Mostrando postagens com marcador Psicologia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Psicologia. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Razão e emoção a partir do teatro grego

 

 

Das funções mais nobres da leitura, uma é a de provocar o leitor. Ela depende de dois fatores fundamentais: um bom texto, inteligente, de conteúdo instigador e boa forma literária, capaz de atrair aquele que o lê pela força da arte; em segundo lugar, o próprio leitor, se ele se deixa provocar, se preserva a curiosidade infantil e está aberto a novas ideias e especulações, se não se encontra cristalizado e imobilizado pelos ‘pré-conceitos’.

            Das formas mais eficientes de aceitar e elaborar a provocação contida numa boa leitura, uma é a de escrever sobre o que se leu e agora pode analisar, questionar, interrogar, aceitar, rejeitar ou duvidar do que se acaba de ler. Tal exercício, no mínimo, traz em si a capacidade de expandir entendimento, sentimentos e emoções, sobre o tema em questão.

            Adriane da Silva Duarte, professora de língua e literatura gregas na USP, faz a apresentação do livro O melhor do teatro grego (tradução de Mário da Gama Kury, Zahar editores, 2013), que contém as peças Prometeu acorrentadoÉdipo reiMedeia e As nuvens. Reproduzo aqui um parágrafo do belíssimo texto de Duarte:

 

“A emoção está no cerne da experiência dramática dos gregos. Platão e Aristóteles discorreram sobre o papel das emoções no teatro, especialmente no que toca à tragédia. Para Platão, buscar deliberadamente comover os expectadores, como fizeram, os tragediógrafos, é nocivo, pois enfraquece a parte racional da alma, debilitando o cidadão. Daí, entre outras razões, os poetas trágicos estarem excluídos da cidade ideal juntamente com os épicos. Já Aristóteles, embora tenha sido discípulo de Platão, compreende diversamente a questão. Para ele, o prazer da tragédia está em suscitar e purgar certas emoções, processo que ele denomina catarse. No caso da tragédia, essas emoções seriam o terror e a piedade, o que exigiria uma identificação entre o expectador e o herói trágico, de modo que aquele pudesse se colocar no lugar do último e temesse passar pelo que ele passa, apiedando-se dele, que sofre sem merecer. Desse processo, que Aristóteles não se digna a explicar na Poética, derivaria o prazer que sentimos ao contemplar obras de natureza artística.”

 

            “Buscar deliberadamente comover os expectadores” é o que chamei de provocação. A literatura faz isso magistralmente, mas não apenas a literatura; se dermos um salto para os tempos atuais, poderemos enfrentar o mesmo problema diante do cinema, tipo de arte de penetração extraordinária em todas as camadas sociais, e que por isso serve ao propósito deste texto quase ingênuo. 

            Há o filme e há o expectador. Por que existe o aficionado pelos filmes de terror? O que pretende ele ao desafiar o medo que as imagens lhe causam? (Porque se não causam, não faz sentido ver filme de terror...) Deseja apenas provar que é corajoso e valente? Ou se trata de desafiar as próprias emoções, na tentativa de dominá-las? 

            Há quem prefira ‘filme de amor’. Tipo sessão da tarde, daquele romantismo derramado que provoca suspiros e derrama lágrimas. Por que chorar diante da fantasia? Isso causa prazer ou dor? A emoção, represada, precisa transbordar? Para outros, serão lágrimas de enfado.

            Cinema de violência explícita e incontida faz sucesso mundo afora: são murros, tiros, rajadas de metralhadora, golpes de espada a transfixar o inimigo, jugulares esguichando suco de tomate, cenas horripilantes de tortura, tudo é apreciado a ponto da saliva escorrer pelo canto da boca de certo tipo de expectador. Para que? O que está a extravasar agora? Agressividade? Ódio? Ou é simplesmente a catarse aristotélica! Enquanto isso, “Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer”, afirma Drummond em Os ombros suportam o mundo

            Filmes de suspense costumam ser apreciados, exceto pelos que não toleram sustos, seja porque prefiram a calma contemplativa, ou porque talvez vivam permanentemente assustados. As razões de tais preferências e aversões quase sempre nem o expectador conhece, bem guardadas no inconsciente de cada um. 

