segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Egon Schiele

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James Baldwin



“Ensaio é jogo e dissonância. Instância radical de liberdade de pensamento, é exercício intelectual e disciplina de guerra. E por isso mesmo necessário num mundo em que, pela fabricação de consensos, tenta-se naturalizar todo tipo de dominação.”

            A definição acima é de Paulo Roberto Pires, Editor de Serrote – uma revista de ensaios, artes visuais, ideias e literatura, em seu número 26 (há três publicações anuais), editada pelo Instituto Moreira Salles.
             A revista é um primor e o referido número traz o magnífico ensaio O estranho no vilarejo, de James Baldwin (1924-1987). Nascido e criado no Harlem, Baldwin exilou-se na França aos 24 anos, e lá produziu a literatura rica em discussões sobre questões raciais, direitos civis e homossexualismo.
            Assim tem início o texto, escrito por volta de 1955:

“A julgar por todas as evidências disponíveis, jamais um homem negro pôs os pés neste minúsculo vilarejo suíço antes de mim. Antes de chegar, disseram-me que eu provavelmente seria uma “atração” no vilarejo; do que depreendi que pessoas com meu tom de pele raramente eram vistas na Suíça, e também que alguém da cidade grande sempre era um tipo de “atração” fora da cidade. Não me ocorreu – possivelmente por ser americano – que pudesse existir alguém, em algum lugar do mundo, que nunca tivesse visto um negro.”

             Baldwin descreve com apurado senso crítico as relações que manteve com o povo suíço daquelas montanhas – aproximadamente 600 almas, todas católicas – cuja única atração turística são as águas termais. Ao passar pelas ruas, ele ouve das crianças que gritam Neger! Neger!: elas não sabem o que dizem, apenas descrevem aquilo que aparentemente veem, mas ele sabe o que ouve e o quanto aquilo dói em seus ouvidos, um negro nascido e criado no Harlem.
           
[Não era intensão deste blogueiro voltar ao tema do livre arbítrio; mas aquele que escreve sabe muito bem que não é senhor absoluto de seu texto. Voltamos portanto ao “eles não sabem o que fazem”, tratado na postagem anterior. http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2017/09/mais-de-uma-luz.html#comment-form
            Pobres crianças de Leukerbad, não sabiam o que significava ser chamado de “crioulo”, numa terra de brancos, mas gritavam mesmo assim. Como diz meu ilustre leitor, “sabem que causam dor... mas não sentem a dor alheia”.]

            Baldwin conclui o ensaio:

“Chegou a hora de nos darmos conta de que o drama inter-racial encenado no continente americano criou não apenas um novo homem negro, mas também um novo homem branco. Nenhuma estrada levará de volta os americanos à simplicidade deste vilarejo europeu onde o branco ainda pode se dar ao luxo de me ver como um estranho. Na verdade, não sou mais visto como um estranho por nenhum americano vivo. Uma das coisas que distingue os americanos dos outros povos é que nenhum outro povo se envolveu tão profundamente na vida do negro, e vice-versa. Diante desse fato, e com todas as suas implicações, pode se dizer que a história o problema do negro americano não é apenas vergonhosa, mas é também uma espécie de conquista. Pois, mesmo depois que o pior já foi dito, também devemos acrescentar que o perpétuo desafio imposto por esse problema sempre foi, de alguma forma, perpetuamente enfrentado e vencido. É justamente essa experiência negro-branco que pode vir a ser um valor indispensável para nós no mundo de hoje. Este mundo não é mais branco, e nunca mais voltará a ser branco outra vez.”

            Baldwin utiliza, há mais de meio século, de maneira profética a expressão “para nós no mundo de hoje”. Pois o que escreveu vale perfeitamente para o mundo de hoje, apenas a “conquista” não foi consumada. Os tais supremacistas brancos dos Estados Unidos precisam ler James Baldwin.