segunda-feira, 1 de abril de 2013

Strelitzia reginae



a flor-do-paraíso
abre-se majestosa
em pleno outono

Foto: A.Vianna, Brasília, abril de 2013.

A Máquina do Mundo no Século XXI


Ao meu amigo Aldo.

No ano de 1949 encontrava-me em completo estado de analfabetismo e, portanto, mesmo que me houvesse deparado com o jornal, não haveria meio de saboreá-lo. Estou a me referir ao Correio da Manhã, publicado em 2 de outubro de 1949, domingo, vendido nas bancas por 50 centavos de cruzeiro, e que estampava na primeira página dois feitos extraordinários, para a época, e ainda muito mais, para os dias de hoje.
Ao lado de várias notícias internacionais sobre a Iugoslávia, União Soviética (!), África, havia, à direita, uma coluna ocupando quase todo o comprimento da página, contendo um poema. Mesmo em se tratando de uma edição de domingo, o fato não deixava de ser insólito.


Havia, no entanto, um outro elemento, que talvez explicasse parcialmente o primeiro; o poema era, nada mais nada menos, que A máquina do mundo, do itabirano Carlos Drummond de Andrade. Para muitos, hoje, é a mais importante peça do autor, e talvez a melhor de toda a poesia brasileira. Sua publicação em livro viria a ocorrer apenas em 1951, pela editora José Olympio, com o volume intitulado Claro Enigma.



            Um poema na primeira página de um grande jornal parece algo impensável nos dias de hoje. Poesia aparece hoje, de forma esporádica, em cadernos especiais de fim de semana, ditos de Cultura, timidamente. Há mesmo quem interrogue aberta e publicamente se ainda há lugar para a poesia hoje.
            E se o poema for A máquina do mundo? O que se passou na cachola do editor-chefe do Correio da Manhã ao deparar-se com a obra de Drummond? Era ele um apreciador da poesia? Ou simplesmente faltou matéria para completar a primeira página? Outras hipóteses podem ser levantadas, como a da influência política na decisão de publicar o poema. É bom lembrar que o Carlos de 49 não era o Carlos de hoje.
Minha ideia, poética ou não, vale dizer ingênua ou não, é a de que alguém impactou-se com a grandeza do poema e resolveu fazer brilhar aquele domingo de outubro.
À primeira leitura, que fiz d`A Máquina há mais de 40 anos, ela pareceu-me hermética, soturna, fria, porque eu não fazia ideia do que se tratava. Não conhecia a Máquina do Mundo desde Ptolomeu, ou até antes dele, com os gregos, passando por Copérnico, Pedro Nunes, Camões, Newton, e tantos outros, até chegar a Haroldo de Campos.
            Eu não conhecia os versos de Luís de Camões, em Os Lusíadas, quando a deusa Tétis revela a Vasco da Gama a Máquina do Mundo (Canto X, est. 76 a 91):    

“Vês aqui a grande Máquina do Mundo,
etérea e elemental, que fabricada
assim foi do Saber, alto e profundo,
que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus: mas o que é Deus ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.”
           
Também a Drummond a Máquina se revelou:
           
                        “A máquina do mundo se entreabriu
Para quem de a romper já se esquivava
E só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
Sem emitir um som que fosse impuro
Nem um clarão maior que o tolerável”...

Porém, o poeta, moderno e sábio, recusou a oferta:

“Baixei os olhos, incurioso, lasso,
Desdenhando colher a coisa oferta
Que se abria gratuita a meu engenho.”

            Drummond devia saber que a procura de um sentido para a vida, ao final do século XX, havia se deslocado da filosofia (e da poesia) para a ciência, com a construção do CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), e seu LHC (Large Hadron Collider). A busca agora, em pleno século XXI, é pelo bóson de Higgs. Mas o homem, que reluta em deixar o romantismo, intitulou-a Partícula de Deus!
É assim que A Máquina do Mundo aparece hoje na primeira página dos jornais, e jamais sob a forma de um poema.


Se fosse verdade...

Acordou, sentou-se na cama, disse ao marido, Vou me separar de você. Aterrorizado, ele começou a chorar. E ela, Primeiro de Abril!