            O que todos ‘pré-sentem’ é a necessidade de aprender a lidar melhor com os próprios sentimentos e emoções. Para tal, há quem prescreva os clássicos da literatura; outros, a rodriguiana “vida como ela é”; ouvir Mozart ou Beethoven pode vir a ser um santo remédio; o cinema também serve, e muito – terminado o filme, é bom conversar sobre ele. Para os adeptos do bungee jumping, talvez seja necessária mesmo uma terapia.

            Estas são apenas algumas associações que me ocorreram diante das magníficas provocações de Adriane da Silva Duarte. Meu eventual leitor, pensa o quê?

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

A incrível cultura do vitimismo

 

Livro alerta para o surgimento de uma 'cultura do vitimismo' - Esquerda identitária estaria passando por processo de infantilização ao exigir 'espaços seguros' sem ofensas: é o título do artigo de Antonio Risério, especial para o Estadão (6 nov 2021).

Afirma Risério: “Camille Paglia fala de uma espantosa infantilização das mulheres na esfera do neofeminismo puritano hoje reinante, como se as moças precisassem de tutores e babás. O avesso do feminismo libertário e “pro-sex” da década de 1960, quando as mulheres resolveram falar e agir por si mesmas, assumindo as consequências de seus atos e desejos. Mas a verdade é que uma incrível infantilização das pessoas tomou conta de toda a movimentação identitária norte-americana. Bradley Campbell e Jason Manning começam por aqui o livro The Rise of Victimhood Culture (A Ascensão da Cultura do Vitimismo), sobre a onda neurótico-vitimária estadunidense, hoje se espalhando por outros países e continentes.” 

            Após a vitória de Trump, em 2016, “estudantes entraram em desespero “existencial” com a notícia, enxergando no horizonte verdadeiros pogroms contra “progressistas”. Universidades forneceram assistência psicológica aos mais abalados. “A Universidade do Kansas ofereceu terapia com cachorros, a de Cornell criou um espaço onde serviam chocolate e a de Michigan reservou uma área onde estudantes passassem o tempo com livros para colorir.” 

            (Tenho dificuldade para acreditar nisso!!!)

Surgiu “uma geração de bebês chorões pedindo proteção aos mais velhos, recolhendo-se nos chamados “safe spaces”, com salinhas de brincar ao modo do jardim de infância. “Quando a feminista Wendy McElroy foi à Brown University discutir o sentido da “cultura do estupro”, estudantes montaram um “safe space” (espaço seguro) para quem precisasse “se recuperar” de seus argumentos. Infantilização e imbecilização. E psicólogos já denunciam que a “cultura do vitimismo” forma pessoas mais vulneráveis ao pânico, à melancolia e à depressão.”

Campbell e Manning lembram que “os identitários fantasiam que palavras atingem fisicamente as pessoas. A diferença entre violência verbal e violência física é abolida. E aqui emerge a novidade: ser vítima eleva o status moral das pessoas, que agora se funda na dor. É a sacralização dos ofendidos. Pessoas de tal forma feridas ou supostamente feridas pela vida que necessitam de “trigger warnings” (avisos de gatilho) e “safe spaces” protegendo-as de sensações de desamparo ou desespero. 

“Ativistas estudantis reivindicam “trigger warnings” a respeito do conteúdo de certos cursos e aulas que podem abrir a tampa do trauma, requerendo inclusive que professores antecipem por escrito se vão falar de coisas como estupro ou sequestro em suas exposições.” 

A onda assumiu dimensão absurda. “Em fevereiro de 2014, um estudante da Rutgers University escreveu um artigo reivindicando que gatilhos de advertência fossem anexados a romances e contos comumente adotados em cursos de literatura, como O Grande Gatsby de Scott Fitzgerald e Mrs. Dalloway de Virginia Wolf, que conteria ‘uma narrativa perturbadora, examinando inclinações suicidas e experiências pós-traumáticas de um veterano de guerra’.” Discussões sobre racismo, desigualdade e intolerância poderiam também ser “deflagradoras”. A própria mitologia grega e as Metamorfoses de Ovídio foram condenadas, na Columbia University, em defesa de pessoas de cor e estudantes pobres em geral. Tudo com a maior seriedade do mundo, como se dessa idiotice cósmica dependesse a salvação da humanidade.”

