terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Música e Inteligência Fluida


O artigo é assinado por Leandro Oliveira, compositor e regente de orquestra, doutorando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e anfitrião do projeto “Falando de Música” da Osesp. Foi publicado no Estado da Arte (Estadão, 22 nov 2018), com o título Cognição e musicalidade – Experiências científicas demonstram que o treinamento musical melhora o desempenho cerebral
O objetivo de pesquisa interdisciplinar publicada na revista Psychology of Music foi medir aquilo que é chamado de  “inteligência fluida” – definida pelos pesquisadores como “a capacidade de pensar abstratamente e resolver problemas”.
“Katherine Sledge Moore e Pinar Gupse Oguz, da Arcadia University, e Jim Meyer, do Elmhurst College relatam no trabalho sua avaliação com 72 estudantes universitários agrupados em três categorias: experientes musicalmente (com treinamento formal de 10 anos ou mais), amadores (com até um ano de treinamento musical) e não músicos. Os resultados “acrescentam referências à crescente evidência da relação positiva entre o treinamento musical e a função cognitiva”
Afirmam os pesquisadores: “músicos com larga experiência tiveram uma pontuação significativamente maior do que os não-músicos e músicos menos treinados”. “Eles se saíram melhor em quatro das cinco habilidades cognitivas que os testes mediram, entre elas atenção, memória de trabalho e velocidade de processamento.” 
Os pesquisadores afirmam ainda ser possível que “pessoas com habilidades superiores de cognição fluida tenham maior probabilidade de se destacarem como músicos e permanecerem na prática” – ou seja, levam em consideração, nesta etapa da pesquisa, a possibilidade do estudo confundir a relação de causa e efeito. 
Conclui o brilhante Leandro Oliveira em sua ótima coluna em O Estado de S. Paulo: “De qualquer modo, os pesquisadores lembram que as habilidades de inteligência fluida “são privilegiadas no treinamento musical”, já que este envolve compreender rapidamente um complexo sistema de símbolos, domínio motor, raciocínio e muito mais.”


Fotoabstração n. 54






Foto: AVianna, dez 2018.

Fala dos papagaios


No mínimo instigante o título da reportagem de Reinaldo José Lopes para a Folha de S. Paulo (8.dez.2018): Ajustes no DNA parecidos com os do homem explicam fala dos papagaios.
“A análise do genoma dos bichos revela que a evolução de sua inteligência seguiu caminhos paralelos à dos seres humanos. Os dados, publicados na revista Current Biology, referem-se ao material genético do papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva), espécie emblemática da fauna brasileira que tem ampla distribuição na natureza, além de ser criada como bicho de estimação.”
            O papagaio-verdadeiro é uma das aves mais longevas, mesmo levando-se em conta seu tamanho modesto. Há relatos de que alguns teriam passado dos 90 anos. Isso faz com que o animal seja importante para o estudo comparativo do desenvolvimento cerebral, do aprendizado vocal e da longevidade. “No estudo, a equipe coordenada pelos cientistas brasileiros Francisco Prosdocimi, da UFRJ, e Claudio Mello, da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon (EUA), obtiveram dados de alta qualidade do genoma de um macho adulto da espécie chamado Moisés, que vive em Minas Gerais.”
            (Claudio Mello, há muitos anos radicado nos Estados Unidos, é ex-aluno da Universidade de Brasília, formado em Medicina, e primo em segundo grau deste blogueiro; aqui vai minha homenagem e profunda admiração pelo Claudio!)
Afirmam os cientistas: “O primeiro paralelo entre papagaios e humanos vem das regiões do DNA cruciais para o desenvolvimento do cérebro. Tal como o homem, tais aves possuem estruturas cerebrais grandes em relação ao tamanho do corpo —inclusive as que são consideradas mais recentes e complexas em termos evolutivos, sendo equivalentes ao córtex cerebral da nossa espécie. Assim como no Homo sapiens, algumas diferenças cruciais do genoma do papagaio aparecem não em genes propriamente ditos, mas em regiões que regulam a ativação de certos genes. Em geral, um gene é um trecho de “letras” químicas de DNA que contém a receita para a produção de uma proteína no organismo. Tudo indica que, para desenvolver um cérebro mais avantajado e complicado, o que muda, muitas vezes, não é o aparecimento de um novo gene (e, portanto, de uma nova proteína); na verdade, surgem formas inovadoras de usar um gene “antigo”.”
“Esse controle permite determinar por quanto tempo as células que dão origem aos neurônios se proliferam, possibilitando o surgimento de um cérebro com maior tamanho e maior capacidade cognitiva”, explicou Claudio Mello à Folha. “Isso tem de ocorrer no momento e local precisos, para permitir o crescimento do cérebro de forma controlada.” 
“A origem da “fala” da ave também começa a ficar menos misteriosa. O estudo mostra que o DNA do papagaio-verdadeiro contém uma duplicação parcial (ou seja, o aparecimento de uma nova cópia, ainda que incompleta) do gene PLXNC1. Esse gene é importante para a formação de projeções — grosso modo, “fios” ou “cabos”— de neurônios em áreas do cérebro que controlam o canto (nas aves) ou a fala (em humanos). “É importante ressaltar que esse gene está mais associado à imitação do canto da própria espécie, e não a da voz humana”, diz Mello.”
Quanto à surpreendente longevidade das aves tagarelas, o grupo de cientistas conseguiu identificar cerca de 300 genes que sofreram modificações específicas na linhagem dos papagaios e na de outras aves de vida longa.”  
Também participaram do trabalho pesquisadores da UFPA (Universidade Federal do Pará), liderados por Maria Paula Schneider, e do LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica), sob coordenação de Ana Tereza Vasconcelos, entre outros especialistas. O financiamento para o estudo veio do projeto Sisbio-Aves, com verbas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).