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domingo, 24 de abril de 2022

É isto um juiz?

 


Alfredo Ceschiatti



O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, votou pela condenação à prisão de Daniel Silveira (PTB-RJ). Detentor da sagrada posição de ministro ‘terrivelmente evangélico’, este seu voto causou rebuliço entre os apoiadores evangélicos, que reagiram à altura, especialmente no Twitter. 

            Até aqui, nada demais, num país como o Brasil. O espanto aumenta com a reação imediata do ministro:

            – “Diante das várias manifestações sobre o meu voto ontem, sinto-me no dever de esclarecer...”

            Pasmem, ele disse isso pelo Twitter! É o veículo de expressão escolhido pelo ministro do Supremo para se comunicar com seus ‘seguidores’ (falaremos disso mais adiante). Ele se sentiu no dever de justificar seu voto! Está inaugurada uma nova era na Justiça Brasileira: agora ministros do Supremo precisam justificar seus votos para a sociedade, ou parte específica dela. Isso deve complicar muito a vida dos ministros, pois na hora de votar, eles devem se perguntar, Como vou explicar isso amanhã?

            Mas isso é só o começo, caro leitor. Vamos aos esclarecimentos que o ministro tem o dever de apresentar, e que ele próprio dividiu em dois itens:

 

“Diante das várias manifestações sobre o meu voto ontem, sinto-me no dever de esclarecer que: [a] como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas; e…”

 

            Como cristão, assim vota o ministro! Ele não se pauta, antes de tudo, pela Constituição Brasileira, da qual o Supremo Tribunal Federal constitui o guardião. Ele se pauta pela Bíblia. Mas há uma atenuante, no segundo item declarado pelo ministro:

 

“[b] como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja. Há formas e formas de se fazerem as coisas. E é preciso se separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio. Mesmo podendo não ser compreendido, tenho convicção de que fiz o correto.”

 

            Ah! ele também se constitui de uma parte jurista, ainda bem. Porém, a justificativa apresentada é mais que pífia, é reles, ridícula, canguinhas: “Há formas e formas de se fazerem as coisas.” Que saber jurídico, senhores! Trata-se praticamente da reencarnação de Ruy Barbosa. Imediatamente após a frase luminar, o ministro acrescenta: “E é preciso se separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio.” Ele não se aguenta, não pára em pé sem o suporte do Livro Sagrado, seu guia fundamental (ou fundamentalista?), citando a conhecida parábola bíblica contada por Jesus, segundo o evangelho de Mateus (13: 24-30).

Resta comentar o parêntese entreaberto no texto acima, a respeito da possível existência dos tais ‘seguidores’. Causa estranhamento que um ministro do Supremo tenha seguidores. O que vem a ser isso? Eles seguem a pessoa do juiz, espécie de guia espiritual? Obedecem à religião pregada pelo ministro, em busca de uma verdadeira teocracia?  Sim, é isso mesmo que está ocorrendo, são de carne-e-osso os fanáticos seguidores que afinal o colocaram na Suprema Corte, tendo como ilustre adoradora a primeira-dama do país. 

Para concluir, é certo que o ministro conhece do assunto muito mais que este pobre blogueiro, mas não custa lembrá-lo, está no seu Livro Guia: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro” (Mateus 6:24-33). Em português mais claro, não se pode servir a Deus e ao Diabo! 

 

domingo, 10 de abril de 2022

Banditismo evangélico segundo Marilene Felinto

 

A crônica de hoje para a Folha de S. Paulo (9 abr 2022) recebeu o sugestivo título: Banditismo evangélico corrói na surdina instituições republicanas – Enquanto minha mãe se põe a morrer, encolhida e ainda crente, minha raiva de pastores falsários se avoluma. Escrito por mulher inteligente, lúcida, corajosa, o texto é daqueles que entram para a História de nossa República.

Marilene confessa que escreve “cheia de raiva desses evangélicos”. No instante em que escreve, sua mãe agoniza em um leito de hospital. Ela fora criada frequentando a Assembleia de Deus, e já “reconhecia há tempos que a promessa evangélica de paraíso carrega uma nódoa de falsidade, indecência, exploração e trapaça”; “desiludida, a mãe mudou-se para a Metodista e depois para a Batista”. Crítica de todas elas, ficou com sua “própria Bíblia”.

Marilene agora diz o que sente: “Eis que a farsa já pode receber o nome de fraude, de banditismo. Banditismo evangélico. ...O banditismo grassa de norte a sul, faz negócios no balcão da promiscuidade entre política e religião evangélica. A recente revelação de que o demitido ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, fazia tráfico de influência com recursos públicos da pasta já não seria o bastante para indiciá-lo por crime? Indiciar a ele e a seu superior imediato, o fascista Jair Bolsonaro.”

         O áudio que todo mundo ouviu dizia que "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim", afirma o Ministro.

         As negociatas eram lideradas por dois pastores da Assembleia de Deus, Gilmar Santos e Arilton Moura, acusa Marilene Felinto. E ela prossegue: “O banditismo evangélico vai corroendo na surdina as instituições republicanas, cagando em cima de uma Constituição supostamente laica. Ora, o ethos político e o ethos moral são diferentes, ressaltam os estudiosos do tema, "e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder". Mascarados, criminosos, bandidos. Pois esses moralistas, esses fascistas vestidos de pastores serão vetados!”

         “Enquanto minha mãe se põe a morrer”: assim a jornalista e escritora resume a situação da própria mãe, enquanto tudo isso acontece! E exprime uma mágoa enorme: “Perder mãe é ver perder-se um pouco de todo o resto. Naquela infância evangélica, ao menos um pai ateu nos esperava em casa, fazia o contraponto. Amém.”

