Sequestrada aos 15 anos, foi mantida em cativeiro por
13 anos. Teve 4 filhos, todos vendidos. No último parto conseguiu libertar-se.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
Filme bom
Filme bom
não é aquele que ganha prêmio, Oscar, Palma de Ouro, Festival de Veneza, Globo
de Ouro, e nem sempre é agradável de se ver, uma simples distração, filme bom é
aquele que dá o que pensar e conversar sobre ele por dias a fio, cenas que
ficam martelando em nossa cabeça, frases que não podem ser esquecidas
facilmente, diálogos que mexem com a gente, esse é um filme bom. Se não há o que conversar, o filme não presta.
Demolição é um bom filme, dirigido pelo canadense
Jean-Marc Vallée e estrelado por Jake Gyllenhaal e Naomi Watts. A trilha sonora
é espetacular, com muito rock (só podia ser!), rock da pesada.
Em essência – para não contar a história – o que me
interessa é bem o início do filme e alguns de seus desdobramentos. Davis está
no carro com a esposa, ela reclama que a geladeira está vazando e ele nada faz
para consertá-la, que ele preocupa-se apenas com sua cadeira, dá para ver que o
casal tem problemas. De repente o carro é abalroado, o acidente é grave, Davis revela
evidente dificuldade para lidar com o trauma – não consegue chorar.
Já no hospital ele recebe a notícia da morte de sua
mulher; vai até uma dessas máquinas automáticas de vender barras de chocolate,
barras de cereais, barras de tudo que se possa imaginar, refrigerantes, sucos,
água, coloca a moeda na máquina, a máquina emperra, a barra de chocolate (?)
não sai pela devida abertura, ele chuta a máquina, nada, a barra está engastalhada,
defeito no equipamento. Davis procura o posto de enfermagem do andar e é
informado de que a máquina não é de responsabilidade do hospital, pertence a
outra empresa, serviço terceirizado. Ele anota então o endereço para o
atendimento ao cliente e vai para casa.
Senta-se em sua escrivaninha, toma de papel de boa
qualidade – papel de carta –, caneta tinteiro, e escreve uma longa carta
endereçada à companhia responsável, reclamando seus direitos, a devolução do
dinheiro, que a barra permaneceu emperrada, não saiu, mas conta também que sua
esposa acabara de falecer de acidente de carro, e que ele não conseguia chorar,
relata fatos da intimidade de sua vida, escreve escreve escreve.
Não recebe resposta e escreve mais uma ou duas cartas
(não estou bem certo), longuíssimas, solicitando providências e voltando a
relatar seus problemas pessoais, talvez não chore porque não amava sua mulher,
diz ele.
Até
que recebe uma resposta da mulher responsável pelo atendimento ao cliente:
“Prezado Sr. Davis, recebi suas cartas e chorei ao lê-las. Gostaria de encontrá-lo
pessoalmente.”
O
filme segue com seus desdobramentos, alguns interessantes, outros nem tanto, Davis
torna-se um demolidor de geladeira, micro-ondas, máquina de lavar, computador,
e por fim, da própria casa onde morava com a mulher. Porém, constrói um
relacionamento com a mulher que lhe respondeu às cartas e com o filho dela,
adolescente ainda.
O
que me interessa aqui é dar destaque àquilo que se tornou um dos temas centrais
deste blog e que denomino Escrita
terapêutica. Antes mesmo do acidente, nosso protagonista tinha problemas de
relacionamento, ouvia mal as pessoas, falava pouco, interagia menos ainda. Diante
do trauma as dificuldades aumentaram, mas, felizmente, havia o recurso salvador
da escrita. (Posso supor, seguindo a pista do papel-de-carta de qualidade e da
caneta-tinteiro, que o hábito era anterior ao acidente.) Do outro lado da
linha, a moça também escreveu de volta, confessando que havia chorado. Daí para
o encontro foi um pulo.
A
demolição pode ser interpretada como redirecionamento do ódio aos objetos
concretos, em vez de odiar pessoas. A apatia com que Davis vivia não lhe permitia
nem amar nem odiar as pessoas.
Mas ele foi salvo pela escrita terapêutica!
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