Risério descreve os “safe spaces”, onde o grupo “oprimido” possa ficar a salvo de preconceito ou “microagressões”. “Pretos que vociferam contra a segregação racial parecem não perceber que um espaço só para si, proibido a brancos, também é segregação – expressão física de um apartheid. Só que não como imposição de fora, mas como reivindicação de dentro: autoapartheid.”

Jeannie Suk, professora de Direito de Harvard, alertou que ela estava impedida de falar sobre estupro. “Recentemente, um estudante pediu a um professor meu conhecido que não usasse a palavra ‘violar’ na sala de aula – como na pergunta ‘esta conduta viola a lei?’ –, porque a palavra era triggering”

“Se quisermos atender as vítimas e o vitimismo, teremos de deletar a liberdade de pensamento e expressão. As vítimas e seus ideólogos querem silenciar toda manifestação que questione a cartilha identitária ou não teça loas às vítimas”, alerta Risério. 

E Risério conclui: “Como disse Pascal Bruckner, ao se exibir como vítima, a pessoa adquire uma espécie de imunidade simbólica. E carrega suas opressões reais ou imaginárias como se fossem crachás de nobreza. É por isso que muito do que vemos por aí é indignação pré-fabricada e, não raro, lucrativa. Além de um mundo de infantilização e teatralização da condição de vítima, o que se está ensaiando diante de nós é o projeto de sociedade ideal do multicultural-identitarismo: uma sociedade segregacionista e ditatorial.”

Digo eu: surge um novo tipo de fundamentalismo, o fundamentalismo identitário.

 

https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,livro-alerta-para-o-surgimento-de-uma-cultura-do-vitimismo,70003890575

 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Algumas respostas de Boris Cyrulnik


BorisCyrulnik em sua casa em La Seyne-sur-Mer.
Grégoire Bernardi (Hans Lucas)


 

 

“Boris Cyrulnik: “Os adolescentes mais afetados pela pandemia terão depressão crônica quando adultos”. Neuropsiquiatra francês, filho de judeus que morreram no Holocausto, cientista e divulgador, é o criador do conceito de ‘resiliência’. Publica agora um novo livro no qual afirma que o ambiente esculpe o cérebro.”Entrevista concedida a Marc Bassets para El País (31 out 2021), em conversa sobre a pandemia de covid-19.

Cyrulnik acaba de publicar PsicoecologíaEl entorno y las estaciones del alma (Psicoecologia ― O ambiente e as estações da alma). 

 

P. Tenho a impressão de que o senhor passou a vida tentando responder à pergunta sobre como é possível ter sobrevivido e superado as condições muito adversas da sua infância.

R. Acima de tudo, me perguntava como foi possível o nazismo. Os alemães eram o povo mais culto da Europa e foi na casa deles onde aconteceu um crime imenso contra os judeus, contra os poloneses, contra os russos, contra quase toda a Europa. Mais tarde, quando já trabalhava como médico e a assistente social dizia às crianças: “Olha de onde você veio, nunca poderá seguir em frente, nunca poderá estudar, não tem família”..., me lembrava do que me diziam quando eu era criança. Por isso disse a mim mesmo que trabalharia para ajudar aquelas crianças a seguir em frente.

P. A resiliência.

R. Sim, um processo familiar, amistoso e cultural que lhes permita recuperar um bom desenvolvimento apesar do traumatismo.

 

P. O cérebro não é algo isolado e imutável, como afirma em Psicoecologia.

R. Quando eu estudava medicina, diziam-me que o cérebro estava na caixa craniana, separado do mundo, e que chegávamos com um armazém de bilhões de neurônios e que todos os dias perdíamos alguns. Agora constatamos, graças à neuroimagem e à neurobiologia, que acontece exatamente o contrário. O ambiente esculpe o cérebro, molda-o. [Grifo meu.]