*


         Antes de tudo, é preciso respeitar os sentimentos de Marilene Felinto. É a frustração de uma vida inteira, ao ver a mãe iludida e aprisionada por uma igreja após outra, pelas promessas vãs de um pastor após outro, e morrer só, com a “própria” Bíblia.

         Esta é a história dos evangélicos que hoje dominam a política no Congresso Nacional, nos meandros insondáveis do Poder Executivo, chegando mais recentemente ao Supremo Tribunal Federal, para constrangimento do país.

         A mãe de Marilena representa milhares de mães, pais, famílias inteiras, todos iludidos pela promessa de um lugar no Paraíso, a custo de muito dinheiro. Este dinheiro alimenta e faz crescer o poder desses evangélicos a que Marilene se refere, que se atrevem a desvirtuar as funções mais nobres da administração pública, saqueando os Ministérios da Saúde e da Educação, logo os mais importantes, amputando assim a possibilidade de crescimento e desenvolvimento das novas gerações.

         Obrigado Marilene Felinto, por sua manifestação de resistência.

 

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilene-felinto/2022/04/banditismo-evangelico-corroi-na-surdina-instituicoes-republicanas.shtml

 

 

quarta-feira, 9 de março de 2022

Nação à deriva


Bolsonaro com lideranças evangélicas, 

Silas Malafaia à direita

Foto: Cristiano Matriz/Agência O Globo

 


Eu dirijo a nação para o lado que os senhores desejarem”. 

 

O presidente Jair Bolsonaro se reuniu ontem com 280 religiosos no Palácio da Alvorada e proferiu a frase acima. Parece que eram evangélicos, aproximadamente 30% dos brasileiros, de acordo com o Datafolha. 

A fala que antecede a frase aqui destacada completa o sentido das ideias do presidente:

 

“— Seria muito fácil estar do outro lado. Mas, como eu acredito em Deus, se fosse para estar do outro lado, nós não seríamos escolhidos. Falo “nós” porque a responsabilidade é de todos nós. Eu dirijo a nação para o lado que os senhores desejarem.”

 

            Fica evidente que, para o presidente, o país está dividido em dois ‘lados’: os que creem e os que não creem. 

O tema é recorrente neste blog.

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2016/12/crer-ou-nao-crer.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2015/12/religiao-e-psiquiatria.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2016/11/acaso.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2013/08/ateus-declaram-se.html

Entre outros.


            Penso que isso é muito grave. Um presidente não pode dividir a nação. Sua função é a de unificar, governar para todos, indistintamente. Afirmo o óbvio. Qualquer inteligência mediana há de concordar com isso. A não ser nas autocracias, onde o líder é seguido cegamente, ou quando a inteligência está muito abaixo da média.

            Outro aspecto assustador é o surgimento dos “escolhidos”! Devo me considerar um “não-escolhido”? Certamente, minha condição de ateu há de atestar isso. E o que isso significa? Devo pregar na roupa algum distintivo, uma estrela amarela, por exemplo, a indicar minha condição de pária?

            Há muito o Brasil deixou de ser um país laico, o que fere com força a Constituição Brasileira. Agora, isso é confirmado aos berros pelo presidente da república, em gesto inconstitucional.

            E o Supremo Tribunal Federal não intervém?! O Congresso não intervirá, diante da invencível ‘bancada evangélica’.

            Nação à deriva!

 

 https://oglobo.globo.com/politica/bolsonaro-reune-evangelicos-em-meio-acenos-de-adversarios-conheca-as-liderancas-entenda-relacao-com-governo-1-25424693

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

O último exorcista


 

 

Padre Vanilson da Silva, o último exorcista do Distrito Federal

Foto: Reprodução/Redes sociais

 

 

“Fiéis católicos fazem abaixo-assinado após afastamento de padre exorcista em Brasília” (O Globo, hoje). 

Em Brasília, fiéis católicos fazem abaixo-assinado para que o pe. Vanilson da Silva volte a realizar missas e sessões de exorcismo na capital federal. 

Ele é o último exorcista do Distrito Federal e foi afastado de suas funções pela Arquidiocese de Brasília.

“Na noite desta terça-feira, 1.264 pessoas tinham assinado o documento”, informa a reportagem.

Nota de esclarecimento assinada pelo Gabinete Episcopal informa que "em breve será oportunamente nomeado outro sacerdote para a função de exorcista".

 

Ou seja, o Demônio continua solto em Brasília! E eu nem sabia que ele ainda existia.

 

 

https://oglobo.globo.com/brasil/fieis-catolicos-fazem-abaixo-assinado-apos-afastamento-de-padre-exorcista-em-brasilia-25396283?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Questão de hermenêutica

 


Francisco, durante a coletiva no avião papal

no retorno de sua viagem ao Chipre e à Grécia

 

 

Recentemente, relatório elaborado por uma comissão independente criada pela Comissão Episcopal francesa sobre os abusos sexuais cometidos durante sete décadas estimou os casos em cerca de 300.000. 

O papa Francisco regressou na manhã desta segunda-feira de sua viagem ao Chipre e à Grécia e deu coletiva a bordo do avião papal. Daniel Verdú, em matéria para El País intitulada Papa Francisco sobre abusos do arcebispo de Paris: “Pecados como orgulho e ódio são mais graves que os carnais” (6 dez 2021), afirma:

 

“[O Papa] surpreendeu ao comentar os detalhes da renúncia, na quinta-feira passada, do arcebispo de Paris, Michel Aupetit, a quem defendeu afirmando que se tratava de um tema de reputação e revelando que Aupetit havia praticado apenas “pequenas massagens e carícias” em sua secretária. “Os pecados da carne não são os mais graves”, afirmou o Papa. “Os mais graves são os pecados como o orgulho e o ódio”, completou.”

