Miguel Sanches Neto escreve a resenha do Um dia chegarei a Sagres, de Nélida Piñon, para a Edição 249 (jan 2021) de O Rascunho. Destaco pequeno trecho, que comento em seguida.
“Narrado em primeira pessoa masculina, o romance se constrói a partir de retomadas constantes de fatos da infância do narrador e da História, que se misturam. O recurso de uma espécie de estribilho narrativo marca toda a obra, que se afasta dos meios da prosa para se aproximar dos meios da poesia. É em uma língua portuguesa excessivamente literária, que se quer maior do que os fatos, em uma épica contemporânea, sem deixar de cair no caricaturesco, que Nélida explora a identidade portuguesa enquanto idioma. A preferência pelos pronomes em posição de ênclise, o uso desbragado de metáforas e o tom heroico das frases buscam dar ao livro uma monumentalidade para evocar o valor textual da tradição camoniana. Assim, os capítulos se sucedem com um pequeno avanço do conflito, preso a passagens já narradas, que retornam constantemente. Com isso, percebemos que a viagem de ida é uma viagem de volta pela memória, e o que se afasta é também aproximação.”
Confesso que ainda estou com o livro de Nélida na cabeça, um mês depois de terminada a leitura. Há coisas boas e coisas não tão boas no livro, penso; ao mesmo tem não me julgo capaz de uma crítica bem fundamentada. Por isso busco opiniões diversas, como esta que aqui apresento.
Destaco no trecho de Sanches Neto a frase: “É em uma língua portuguesa excessivamente literária, que se quer maior do que os fatos”. Se compreendi bem, concordo plenamente; a escrita é tão importante que parece não necessitar da história, da narrativa do protagonista feita na primeira pessoa.
Mateus sai do norte de Portugal e para em Lisboa, onde nada acontece; apenas a língua “excessivamente literária” permanece. Em Sagres, pouca coisa acontece. No retorno a Lisboa é preciso terminar o livro, já com 500 páginas, e então a narrativa se adensa, ganha corpo, apresenta algo de concreto, mesmo que se trate de sentimentos. Concordo que a autora abusa dos “pronomes em posição de ênclise”.
Mais não reencontrei na boa resenha de Sanches Neto que valha a pena comentar.