segunda-feira, 24 de outubro de 2016

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O direito de cada uma

Com o título A república das Marcelas, o reino das princesas e o sonho das meninas, a senhora Angela Alonso, professora do departamento de sociologia da USP e presidente do Cebrap, analisa o comportamento da primeira-dama do país em crônica publicada ontem (23/10/2016) em caderno nobre – Ilustríssima – da Folha de S. Paulo.
A senhora Angela é bastante agressiva, para dizer o mínimo, em seu texto:

“A primeira-dama reza por breviário mais simples e bem conhecido. Trafega em zona ultrassegura, nada precisa prover ou provar. Tem as contas pagas, as falas prontas, a vida decidida. Nem o nome do filho careceu escolher: no menino se reproduziu o senhor seu pai.
Marcela não se exprime, comparece. No papel de compor a paisagem, talvez visasse o estilo Jackie Kennedy, da simplicidade elegante. Mas acabou em campo retrô, meio Barbie, meio Rapunzel, entre dois mundos, o da boneca, boa moradia para ex-miss dedicada ao consumo, e o reino do faz de conta, onde se encastela qual a mocinha do cabelão.
A senhora Temer pertence a uma linhagem, a das primeiras-damas decorativas, afeitas ao serviço social –a caridade, a filantropia e outras formas de generosidade talhadas para camuflar a desigualdade.”

            Passado o ataque pessoal à primeira-dama, a senhora Angela chega então à essência de seu pensamento, ao comentar sobre o modelo de comportamento feminino esperado:

“Recomendam às meninas se distanciarem dos assuntos públicos em troca de um reinado doméstico. ... a Marcela de verdade encarna um ideal: o da princesa. ... A educação para o casamento avança com candura, como avançam pelo país os profetas do reino de Deus e os arautos do Estado liberal. Aí se abre amplo mercado para a herdeira de Silvio Santos. Se seguir a trilha dos negócios paternos, sua franquia logo abastecerá o país com profusão de princesinhas, prontas a seguirem em júbilo os passos de Marcela. ... Todo sonho de menina é tornar-se uma princesa".

            Porém, bem no final da crônica a senhora Angela acerta a mão:

“O sonho de toda menina devia ser se tornar o que quiser. [O país] precisa de mulheres de nervo e cérebro.”

            Eis a questão: é preciso atacar a pessoa de Marcela Temer, para defender o direito das mulheres, que elas deixem de viver à sombra dos maridos, que se tornem independentes, que possam educar-se cada vez mais, que sejam donas do próprio nariz, enfim, o que toda pessoa minimamente esclarecida pensa nos dias de hoje? A virulência da senhora Angela resulta exatamente naquilo que ela condena, o direito da mulher ser o que ela quiser. Marcela tem esse direito. Todos temos.
           Senhora Angela, para desfazer o infantil ideal de princesinha não é preciso perder a ternura e a elegância.