“O Pontífice afirmou que os abusos de 70 anos atrás e o acobertamento da época não podem ser julgados sob a ótica atual.”

            “Por outro lado, como já fez em outras ocasiões, Francisco surpreendeu pedindo que parte desses fatos e, em geral, todos os abusos e seus acobertamentos, sejam julgados sob a ótica daquela época. “Quando esses estudos são realizados, é preciso estar atento às interpretações realizadas num período tão longo. Existe um risco de confundir o modo de enfrentar um problema 70 anos depois. Uma situação histórica deve ser interpretada com a hermenêutica da época, não com a nossa. (Grifo meu.) A escravidão, os abusos de 100 anos atrás, por exemplo, nos parecem uma brutalidade. O mundo era outro, havia outra hermenêutica. No caso da Igreja, acobertava-se... era uma coisa que acontecia nas famílias e nos bairros. Hoje dizemos que não funciona. Mas é preciso interpretar com a hermenêutica de cada época”, afirmou.”

            E Verdú conclui: “A teoria do Papa não é fruto de uma resposta improvisada numa entrevista coletiva. Ele a repetiu outras vezes e costuma incomodar enormemente as vítimas, que não encontram nenhuma perspectiva histórica possível para interpretar o estupro de um menor ou o fato de que a cúpula eclesiástica tenha acobertado os criminosos que o fizeram. Ou, ainda pior, que o continuem fazendo. Inclusive se a teoria fosse aceita, consideram, não se trata de uma perspectiva de séculos, mas de poucas décadas.”

 

            Ao terminar a leitura do artigo no El País, tenho dificuldade para comentar as declarações do Papa. Sinto náuseas. Talvez em outro momento.

 

https://brasil.elpais.com/internacional/2021-12-06/papa-francisco-sobre-abusos-do-arcebispo-de-paris-pecados-como-orgulho-e-odio-sao-mais-graves-que-os-carnais.html#?rel=lom

 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Bíblia e Constituição, nessa ordem?

 


 

Nesta quarta-feira (1º dez 2021), André Mendonça, indicado para ministro do STF pelo presidente da República, foi submetido a longa sabatina, com oito horas de duração, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Ele assumiu com ênfase o compromisso de defender a Democracia, a Justiça e o Estado laico, e resumiu em frase de efeito seu modo de pensar: "Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição". 

            Em seguida, sua indicação foi confirmada pelo plenário do Senado. Mendonça então se dirigiu à sala da Presidência do Senado, onde fez breve pronunciamento, que pudemos assistir ao vivo pele tevê. Aí surgiu a fala enigmática, para dizer o mínimo.

            André Mendonça mudou o tom do discurso apresentado durante a sabatina para uma fala “terrivelmente” religiosa. Depois de “dar glórias a Deus por essa vitória”, afirmou: 

      – “É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil é um salto. Um passo para o homem, um salto para os evangélicos. ...É uma responsabilidade muito grande, uma nação de 40% dessa população que hoje é representada no Supremo Tribunal Federal."

      Uma atitude de cautela será esperar pelos votos do futuro ministro nos julgamentos do Supremo, quando saberemos, de fato, a que veio ele. Porém, nada me impede de perguntar: por que Mendonça no STF representará um salto para os evangélicos?

      Não consigo imaginar outro sentido para esta fala que não o intuito de defender os interesses da “nação evangélica”, especialmente aqueles que contenham implicações morais e religiosas. Exemplos? Homossexualismo, direito ao aborto, eutanásia, liberdade religiosa plena e tantos outros.

      Retrocesso à vista? 

 

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Capelão chefe de Harvard é ateu

 


Ateu, Greg Epstein foi eleito presidente dos capelães

da Universidade de Harvard, criada por cristãos.

Foto: Cody O'Loughlin/The New York Times

 


Novo capelão chefe de Harvard é um ateu, é o título de artigo de Emma Goldberg, para The New York Times, em O Estado de S.Paulo hoje (27).

A Universidade de Harvard adota o lema “Verdade para Cristo e a Igreja” e recebeu o nome de um pastor, John Harvard. “Quase quatro séculos depois, a organização de capelães de Harvard elegeu como seu próximo presidente um ateu chamado Greg Epstein, que assumiu o cargo no final de agosto.” 

Epstein, 44, autor do livro Good Without God, vai coordenar as atividades de mais de 40 capelães universitários, que lideram as comunidades cristã, judaica, hindu, budista, além de outras comunidades religiosas no campus. 

“Há um grupo crescente de pessoas que não se identificam mais com nenhuma tradição religiosa, mas ainda sentem uma necessidade real de conversas e apoio sobre o que significa ser um bom ser humano e viver uma vida ética”, disse Epstein.” 

“Em um ambiente universitário mais conservador talvez pudesse haver uma pergunta como ‘Que diabos estão fazendo em Harvard, tendo um humanista como presidente dos capelães?’, disse Margit Hammerstrom, capelã da Ciência Cristã em Harvard. “Mas neste ambiente funciona. Greg é conhecido por querer manter as linhas de comunicação abertas entre as diferentes crenças.” 

“As dezenas de alunos orientados por Epstein encontraram uma fonte de significado na organização da escola de humanistas, ateus e agnósticos, refletindo uma tendência mais ampla de jovens nos Estados Unidos que se identificam cada vez mais como espiritualizados, mas sem filiação religiosa.” 

