domingo, 24 de abril de 2022

É isto um juiz?

 


Alfredo Ceschiatti



O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, votou pela condenação à prisão de Daniel Silveira (PTB-RJ). Detentor da sagrada posição de ministro ‘terrivelmente evangélico’, este seu voto causou rebuliço entre os apoiadores evangélicos, que reagiram à altura, especialmente no Twitter. 

            Até aqui, nada demais, num país como o Brasil. O espanto aumenta com a reação imediata do ministro:

            – “Diante das várias manifestações sobre o meu voto ontem, sinto-me no dever de esclarecer...”

            Pasmem, ele disse isso pelo Twitter! É o veículo de expressão escolhido pelo ministro do Supremo para se comunicar com seus ‘seguidores’ (falaremos disso mais adiante). Ele se sentiu no dever de justificar seu voto! Está inaugurada uma nova era na Justiça Brasileira: agora ministros do Supremo precisam justificar seus votos para a sociedade, ou parte específica dela. Isso deve complicar muito a vida dos ministros, pois na hora de votar, eles devem se perguntar, Como vou explicar isso amanhã?

            Mas isso é só o começo, caro leitor. Vamos aos esclarecimentos que o ministro tem o dever de apresentar, e que ele próprio dividiu em dois itens:

 

“Diante das várias manifestações sobre o meu voto ontem, sinto-me no dever de esclarecer que: [a] como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas; e…”

 

            Como cristão, assim vota o ministro! Ele não se pauta, antes de tudo, pela Constituição Brasileira, da qual o Supremo Tribunal Federal constitui o guardião. Ele se pauta pela Bíblia. Mas há uma atenuante, no segundo item declarado pelo ministro:

 

“[b] como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja. Há formas e formas de se fazerem as coisas. E é preciso se separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio. Mesmo podendo não ser compreendido, tenho convicção de que fiz o correto.”

 

            Ah! ele também se constitui de uma parte jurista, ainda bem. Porém, a justificativa apresentada é mais que pífia, é reles, ridícula, canguinhas: “Há formas e formas de se fazerem as coisas.” Que saber jurídico, senhores! Trata-se praticamente da reencarnação de Ruy Barbosa. Imediatamente após a frase luminar, o ministro acrescenta: “E é preciso se separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio.” Ele não se aguenta, não pára em pé sem o suporte do Livro Sagrado, seu guia fundamental (ou fundamentalista?), citando a conhecida parábola bíblica contada por Jesus, segundo o evangelho de Mateus (13: 24-30).

Resta comentar o parêntese entreaberto no texto acima, a respeito da possível existência dos tais ‘seguidores’. Causa estranhamento que um ministro do Supremo tenha seguidores. O que vem a ser isso? Eles seguem a pessoa do juiz, espécie de guia espiritual? Obedecem à religião pregada pelo ministro, em busca de uma verdadeira teocracia?  Sim, é isso mesmo que está ocorrendo, são de carne-e-osso os fanáticos seguidores que afinal o colocaram na Suprema Corte, tendo como ilustre adoradora a primeira-dama do país. 

Para concluir, é certo que o ministro conhece do assunto muito mais que este pobre blogueiro, mas não custa lembrá-lo, está no seu Livro Guia: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro” (Mateus 6:24-33). Em português mais claro, não se pode servir a Deus e ao Diabo!