terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Microcefalia e aborto

Hélio Schwartsman inicia a crônica de hoje (Deu zika) na Folha de S. Paulo com duas perguntas diretas, de grande interesse para toda a sociedade, e ao mesmo tempo polêmicas, diante da tragédia que vive o país, a epidemia de microcefalia.  Ele questiona: “Grávidas de fetos microcefálicos devem ter o direito de abortar? E mulheres que descobrem ter contraído zika no início da gestação?”
Segundo a lei vigente, o aborto só pode ser praticado em duas circunstâncias: quando a vida da mãe está em perigo, ou a gravidez resulta de estupro. O STF estendeu o direito de abortar a mulheres portadoras de fetos anencefálicos, malformações incompatíveis com a vida extrauterina. Em tese, a microcefalia não se aplica a esta última condição, na maioria das vezes não é incompatível com a vida pós-nascimento .
            Destaca Schwartsman que o legislador responsável pelo atual Código Penal (de 1940), “não colocou a vida do feto como algo a preservar a todo custo, como fazem certas doutrinas religiosas”. A vida da mãe coloca-se hierarquicamente acima à do nascituro. Além disso, levou em conta razões de ordem psicológica, considerando desumano obrigar a mulher a carregar no ventre o fruto da violentíssima relação com um estuprador. Nesse caso, fica claro que o bem-estar psicológico da mulher prevalece sobre a vida do concepto.
            Cabe aqui uma grave observação a respeito da microcefalia. Pelas reportagens difundidas pela mídia, especialmente pelas entrevistas realizadas com mães de recém-nascidos portadores desta condição, fica evidente que a população não está ciente da gravidade do comprometimento neuropsíquico dessas crianças, nem tem sido informada de forma clara pelos órgãos de saúde competentes.
            Voltando ao nosso articulista, agora Schwartsman é peremptório:

“Foi ampliando a noção de que a saúde psíquica das mulheres é um bem jurídico a preservar tão valioso quanto a promessa de vida que a esmagadora maioria dos países industrializados chegou à conclusão de que, ao menos nas fases iniciais da gestação, a mulher deve ser livre para decidir sobre a sua continuação.”

            No Brasil o debate sobre o tema, sempre oportuno, necessário mesmo, encontra-se travado pela intolerância religiosa, pelo fundamentalismo reinante no Congresso Nacional, nada afeito a discussões apartidárias, isentas, de alto nível, e que envolvam toda a sociedade brasileira.