“Não olhamos para um Deus procurando respostas”, Epstein disse. “Nós somos as respostas um do outro.” “Ser capaz de encontrar valores e rituais, mas não ter que acreditar na magia é uma coisa poderosa”, disse A.J. Kumar, que foi presidente de um grupo de estudantes de pós-graduação humanista de Harvard que Epstein aconselhou.” 

 

Novos ares em Harvard!

 

 

https://internacional.estadao.com.br/noticias/nytiw,o-novo-capelao-chefe-de-harvard-e-um-ateu,70003879701

 

sábado, 16 de outubro de 2021

"O rompimento do mundo dos humanos"

 

O rompimento do mundo dos humanos - Como a apreensão religiosa da realidade destrói a linguagem e ameaça o enfrentamento de nossa própria extinção: este é o título do ótimo texto de Eliane Brum para El País (14 out 2021).

A brilhante jornalista inicia destacando o valor da palavra: “Como humanos, a linguagem é o mundo que habitamos. Basta tentar imaginar um mundo em que não podemos usar palavras para dizer de nós e dos outros para compreender o que isso significa. Ou um mundo em que aquilo que você diz não é entendido pelo outro, e o que o outro diz não é entendido por você, para alcançar o que é ser reduzido a sons porque as palavras perderam seu significado e, portanto, se tornaram fantasmagorias. ... a palavra é o que nos tece. Aquilo que chamamos mundo é uma trama de palavras.”

E se a linguagem for destruída? pergunta ela. E afirma: “Essa é a experiência do bolsonarismo, nome dado no Brasil a um fenômeno que se dissemina no planeta, ganhando em outros países nomes de outros déspotas.”

Eliane prossegue: “O que está em jogo é algo mais profundo: uma mudança na forma de apreensão da realidade... Por uma série de razões, o verbo que progressivamente passou a mediar uma parcela significativa das pessoas na sua relação com a realidade é “acreditar”. ... É uma mediação religiosa da realidade, determinada pela fé. A crença se antecipa aos fatos, e assim os fatos já não importam. É como se as pessoas passassem a ler a realidade da mesma forma que leem a Bíblia.” (O grifo é meu.)

Parece que a expansão do “neopentecostalismo de mercado”, expressão da própria articulista, tem acelerado esse processo.  

            A este conjunto de ideias aqui resumidas, apresentadas por Eliane Brum, dou o nome de fundamentalismo. Porque é preciso dar nome às coisas. Acreditar, em vez de pensar, é o modo de funcionamento psíquico que nutre o fanatismo religioso, político, e de toda natureza. Trata-se, no fundo, de manifestação primitiva, infantil mesma, do ser humano, do tempo em que bastava ouvir e obedecer aos pais (ou deuses) que tudo sabiam. Aquele tempo era bem mais “cômodo”, o alimento do espírito já vinha pronto e mastigado. Vale destacar que a palavra infantil é aqui empregada sem qualquer conotação pejorativa; serve apenas para designar uma determinada época tanto da evolução individual quanto da humanidade em geral.

A jornalista conclui: “... Esse é o abismo do qual nos aproximamos. Estamos à beira de algo com a magnitude do rompimento da linguagem que une os humanos, para além das diferenças de língua: uma parcela da população global aderindo a uma realidade falsificada, mas que, pela adesão, passa a se tornar real. ... Se o princípio é o verbo, o fim pode ser o silenciamento. Mesmo que ele seja cheio de gritos entre aqueles que já não têm linguagem comum para compreender uns aos outros.” 

Salvemos a palavra.

 

 

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-10-14/o-rompimento-do-mundo-dos-humanos.html?event_log=oklogin

 

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Maioria dos franceses

 

A notícia há de chamar a atenção dos que creem e dos que não creem: pesquisa recente revela que 51% dos franceses não acreditam em Deus. O responsável pelo anúncio é o jornalista Mario Sergio Conti, para a Folha de S. Paulo (2 out 2021).

            Conti pergunta: “Por que o movimento antivacina prospera em países desenvolvidos?” Afirma em seguida: “A França tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo. Além de gratuito e igualitário, ele é laico, humanista e enfatiza o raciocínio dedutivo. A educação ajuda a explicar por que o país tem um dos maiores índices de produtividade do planeta. Ela explica também uma pesquisa divulgada há dias, registrando um recorde. Pela primeira vez, a maioria dos franceses, 51%, não acredita em Deus. A França, a ancestral filha da Igreja, à qual se soma a recente vaga muçulmana, já não é majoritariamente religiosa.” (Grifo meu.)

            E Conti apresenta o paradoxo: “O pensamento científico está em alta.

Só que não é bem assim. A França tem uma das maiores taxas de resistência a vacinas contra a Covid do globo —13%.”

            O artigo, que merece ser lido, continua a discorrer sobre a antivacinação. Este blogueiro escreveu sobre o tema recentemente, expondo sua perplexidade:

 http://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/09/a-darwin-o-que-e-de-darwin.html .

            Porém, desejo destacar o problema religioso enunciado acima. A maioria do povo francês não é religiosa, afirma o articulista.

            Primeiro: não conheço a origem da pesquisa e não posso atestar a veracidade dela, embora o jornalista que a veicula seja respeitabilíssimo.

            Segundo: não desejo convencer ninguém de coisa alguma, muito menos em questões religiosas.

            Terceiro: não estou certo se esta é mesmo uma boa notícia.

            Quarto: se a notícia for verdadeira, os ateus de todo o mundo não precisam permanecer tão marginalizados, muitas vezes taxados de degenerados. (Certa feita ouvi de um colega que quem não acreditasse em Deus não deveria ser considerado um ser humano.)  