P. O cérebro é uma escultura?

R. Quando uma criança é privada da alteridade, seus dois lobos pré-frontais atrofiam, o circuito límbico desaparece e as tonsilas rinoencefálicas ficam hipertrofiadas. O cérebro se torna disfuncional porque não há ambiente, não há alteridade. Isso se fotografa, é muito fácil ver. Mas quando se reorganiza o ambiente, e desde que não tenhamos deixado a criança sozinha por muito tempo, vemos que os lobos pré-frontais e o circuito da memória se desenvolvem novamente e as duas tonsilas desligam. Ou seja, quando agimos sobre o ambiente, modificamos a escultura cerebral.

 

P. O que exatamente é o ambiente?

R. Existem três ambientes. O primeiro é o ambiente imediato do bebê: o líquido amniótico, a química. O segundo é o afetivo: a mãe, o pai, a família, a vizinhança, a escola. E o terceiro é o ambiente verbal: os relatos, os mitos. E esse ambiente também participa da escultura do cérebro.

 

[Digo eu: interessante a expressão “ambiente verbal”. Refere-se à força da palavra, da linguagem, alimento indispensável para o desenvolvimento do espírito. Penso que a leitura faz parte desse ambiente, e deve ser cultivada ao longo de toda a vida, o que haverá de modificar constantemente a “escultura cerebral”, no dizer de Cyrulnik.]

 

P. Por que os adolescentes são os mais afetados?

R. Na adolescência ocorre uma poda de neurônios. O cérebro funciona melhor com menos neurônios, com menos energia. Os adolescentes têm dois ou três anos para aprender a aprender, para se orientar em uma direção. Se por um conflito familiar ou porque os meninos preferem jogar futebol, esses dois anos são perdidos, depois lhes custa voltar aos eixos. Na escola ou faculdade, você ri, concorda ou discorda de um professor, seu cérebro está ativado. Diante de uma tela, o cérebro fica entorpecido.

P. Quais são as consequências de tal situação para esses adolescentes quando adultos?

R. Estarão em depressão crônica. Terão pequenos ofícios que não os interessarão. Aprenderão que a sociedade se encarregará deles. Perderam um período sensível do seu desenvolvimento. Para se reconectar, terão de trabalhar 10 vezes mais.

 

P. Eu vejo o senhor pessimista.

R. Sim e não. Isto não foi uma crise. Em uma crise de epilepsia a pessoa fala, cai, tem convulsões, se levanta e acaba a frase. As coisas voltam a ser como antes. E agora as coisas voltarão, mas não como antes. A palavra adequada agora não é crise: é catástrofe. Depois das guerras e das epidemias houve revoluções culturais. A formação profissional, a universidade, a relação entre homens e mulheres, a velhice, tudo isso já está sendo repensado. Vamos repensar nossa maneira de viver juntos.

 

            Ótima entrevista. Vale a pena lê-la por inteiro.

 

 

https://brasil.elpais.com/internacional/2021-10-31/boris-cyrulnik-os-adolescentes-mais-afetados-pela-pandemia-terao-depressao-cronica-quando-adultos.html

 

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Riso de bebês humanos é semelhante ao de chimpanzés


Foto: James Coupad


 

Riso de bebês humanos é semelhante ao de chimpanzés, aponta estudo, informa Megan Marples para a CNN (1 set 2021).

“O riso transcende todas as línguas – e agora os cientistas sabem que essa resposta espontânea é universal também em algumas espécies de primatas. O padrão de riso dos bebês humanos é igual ao dos grandes macacos, de acordo com um estudo publicado nesta terça-feira (31) na revista Biology Letters.”

“Os adultos humanos riem principalmente ao expirar, enquanto os bebês e os grandes símios riem durante a inspiração e a expiração, disse a autora do estudo Mariska Kret, professora associada de psicologia cognitiva da Universidade de Leiden, na Holanda.”

