terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Caçada a Pedrinho




Alívio geral!
O Supremo Tribunal Federal rejeitou a inclusão de nota no livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, alertando sobre o racismo.
Em 2010, o Conselho Nacional de Educação recomendou a não distribuição da obra, distribuída pelo governo federal no Programa Nacional Biblioteca na Escola, ou o acréscimo de nota explicativa sobre racismo, por parte de Monteiro Lobato. Tanto barulho porque Lobato descreve a personagem negra Tia Nastácia como uma "macaca de carvão", se bem me lembro, na boca desaforada e irreverente da boneca Emília.
O Ministério da Educação pediu a revisão do parecer, justificando que a contextualização de obras desse tipo por parte dos professores seria suficiente para esclarecer os alunos, descaracterizando assim o ato de racismo.
O Instituto de Advocacia Racial, do Rio, e o técnico em gestão educacional Antonio Gomes da Costa Neto, discordaram da avaliação do Ministério e entraram com mandado de segurança no Supremo em novembro de 2011. "Nosso objetivo não era censurar a obra, mas sim garantir que o Ministério da Educação implemente medidas concretas como a capacitação dos professores sobre a história da África e a cultura afro-brasileira, como determina a lei nº 10.639/03", diz o advogado Humberto Adami, responsável pela ação.
A Procuradoria-Geral da República se manifestou contra o mandado de segurança por questões processuais, sem se aprofundar no mérito, e o Ministro Luiz Fux, do STF, rejeitou nesta sexta-feira (19/12/2014) o mandado de segurança. (Penso que o Supremo tem mais o que fazer...)
Adami, o advogado, afirma que irá recorrer da decisão no plenário do Supremo e, se necessário, irá aos tribunais internacionais.
O Brasil é mesmo um país incrível! O leitor já pensou, Monteiro Lobato nos tribunais internacionais, por causa de Emília e Tia Nastácia? No fundo, é o irritante politicamente correto.


O perfeccionista



             Alfredinho, desde pequeno, considerava-se um perfeccionista, mesmo antes de saber o significado desta difícil palavra. Ouvia-a dos pais, dos tios, até de uma avó bem velha, muito crítica e rabugenta, na opinião da família. Mas foi a palavra ouvida da boca dos professores que o influenciou de maneira definitiva, Esse menino é um perfeccionista!
Ano após ano repetiam todos aquele bordão, até que Alfredinho aprendeu o significado da palavra perfeccionista, precisou ir ao dicionário, já sabia ler aos sete anos de idade, aquele que realiza tudo com perfeição. Agora estava claro, e o menino incorporou aquela definição como algo seu, desde o nascimento.
           A primeira consequência desta incorporação foi que o menino transformou-se no primeiro aluno da classe, de todas as classes. Praticamente um gênio, repetiam os professores, e perfeccionista! No boletim, apenas notas 10!
            Forte, alto, de porte atlético, Alfredo também se destacava nos esportes, o que aumentou em muito sua popularidade na escola, entre os meninos. Vestia-se com apuro, com roupas de marca, como se diz, o que o tornou cobiçado pelas meninas.
            Chegou o momento de entrar para a faculdade, escolher uma carreira, uma profissão. Vai ser médico, e acabará por ganhar o primeiro Nobel para o Brasil, vaticinou a avó rabugenta. O pai, engenheiro da Estrada de Ferro Central do Brasil, garantiu que o filho seria um físico nuclear, e que o Nobel de Física estava no papo! Fosse qual fosse a escolha, o nosso Nobel estava garantido, era a opinião até mesmo da vizinhança, que a fama do garoto corria mundo.
            Para surpresa geral, Alfredinho anunciou solenemente, em reunião de família e agregados, Vou fazer Faculdade de Letras!
LETRAS?, exclamaram todos em uníssono. L-e-t-r-a-s, confirmou o rapaz. De sua velha poltrona a avó profetizou, Nada mal, bem que merecemos um Nobel de Literatura, pois até Portugal tem o seu, aquele herético do Saramago... E a Argentina tem o Borges, que não ganhou o prêmio, mas merecia, acrescentou o pai.
            Já ao final dos estudos, prestes a se formar, Alfredinho decidiu que chegara o momento de escrever um livro, seu primeiro livro. Será um romance de 800 páginas, anunciou ele, digno de um Tolstói, de um Thomas Mann, de um Jonathan Littell. Ainda não tinha a história bem delineada na cabeça: havia um padre pedófilo, que acabava assassinado, e desvendar o crime era parte do romance; havia também um escândalo financeiro que abalaria toda a estrutura familiar, o que provavelmente estaria ligado ao assassinato do padre; o patriarca tinha uma amante ambiciosa, porém incapaz de cometer um crime, ainda mais a morte do padre por estrangulamento; nos bons tempos, chegaram a visitar o Papa, episódio que seria descrito com minúcias no livro; um suicídio não poderia faltar; o neto rico, vagabundo, motoqueiro e viciado em drogas era o desgosto da família; dois divórcios rumorosos também abalaram a reputação do tradicional sobrenome quatrocentão; por aí afora. Era só começar que a história haveria de se desenrolar com perfeição, Verdadeiro fluxo de consciência, dizia nosso futuro Nobel.
            Perfeccionista, Alfredinho resolveu começar pelo título do romance, tarefa que se revelou complicada desde o início.
            – O crime do Padre Amparo: muito parecido com o Eça...
            – O Patriarca: religioso demais...
            – O castigo: não falta nem o crime para sugerir Dostoiévski...
            – Os Carvalhosas: Thomas Mann já escreveu Os Buddenbrooks...
            – Céu e inferno: dramático demais, parece Dante...
            – Gotas de fel: lembra Marcelino pão e vinho, afirmou a avó...
            – Doutor Boris: parece Goethe...
            – Flores de abril: mas que viadagem é essa?, disse o pai...
            – O tempo levou: pior ainda...
            ...
            A avó crítica e rabugenta comentou, Parece que nosso Nobel ainda vai demorar.