agradecimentos devidos, Meu nome é Ramos, sou jornalista, muito prazer, Eu me chamo Suzete, volte sempre.
          Ao deixar o salão Ramos murmurou consigo mesmo, Como sou preconceituoso! Quinze dias depois lá estava ele de volta ao salão, apenas para aparar o cabelo sobre as orelhas...