“O riso infantil não é necessariamente semelhante ao de todas as espécies de grandes macacos, apenas àqueles que são evolutivamente mais próximos dos humanos – como chimpanzés e bonobos, disse Marina Davila-Ross, da Universidade de Portsmouth, na Inglaterra, que não participou do estudo. “Essa descoberta parece refletir que o riso é, em certa medida, profundamente enraizado biologicamente”, diz ela.

“Davila-Ross disse que ficou surpresa ao ver que o fluxo de ar associado ao riso muda à medida que os bebês crescem. “Na verdade, seria muito interessante ver se essas mudanças também podem ser encontradas em outras vocalizações não-verbais de humanos”, acrescentou ela. Em pesquisas futuras, Kret disse que espera repetir sua experiência com outras vocalizações, como o choro. Atualmente, ela está realizando outros experimentos com o riso, incluindo um envolvendo orangotangos, gorilas e humanos, para ver se eles mudam o som de suas risadas de acordo com a risada daqueles ao seu redor.”

 

Para quem acredita firmemente na Evolução das Espécies, notícia como esta não causa qualquer espanto. É a ordem natural das coisas.

 

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/riso-de-bebes-humanos-e-semelhante-ao-de-chimpanzes-aponta-estudo/?utm_source=social&utm_medium=twitter-feed&utm_campaign=saude--cnn-brasil&utm_content=link

 

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Do fanatismo





 

“Donald Trump foi vaiado por seus eleitores 

após recomendar a vacinação contra a covid-19 durante um comício em Cullman, no Alabama, ontem à noite (uol).”



 Esta notícia acaba de ser veiculada no Twitter pelo Blog do Noblat, nessa manhã de segunda feira (23 ago 2021). Penso que podemos aprender alguma coisa com ela.

            A notícia trata de dois polos distintos: do líder e de seus seguidores, e da maneira que eles muitas vezes interagem. Comecemos pelo líder, que movido pelo firme propósito de se eleger Presidente dos Estados Unidos, utilizou-se durante a campanha de todos os argumentos possíveis, os verdadeiros e os falsos, com ênfase nos últimos, pois percebeu que eles eram bem mais convincentes para uma boa parte da população de seu país. 

            O ex-presidente mentiu, mentiu diariamente, mentiu até não poder mais, e foi eleito. Depois de eleito, continuou mentindo, pois passou a creditar no método. Governou sob a égide da mentira, mas foram tantos os estragos durante seu mandato que não conseguiu se reeleger. Então pensou (ele não é completamente desprovido de inteligência), Preciso mudar de estratégia.

            O resultado da vacinação em massa nos EEUU é inconteste, até para o pior cego – aquele que não quer ver. O ex-presidente viu, pois deseja voltar ao poder, nunca se conformou em perdê-lo. Então, juntou seguidores em um comício e passou a recomendar a vacinação, como informa Noblat. 

            O novo ex-presidente foi vaiado. Suponho que tenha ficado surpreso com o gesto de seus seguidores. Como assim? Vocês não estão vendo os resultados da imunização? São fatos, e agora são verdadeiros! Por que não acreditar neles?

            O discurso do ex-presidente, agora racional, fruto de observação científica, agora não surte mais efeito, e ele continua a receber vaias. Os seguidores explicam ao atônito ex-presidente: Certa feita o Senhor disse que vacina era bobagem, nos convenceu de que vacina era bobagem, acreditamos no Senhor, e Sua palavra continua valendo mais que tudo para nós, Sua palavra é a Verdade, portanto não pode ser negada: Vacina Não Presta

            Estupefacto, o ex-presidente volta para casa envolto em pensamentos – porque ele pensa, ao passo que os seguidores apenas creem. O que devo dizer para ser reeleito? – porque ele continua com o firme e bem definido propósito, o de se reeleger. Ao passo que os seguidores apenas repetem: Nosso Presidente – eles continuam acreditando que ele ainda é o Presidente dos EEUU – não está num bom dia hoje. Para os seguidores a vida é mais fácil, eles não precisam pensar.

