terça-feira, 9 de abril de 2013

Pensar a música


Longe de ser um especialista em música erudita, pois nunca tive qualquer tipo de educação formal sobre o assunto, tenho a meu favor o hábito de ouvi-la com regular frequência há quase meio século. E espero continuar a fazê-lo até a morte.
Mais recentemente, tornou-se um prazer adicional, uma hora antes de cada concerto na Sala São Paulo, ouvir Leandro de Oliveira, pianista, compositor, professor de história da música, carioca bem falante e culto, uma simpatia de moço, apresentar suas considerações sobre o programa da noite.
Há pouco tempo pude ouvi-lo discorrer sobre a vida de Dmitri Shostakovich (1906-1975), mais precisamente sobre seu Concerto para piano no 2, peça que já conhecia, pois o russo é um dos meus favoritos. Foi quando fiquei sabendo que o tal concerto fora composto especialmente para seu filho, Maxim, estudante no Conservatório de Moscou à época (1957), como um presente de aniversário nos seus 19 anos. Shostakovich, empenhado em que o filho se tornasse um bom pianista, incluiu na composição elementos particulares de técnica, visando a formação do artista.
            Desde então, sabedor deste detalhe, passei a ouvir o concerto de uma forma diferente, não necessariamente melhor nem pior, e isso ocorre independentemente de minha vontade (ou consciência), ou seja, já não tenho controle sobre isso.
            O segundo movimento do Concerto n. 2 para piano e orquestra, um belíssimo andante, pode ser ouvido no Youtube, apresentando o que poderíamos chamar de uma feliz curiosidade. Ele é regido pelo próprio Maxim Shostakovich, e interpretado por seu filho, Dmitri Shostakovich Jr., acompanhado pela I Musici, de Montreal.


            Foi também com Leandro que aprendi o significado da expressão “pensar a música”. Não se trata apenas de ouvir a música, o que por si só é ótimo, mas poder pensá-la, e aí entram inúmeros outros elementos, históricos, biográficos, técnicos, filosóficos, que fazendo parte de nosso patrimônio intelectual, modificam nosso modo de ouvir uma determinada composição.
            Diz-se do Adágio para cordas, opus 11, do compositor americano Samuel Barber (1910-1981), que se trata de uma das músicas mais tristes de todos os tempos, tanto que foi executada nos funerais de Roosevelt, J. F. Kennedy, Albert Einstein, da Princesa Grace de Mônaco, em memória do 11 de setembro no “Proms” no Royal Albert Hall, em Londres, ou mais recentemente nas trilhas sonoras dos filmes Platoon, e Melancolia, do diretor Lars von Trier. Acontece que a música foi composta em 1936, quando Barber passava o verão na Europa com seu companheiro Gian Carlo Menotti, também compositor. Em carta endereçada aos seus pais, Barber fala da grande felicidade que estava vivendo naqueles dias! Como explicar então que compusesse adágio tão cheio de melancolia?
            Há quem afirme que a inspiração veio das Geórgicas, de Virgílio, conjunto de 4 livros, cada um com 500 versos, com fortes conotações bucólicas, sem que se possa, no entanto, explicar a origem da tristeza da peça.
Ou ela não é tão triste assim? Quando se lança a dúvida sobre a origem da composição, e considerando o momento de extrema felicidade em que vivia o autor, é possível que, ao ouvi-la novamente, ela já não nos pareça tão melancólica!
Ao leitor ouvinte, a sugestão do Adagio para cordas, pela Orquestra Sinfônica de S. Paulo, regente León Halegua:


            Outras vezes, o que ocorre são idiossincrasias muito individuais, quando dizemos que uma determinada música nos emociona profundamente, e não sabemos bem por quê. Podemos pensar então nas associações inconscientes que formulamos frente àquele determinado estímulo.
           Enfim, o que parece um ato simples, até singelo, como o de ouvir música, guarda intricados mistérios. Se desejarmos “complicar” nossa audição, podemos aprender um pouco mais sobre o compositor, sua vida, sua obra, para então poder pensar a sua música. Penso que vale a pena.