      Quinto: este deveria ser então mais um preconceito a ser revisto.

      Melhor pensar sobre isso.

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mariosergioconti/2021/10/por-que-movimento-antivacina-prospera-em-paises-desenvolvidos.shtml

 

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Fora com os missionários

 

“Fora com os missionários em terras de índios isolados”: a manchete de Hélio Schwartsman para a Folha de S. Paulo (27 set 2021) parece ter enfurecido a bancada da Bíblia no Congresso, também em guerra com o ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Foi ele quem reafirmou decisão da corte, proibindo a presença de missões religiosas em território de índios isolados, durante a pandemia. 

A citada bancada afirma que a decisão é “orientada por ideologia declaradamente anticristã” e promove “perseguição religiosa”.

Replica Schwartsman: “Besteira. O Supremo não proibiu apenas missionários cristãos de contatar os índios, mas “quaisquer terceiros, inclusive membros integrantes de missões religiosas”. Na verdade, ao esclarecer o alcance da decisão, Barroso até que pegou leve com os cristãos, pois permitiu que as missões que já estavam nas aldeias antes da epidemia nelas permanecessem.”

O articulista da Folha reafirma sua posição : “Na minha modesta opinião, tratando-se de índios isolados ou semi-isolados, o correto seria proibir, em qualquer tempo, não só na pandemia, quaisquer contatos, principalmente os de missionários. Exceções só para emergências. Já o missionário, quando chega a uma aldeia, vai com o propósito específico de destruir a cultura local. Ele, afinal, dirá que tudo aquilo em que os índios sempre acreditaram está errado. E a morte da cultura, como sabemos, é o prelúdio do alcoolismo, do suicídio e outras mazelas que costumam afetar índios aculturados.” (Grifo meu.)

Shwartsman conclui corajosamente: “O Estado é laico, o que significa que, independentemente do número de deputados evangélicos, a crença em Tupã goza da mesma proteção que a crença no Deus cristão. Aliás, como Michael Shermer sempre lembra, nos últimos 10 mil anos, os homens produziram cerca de 10 mil religiões com ao menos mil deuses. Qual é a probabilidade de que Jeová seja o verdadeiro e Zeus, Baal, Brahma, Odin, Tupã e mais 994 sejam todos falsos?”

Ele está a falar do respeito às diferenças, apenas isso.

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/09/fora-com-os-missionarios-em-terras-de-indios-isolados.shtml

 

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Servir a dois senhores

 

Desde a campanha eleitoral que Jair Bolsonaro sonha em  aumentar o número de vagas no Superior Tribunal Federal para aumentar seu poder sobre a corte. Kassio Nunes Marques foi indicado por ele na vaga de Celso de Mello e tem se mostrado fiel ao presidente, pois autorizou a realização de cultos durante a pandemia, suspendeu quebras de sigilos na CPI da Covid e se alinhou ao governo em pelo menos 20 casos. Agora surge a oportunidade de indicação de um segundo ministro, e será André Mendonça. 

            Até aí, nada demais – em termos. Outros governos fizeram o mesmo; o PT indicou Dias Toffoli, que andou pintando e bordando quando o partido estava no poder.       

            Agora, nesse governo onde tudo pode acontecer, e acontece, o que surpreende é o critério para a escolha do novo ministro: Ele Precisa Ser Terrivelmente Evangélico!

            O Pequeno Houaiss, instalado em meu computador, da os seguintes significados para a palavra TERRÍVEL: 

 

1 que provoca terror; assustador, temível
2 muito grande; enorme 

3 que produz resultados nefastos
4 muito ruim, de má qualidade 

 

            O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha (Lexikon Ed., 2007) informa que o vocábulo terrível vem de terror (“estado de grande pavor ou apreensão”, “grande medo ou susto”), e é originário do latim terror, - oris.

            O advérbio que da força à escolha do futuro ministro, portanto, da o que pensar. Como interpretar a expressão “terrivelmente evangélico”? Segundo o dicionário, uma interpretação possível será: 

– Tomem cuidado, algo aterrorizante, assustador, pavoroso, muito ruim, nefasto mesmo, um grande susto vem por aí! 

Não sou tão ingênuo a ponto de interpretar ao-pé-da-letra aquele “terrivelmente”, mas esta leitura não é assim tão descabida, pois a estratégia de infundir medo na população sempre foi prática comum nos governos autoritários, desde tempos imemoriais. 

Mas dessa vez o alvo é bem outro, são os apoiadores evangélicos, base eleitoral do presidente; a indicação do pastor licenciado da Igreja Presbiteriana Esperança é para lhes satisfazer e angariar votos em 2022. (Melhor seria chamá-lo de pastor terrivelmente bolsonarista.)

O que todos se esquecem, o presidente, o ministro indicado e os apoiadores evangélicos, é do ensinamento contido na própria Bíblia Sagrada e enunciado por dois evangelistas:

 

“Nenhum servo pode servir dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.” Lucas 16:13.

 

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.” Mateus 6:24.

            

            O que realmente temo é que o futuro ministro acabe servindo apenas a um senhor, ao senhor errado.

 

sexta-feira, 11 de junho de 2021

São Roberto Belarmino, padroeiro dos negacionistas

 


Roberto Belarmino (Roberto Francesco Romolo Bellarmino), cardeal jesuíta italiano, foi uma das mais importantes figuras da Contra-Reforma; por suas obras, foi canonizado em 1930 e proclamado Doutor da Igreja. 

