segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Homenagem a Brittany Maynard




          O suicídio assistido da americana Brittany Maynard recentemente praticado teve repercussão mundial, particularmente porque o tema permanece controverso, despertando opiniões radicais, contra ou a favor, quase sempre movidas por convicções religiosas e dogmáticas. Mesmo porque são poucos os que já experimentaram situações semelhantes e que, portanto, poderiam opinar com conhecimento de causa.
            A moça, de 29 anos, era portadora de agressivo tumor cerebral, já sem qualquer possibilidade terapêutica, a não ser uma paliação que acabaria por levá-la à perda de sua autonomia. Decidiu então pôr fim à própria vida, na casa dela, junto aos seus familiares, com data e hora marcadas. Ela mesmo ingeriu a dose letal de barbitúricos sob prescrição médica.
            Eis a opinião de Arthur Caplan sobre o caso, médico bioeticista e diretor de ética médica do Langone Medical Center, da Universidade de Nova Iorque, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (9 de novembro de 2014) (1): “Acredito que foi uma decisão ética porque ela sabia o que queria, era adulta, capaz e preferiu não se submeter ao tratamento paliativo do estágio avançado da doença. Não queria perder o controle sobre seu corpo e mente. Acredito que não tenha sofrido pressão, fazendo uma escolha sobre a qual refletiu.”
            Caplan ressalta a importância da legislação do Estado de Oregon, cuja lei do suicídio assistido completou já 17 anos: “Tornar o método disponível vem evitando que mais pessoas se suicidem, como acontece em Estados e países onde o procedimento é ilegal. As pessoas se suicidam com armas de fogo, se jogam na frente de trens. A opção legal do suicídio assistido acalma o paciente, que sempre pode voltar atrás.”
            Segundo a legislação do Estado de Oregon, a pessoa precisa ter a doença terminal comprovada por dois médicos, e a sanidade mental certificada por psicólogo ou psiquiatra. A medicação precisa ser solicitada por três vezes, com um mês de intervalo entre os pedidos. O paciente tem que decidir ingerir as pílulas por conta própria. A polícia e o departamento de saúde pública precisam ser informados.
            Embora, pessoalmente, eu esteja de pleno acordo com o que foi exposto até aqui, penso que estamos muito distantes de tal posição no Brasil. A prática médica brasileira privilegia o princípio da beneficência, ou seja, o médico faz aquilo que ele acha que é correto e melhor para seu paciente. O que o próprio paciente pensa, ou seus familiares, isso é secundário para tomada de decisão do médico. No máximo, e quando ocorre, este informa a família da decisão tomada.
            Nos Estados Unidos e Europa predomina o respeito à autonomia da pessoa, o que torna exequível certos procedimentos como o suicídio assistido (mesmo assim, nos Estados Unidos isso só é permitido por lei em apenas cinco estados).
            Atitudes como a de Brittany Maynard também são importantes para que o tema seja ventilado, amplamente discutido pela sociedade, com a liberdade de pensamento necessária, removidas as posições dogmáticas, de maneira que mudanças possam ocorrer em nossa legislação. Suicídio assistido e eutanásia são considerados crimes em nosso país.
A discussão do tema não deve ser de exclusividade daqueles que pertencem à área de saúde ou da academia. Toda a sociedade precisa estar envolvida, mesmo porque as mudanças haverão de atingir todo cidadão, todos que estamos fadados a morrer um dia. Que possamos fazê-lo da forma mais digna possível, segundo a escolha de cada um.


Liberdade



Ao fim do dia os passos se tornam  lentos,
sólidos, a bater o chão  com a correta presteza,
como em obediência  a um rumo muito antigo,
isentos de busca,
libertos de indagação.
Ao fim do dia os olhos já não perscrutam,
apenas divisam os justos contornos,
como a traçar as coisas do mundo que sempre existiram,
desapegados da  luz,
ao largo da sombra.
Ao fim do dia as mãos seguram com calma o bastão,
amolentadas por doce fadiga,
como cordas que amarram navios, num cais deserto,
esquecidas de sua função,
desenoveladas.
Ao fim do dia, após o trabalho,
o homem pode enfim respirar,
comer um prato, beber um copo,
sentar-se, arriscar um palpite sobre o tempo.
Já não é preciso explicar a vida.

Paulo Sergio Viana                 

Foto: Paulo Sergio Viana


http://blogdopaulosergioviana.blogspot.com.br/2014/11/liberdade.html

Espetáculo à parte




             Quem esteve na Sala São Paulo no último fim de semana teve a oportunidade rara de presenciar um espetáculo à parte.
As obras a serem executadas pela Osesp naquela noite eram de excepcional qualidade: a Abertura Trágica, de Andrzej Panufnik, o Concerto Nº 27 para Piano em Si Bemol Maior, KV 595, de Mozart, e a Sinfonia Nº 2, de Brahms. O concerto de Mozart seria interpretado pelo renomado pianista alemão Lars Vogt.
Porém, o espetáculo mesmo ficou por conta do regente polonês Stanislaw Skrowaczewski!
As portas da sala fechadas, a orquestra a postos, aguardando a entrada do maestro para a primeira peça da noite, a plateia atenta, qual a surpresa dos espectadores quando entra no palco e caminha (com certa dificuldade) para o tablado (onde sobe com mais dificuldade ainda) um velhinho de 91 anos de idade, a cabeça branca, pequenino e muito magro, curvado e com um ombro mais alto que o outro, fragilíssima figura. A pergunta que há de ter passado pela cabeça de muitos era, Será que ele vai aguentar o concerto todo? Aguentou, e com extraordinário brilho!
Stan, como é carinhosamente chamado, nasceu em Lwów, Polônia (hoje Ucrânia) em 3 de outubro de 1923. Depois de reger em Cracóvia, radicou-se nos Estados Unidos, onde regeu as principais orquestras. Iniciou sua carreira como pianista, tornou-se regente e compositor.
Passou os últimos quinze dias trabalhando com a Osesp!
Durante todo o concerto ficou evidente a ascendência do maestro sobre a orquestra, que regeu com indiscutível personalidade.
         Terminado o espetáculo, indo e vindo para receber os calorosos aplausos da plateia, impressionado com a dificuldade do homem para caminhar, ocorreu-me que se ele usasse uma bengala, poderia ajudar. Depois pensei, quem usa uma batuta com tanta arte não precisa de bengala.
Uma noite inesquecível.