Leio com interesse e curiosidade a
crítica (enfim, uma crítica!) de Dirce Waltrick do Amarante, escritora,
publicada no Caderno 2 do Estadão de sábado último (27/07/2013), cujo título é
Contemplação do haicai escapa ao poeta Maluquinho.
Dirce
escreve: “O que parece faltar na maioria dos haicais de Ziraldo é, acima de
tudo, algo muito prezado pelos mestres japoneses: a imagem e a suspensão
momentânea da linguagem demasiadamente afirmativa. A cena ambígua é o que deve
predominar”. E cita um haicai de Ziraldo:
“Falei
primeiro.
É um livrinho
legal,
Mas falta
cheiro.”
Ao
citar Roland Barthes, a autora completa: “A suspensão da linguagem no haicai
aparece como uma ‘imensa prática destinada a deter a linguagem, a quebrar essa
espécie de radiofonia que se emite continuamente em nós, até em nosso sono’”.
Outro exemplo de inadequado haicai de Ziraldo:
“É hilário!
A internet
roubou meu prazer
De ler o
dicionário.”
Ao
falar da filosofia do haicai, ela acrescenta: “Podemos começar a ver quão profundamente
o ser humano, em todos os tempos e lugares, se identifica com o meio ambiente
onde vive e com as criaturas que o povoam”. E cita um genuíno haicai, do poeta
japonês Kobayashi Issa (1762-1826):
“Ó, caracol do
verão,
Você vai
devagar, bem devagar,
Ao topo do
Fuji!”
Antes
de mais nada, preciso dizer que gostei das duas composições do Ziraldo por ela
apresentadas, que aqui reproduzo. Concordo que não sejam haicais, na acepção estrita
do termo. Então, são o quê?
Há quem não esteja convencido da
nova fórmula (ou forma) literária, e pense que se trata simplesmente de um terceto.
De fato, é um terceto o Poetrix, por definição. Mas, ao meu ver, não é só isso.
Penso que é difícil empregar o mesmo termo Haicai para as duas composições que
se seguem, de Basho e Leminski, respectivamente:
“em profundo silêncio
o menino, a cotovia
o branco crisântemo”
E:
“cemitério municipal
reina a paz e a calma
em todo território nacional”
Penso também que ambos os tercetos
têm qualidade para figurar em qualquer antologia, de Haicais e Poetrix.
Carlos Drummond de Andrade chamou de
Textos Mínimos estes tercetos, que bem poderiam ser denominados poetrix, pois
haicais não o são:
Arte dos 70:
Sacramento
Do excremento.
Arrependido
O ladrão
devolveu
Aquele quadro
falso do Museu.
Gosto tanto
de ir ao teatro
Que por amor
ao teatro
Vê lá se vou
ao teatro.
No livro organizado por Rodolfo
Witzig Guttilla, Haicai (Companhia das Letras, 2009, em que não aparece o termo Poetrix), estão incluídas como haicais
estas composições do grande José Paulo Paes, que igualmente ficariam bem se
classificadas poetrix:
Teoria
de relatividade
devagar se
vai longe
mais perto de
deus o ateu
que o monge
À bengala
Contigo me
faço
pastor do
rebanho
de meus
próprios passos.
Segundo
Goulart Gomes, “o poetrix é um poema composto de título e uma estrofe de três
versos (terceto) com um máximo de trinta sílabas métricas”.
Será que vai pegar?