Belarmino nasceu em Montepulciano, filho dos nobres empobrecidos Vincenzo Bellarmino e Cinzia Cervini, que era irmã do Papa Marcelo II. Tornou-se noviço em 1560, mas foi em Pádua que Belarmino iniciou seu sistemático estudo de Teologia.

Clemente VIII tinha grande confiança em Belarmino e fez dele reitor do Colégio Romano em 1592, examinador de bispos em 1598 e cardeal no ano seguinte. Logo depois, Clemente fê-lo cardeal-inquisidor e foi nesta função que Belarmino serviu como um dos juízes de Giordano Bruno, concordando com a decisão de queimá-lo na estaca como herético

Em 1616, por ordem de Paulo V, Belarmino convocou Galileu Galilei, notificou-o sobre um vindouro decreto da Congregação do Index condenando a doutrina de Nicolau Copérnico de que a Terra se movia e que o sol era imóvel, ordenando-o que a esquecesse. Os arquivos do Vaticano preservam uma cópia não assinada de uma injunção formal muito mais dura que teria sido entregue a Galileu logo após a admoestação de Belarmino ordenando-o a "não manter, ensinar ou defender" a doutrina condenada"de forma nenhuma, seja oralmente ou por escrito" e ameaçando-o com a prisão se ele se recusasse a obedecer. Galileu obedeceu. 

Certa feita Belarmino escreveu ao heliocentrista Paolo Antonio Foscarini:

 

“Eu diria que, se existisse uma verdadeira demonstração de que o sol está no centro do mundo e que a terra está no terceiro céu e que o sol não circunda a terra, mas é a terra que circunda o sol, então teríamos que proceder com grande cuidado ao explicar as Escrituras que parecem dizer o contrário afirmando ao invés disso que nós não as entendemos e não que o que elas demonstram é falso. Mas eu não acreditarei que existe uma demonstração assim até que uma me seja apresentada.”

 

Já idoso, Belarmino foi nomeado bispo de Montepulciano, depois do que ele se aposentou no Colégio Jesuíta de Santo André, em Roma, onde morreu em 17 de setembro de 1621, aos setenta e oito anos. 

 

Aceitei a sugestão do meu amigo Dr. Leopoldo dos Santos Neto, médico e professor cultíssimo, estudioso da Vida dos Santos, que declarou São Roberto Belarmino o padroeiro dos negacionistas! Perfeita sugestão pela façanha: o homem queimou Giordano Bruno e calou Galileu!

 

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Belarmino

 

 

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Safado esperto


 

 

Como não se indignar com a notícia publicada na primeira página da Folha de S. Paulo no último domingo (6 jun 2021)? Em plena pandemia que assola o país, com mais de 15 milhões de desempregados, o auxílio emergencial representa a precária tábua de salvação para tantos brasileiros desvalidos. 

            Surge então o safado esperto, a se aproveitar da boa fé dos que creem, e promete a recompensa na outra vida em troca do auxílio. Talvez ele espere mesmo que, vivendo mal, alimentando-se mal, em péssimas condições de moradia, sem saneamento básico e água encanada, o safado esperto talvez espere que seja breve a sobrevivência do fiel. E que, até a morte, tudo seja doado à igreja. Sua única preocupação é o dinheiro que pode arrancar do semelhante. 

            Aqui não há Teologia alguma. Até mesmo um ateu pode reconhecer que Religião não é isso. Isso é crime.

domingo, 4 de abril de 2021

Crônica da Sexta-Feira da Paixão

 

Retrato do Pe. José Maurício

pintado por seu filho José Maurício Jr

 

 

Por que nutro profundo respeito pela Igreja Católica? Por seu papel primordial no desenvolvimento das artes, da pintura, arquitetura, escultura e, em especial, da música. Tal sentimento me acompanha desde a infância.

            Fomos criados, eu e meus irmãos, em uma família espírita. Minha mãe, formada professora primária, professava o catolicismo até casar-se com meu pai; converteu-se ao Espiritismo pela via mais improvável, mas esta é outra história. A despeito disso, me lembro bem quando ela me convidou para assistir a procissão da Sexta-feira da Paixão. Eu menino com dez anos, ela conseguiu me atiçar a curiosidade, com dois fortes argumentos:

            – Você vai gostar das músicas cantadas, há uma cantora daqui da cidade com voz lindíssima. E vai conhecer o som da matraca!

            Matraca? Matraca não é uma mulher que fala pelos cotovelos?, pensei eu.

            Não acompanhamos a procissão. Minha mãe escolheu um bom lugar em rua por onde o cortejo passaria e esperamos algum tempo; era noite fechada, o local pouco iluminado, o clima solene, quase lúgubre; a procissão passou, impressionante o andor carregado por seis homens, a imagem recoberta por um pano roxo, me lembro bem depois de mais de 60 anos.

Gostei muito da cantoria, solene imponente majestosa emocionante, a tocar definitivamente a alma do menino. Adorei a matraca, pápápápápápá, embora tenha achado o som muito parecido com aquele produzido pelo homem-do-bijú, tipo de biscoitinho muito popular naquela época, vendido por ambulantes que carregavam às costas um volumoso cilindro de metal com os quitutes.

            Durante toda a Semana Santa as rádios da cidade tocavam apenas música sacra, em sinal de respeito; talvez pouca gente ainda saiba disso. Eu ouvia aquelas músicas e gostava. Ainda gosto, ouço música sacra desde então, não apenas na Sexta-Feira da Paixão; com assiduidade ouço o Réquiem de Mozart, minha preferida, aos sábados pela manhã. (Certa vez ouvi de um amigo, Por que você gosta dessa música tão triste? Sinto-a solene imponente majestosa emocionante, tudo menos triste, respondi.)

            Aprendi com minha mãe a gostar também da música sacra brasileira, ao ouvi-la enaltecer Padre José Maurício, “reconhecido internacionalmente”, segundo ela. José Maurício Nunes Garcia (Rio de Janeiro, 1767-1830) foi um padre católico, professor de música, maestro e compositor, mulato, descendente de escravos, que nasceu pobre, mas recebeu sólida educação em música, letras e humanidades. Foi nomeado mestre de capela da Catedral do Rio de Janeiro no final do século XVIII, tendo caído nas graças do príncipe-regente dom João, grande admirador de seu talento, indicando-o diretor da Capela Real e fazendo-o cavaleiro da Ordem de Cristo. Minha mãe sabia disso tudo.

            A Missa de N. Sra. da Conceição, de José Maurício, foi gravada pela Orquestra Sinfônica Brasileira e Coro Sinfônico do Rio de Janeiro, sob regência de Roberto Minczuk; é das mais lindas que já ouvi.

            Assim é que, ainda hoje, a Sexta-feira da Paixão não é para mim um dia triste. 

            

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Por que seguir a Ciência?

 

“Por uma série de problemas, que vão da metodologia à estrutura das carreiras e das publicações, boa parte das conclusões de trabalhos científicos que são feitos atualmente está errada. Nas contas de John Ioannidis (Stanford), a maioria das pesquisas em medicina não merece crédito. Para Jeffrey Leek (Universidade de Washington), os erros alcançam só 14% dos estudos. Os números melhoram na física, mas pioram nas ciências sociais e na psicologia.

Se as coisas são tão precárias, por que seguir a ciência? Creio que a ciência é um pouco como a democracia. É um sistema confuso, cheio de ruídos e distante de qualquer ideal. Ainda assim, é o melhor sistema que temos, se não para encontrar verdades, para produzir conclusões provisórias que dependem mais da realidade do que de nossos desejos. Não é pouco.”

Hélio Schwartsman

 

            A despeito das reais limitações expostas acima por Schwartsman, o método científico traz em si uma grande virtude: ele busca a verdade, encontra o erro, reconhece-o como tal, e torna a buscar a verdade, incansavelmente. Não verificamos tal virtude na Religião, que é feita de dogmas, verdades imutáveis por definição, fonte perene do fundamentalismo tão pernicioso de algumas crenças.

            Não se trata de voltar à velha disputa Religião versus Ciência, que não leva a coisa alguma. Trata-se de reconhecer o real valor da Ciência em tempos de pandemia. Isolamento social, uso de máscaras e vacinação constituem prescrições da Ciência. Por que então não são obedecidas por grande parte da população de nosso país, até mesmo quando a pandemia se agrava? O decantado Leblon ignora a Ciência, de dia na praia, à noite nos bares e boates. Não será por falta de informação, o nível sócio-econômico lá é dos melhores, a maioria é de gente educada; por acaso desprezam a vida? 

            Em Israel, judeus ultraortodoxos teimam em realizar casamentos e funerais com grandes aglomerações. “O que é mais importante?”, indagou Esti Shushan, ativista ultraortodoxa do movimento pelos direitos das mulheres, depois de ver imagens do funeral. “Ir ao funeral e estudar a Torá? Ou continuar vivo?” 

            Entre nós, o que é mais importante, acreditar na Ciência ou aferrar-se à ideologia política de falsos profetas?

            A crônica deste domingo de Hélio Schwartsman para a Folha de S.Paulo, A fé na Ciência, bate na mesma tecla dos últimos meses. Parece que é preciso mesmo repetir repetir repetir.

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/02/a-fe-na-ciencia.shtml

 

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,funerais-ultraortodoxos-em-massa-durante-pandemia-alimentam-tensoes-em-israel,70003621806

 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

A Cruzada das Crianças



A Cruzada das crianças, de autoria do francês Marcel Schwob (1867-1905), originalmente publicado em 1896, é uma pequena obra-prima! 

O livro recria, em prosa poética, a lendária cruzada das crianças em 1212 rumo a Jerusalém, em busca do Santo Sepulcro. O autor apresenta o relato independente de oito “testemunhas”, todos ligadas ao evento: o goliardo, o leproso, o Papa Inocêncio III, três criancinhas, o escrevente François Longuejoue, o calândar (monge maometano), a pequena Allys e o Papa Gregório IX. Eis o que este último pronunciou:

 

“Deus trouxe para si as crianças que participaram das cruzadas, graças ao santo pecado do mar; seres inocentes foram massacrados, e seus corpos encontrarão asilo. Sete barcos naufragaram no recife do Recluso: construirei a igreja dos Novos Inocentes nesta ilha, onde nomearei doze prebendeiros. E tu me devolverás os corpos de minhas crianças, mar inocente e consagrado; tu as levarás às praias da ilha; e os prebendeiros acomodarão os corpos nas criptas do templo; e acenderão com os óleos sagrados lâmpadas perpétuas, para mostrar aos viajantes devotos estes pequenos esqueletos brancos estendidos na noite.”

 

            Antes de algumas palavras sobre o que é fato e o que é lenda nessa história, ressalto a bela edição composta pela Editora 34 (2020), com prólogo de Jorge Luis Borges, ilustrações de Fidel Sclavo, e primorosa tradução de Milton Hatoum, da Coleção Fábula. O projeto gráfico é de Raul Loureiro, com belíssima capa a representar “o mar  devorador que parece inocente e azul, mar de ondulações suaves orlado de branco como uma veste divina”, nas palavras de Gregório IX.

 


A Cruzada das Crianças, por Gustave Doré

 

            A Cruzada das Crianças resultou de um conjunto de fatos esparsos, dando origem às mais variadas fantasias populares que se verificaram por volta do ano de 1212. Segundo o historiador Peter Raedts (The Children's Crusade of 1212, Journal of Medieval History, 3 (1977), nesse ano ocorreram “Duas movimentações de pessoas na França e na Alemanha. Algumas semelhanças entre as duas facilitaram que fossem mais tarde agrupadas como uma única história.”

“No primeiro movimento, Nicholas, um pastor de apenas 10 anos, da Alemanha, conduziu um grupo através dos Alpes até à Itália, na primavera de 1212. Cerca de 7 000 chegaram a Génova no final de agosto. No entanto, como as águas do Mediterrâneo não se afastaram para eles poderem passar como prometido, o grupo separou-se. Poucos conseguiram regressar a casa [alguns tornados escravos] e nenhum chegou à Terra Santa.”

“O segundo movimento, segundo Frederick Russell (Children's Crusade, Dictionary of the Middle Ages, 1989), foi conduzido por um jovem pastor de 12 anos chamado Estêvão de Cloyes que em junho de 1212 afirmou ser portador de uma carta de Jesus para o rei de França. Tendo conseguido atrair uma multidão de mais de 30 000 pessoas, dirigiu-se para Saint-Denis onde foi visto a praticar milagres. Aí, terão recebido de Filipe II de França, aconselhado pelos sábios da Universidade de Paris, ordens para dispersar, que a maioria terá seguido. Nenhuma das fontes contemporâneas aos eventos menciona planos para a multidão se dirigir a Jerusalém.”

 

A partir desses fatos, com alguma sustentação histórica, cronistas de várias origens criaram a lenda A Cruzada das Crianças. Talvez os participantes sequer fossem crianças, pois na mesma época surgiram várias migrações de pobres por toda a Europa, bandos chamados de pueri (do latim rapaz). Mais tarde o termo pueri foi traduzido para crianças.

 

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cruzada_das_Crianças#cite_note-2

 

domingo, 13 de setembro de 2020

Armadilha

A crônica de Sérgio Augusto para O Estado de S.Paulo (12 set 2020),  “Ditos, não ditos e mal ditos”, informa que:

 

“Circulou dia desses nas redes sociais uma profecia de Leonel Brizola, para mim até então desconhecida: “Se os evangélicos entrarem na política, o Brasil irá para o fundo do poço, o país retrocederá vergonhosamente e matarão em nome de Deus”. 

 

E Sérgio Augusto prossegue:

 

“Imagine ler tão apocalíptico vaticínio em meio ao turbilhão de denúncias de corrupção e outras calhordices envolvendo pastores, pastoras, bispos, o prefeito do Rio e políticos da chamada “bancada da Bíblia”, como o que nos engolfou na semana passada. Semana que, aliás, culminou com a obscena e eleitoreira anistia às dívidas de 1 bilhão de reais das igrejas aqui estabelecidas. Nosso Estado é laico, mas o Fisco não.”

 

            Será preciso dizer mais? Até Brizola já sabia!

            Acontece que a bancada evangélica no Congresso Nacional é poderosíssima, e cresce a cada eleição. Bancada eleita pelo povo! (O presidente da república quer um juiz “terrivelmente evangélico” no Supremo Tribunal Federal.)

            Pergunto: Tostines é gostoso por que vende mais ou vende mais...?

            O poder da bancada evangélica é oriundo do povo, mas a opinião do povo vem dos espertos pastores, influenciadores impiedosos, convincentes pela exuberância da palavra calculista, maquiavélica, maliciosa, porque explora a ignorância alheia. Enfim, corruptos.

            Para obter êxito nessa empreitada é preciso manter o povo na ignorância, deixar de investir na Educação e perdoar dívidas fiscais das igrejas.

Está pronta a armadilha! E o Brasil no fundo do poço.


https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,ditos-nao-ditos-e-mal-ditos,70003434169

 

 

 

Zumbis existenciais e o fundamentalismo


Assim tem início a crônica de hoje de Hélio Schwartsman, “Zumbis existenciais”, para a Folha de S. Paulo:

 

“Para o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, a descrença em Deus transforma parte dos jovens brasileiros em zumbis existenciais. Segundo o religioso, a ausência de absolutos e de certezas faz com que vivam uma vida sem propósito nem motivações.”

 

Schwartsman replica:

 

“Será? Em “This Life” (esta vida), um dos melhores livros que li na pandemia, o filósofo Martin Hägglund (Yale) defende o avesso da posição do ministro. Para Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor. Se pessoas e coisas fossem eternas, aí sim é que não encontraríamos a motivação para nos ocupar delas ou nos importar com seu futuro. A própria ideia de futuro depende da possibilidade de corrupção. A eternidade seria um presente sem fim.”

 

Se nosso invisível ministro se preocupasse mais com a Educação, oferecendo aos jovens a oportunidade de aprender a pensar – o verdadeiro sentido da palavra EDUCAR –, talvez o dilema “crer ou não crer” pudesse ser analisado por cada um de nós com liberdade, ao longo de nossa existência, independentemente da conclusão a que chegássemos, se é que chegaríamos a alguma conclusão.

Ao contrário, o ministro sabe apenas pregar a verdade baseada na crença pessoal dele. O fundamentalismo não educa, apenas induz ao não-pensar.

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/09/zumbis-existenciais.shtml

 

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/09/sem-fe-jovens-do-brasil-sao-zumbis-existenciais-diz-ministro-da-educacao.shtml