            Não estou certo de que a notícia do jornalista seja verdadeira, nem fui investigar; isso não importa. Importa, se pudermos aprender alguma coisa com ela.

domingo, 4 de julho de 2021

Pareidolia e Apofenia


“A pareidolia é um fenômeno psicológico que envolve um estímulo vago e aleatório, geralmente uma imagem ou som, sendo percebido como algo distinto e com significado. É comum ver imagens que parecem ter significado em nuvens, montanhas, solos rochosos, florestas, líquidos, janelas embaçadas e outros tantos objetos e lugares. Ela também acontece com sons, sendo comum em músicas tocadas ao contrário, como se dissessem algo. A palavra pareidolia vem do grego para, que é junto de ou ao lado de, e eidolon, imagem, figura ou forma. Pareidolia é um tipo de apofenia.

Dependendo das figuras observadas, podem assumir um aspecto muito subjetivo que varia de observador para observador ao passo que outras mais claramente nítidas, possuem uma mesma interpretação ótica em comum entre vários observadores. Portanto, muito tem que ver com a condição psicológica de cada observador, do que se passa em sua mente.”

https://pt.wikipedia.org/wiki/Pareidolia

 


O relógio da imagem parece estar triste. No entanto, isso é apenas uma associação que o cérebro humano faz ao ver uma imagem com dois pontos semelhantes a olhos e uma curva virada para baixo, semelhante a uma boca representando tristeza.

 

 * * *


“Apofenia é um termo proposto em 1959 por Klaus Conrad para o fenômeno cognitivo de percepção de padrões ou conexões em dados aleatórios. É um importante fator na criação de crenças supersticiosas, da crença no paranormal e em ilusão de ótica.

Inicialmente descrita como sintoma de psicose, a apofenia ocorre no entanto em indivíduos perfeitamente saudáveis mentalmente. Do ponto de vista da estatística é um Erro do tipo I, ou seja, tirar conclusões de dados inconclusivos. Em um exame pode levar a um resultado falso positivo. Psicologicamente é um exemplo de viés cognitivo.

Ocorrências de apofenia frequentemente são investidas de significado religioso e/ou paranormal ocasionalmente ganhando atenção da mídia como a impressão de ver Jesus em uma torrada.

No teste projetivo de manchas Rorschach a apofenia é estimulada com o objetivo de identificar padrões significativos na vida do indivíduo que ele projeta sobre a mancha.”

https://pt.wikipedia.org/wiki/Apofenia

 

                         


A percepção de uma face humana em fotografia da superfície de Marte é um exemplo de apofenia.

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Autoengano


“Agora tem corrupção? Já posso escutar o bolsonarista obstinado afirmando que prevaricação não é corrupção.” Este o título da crônica de hoje de Hélio Schwartsman para a Folha de S. Paulo (25 jun 2021); transcrevo aqui pequeno trecho: 

 

“O escândalo da Covaxin complica as racionalizações. Não são mais familiares nem auxiliares que aparecem no turbilhão das suspeitas, mas o próprio presidente. Não estamos mais falando dos “trocados” das rachadinhas, mas de um esquema bilionário, que rivalizaria com os desvios do PT.

Não acredito, porém, que haverá uma debandada nas hostes bolsonaristas. Uma das características mais fascinantes do cérebro humano é sua capacidade para o autoengano. Já posso escutar o bolsonarista obstinado afirmando que prevaricação não é corrupção. Preciosismos jurídicos à parte, num país mais decente, o capitão já teria sido deposto e estaria sendo julgado, com chance de parar na cadeia.” (Os grifos são meus.)

 

            São tantos e tão variados os tópicos levantados por Schwartsman nesse pequeno texto que não resisti à tentação de destacá-los em negrito: são as racionalizações diante dos erros que não queremos ver, a corrupção no tempo do PT, o possível envolvimento do atual presidente também em corrupção, mas se destaca mesmo aquilo que ele chamou de “capacidade para o autoengano”. 

            O fenômeno é complexo. Auto-Engano é o título do interessantíssimo livro escrito por Eduardo Giannetti (Companhia das Letras, 1997), assim resumido pelo próprio autor:

 

“Este é um livro sobre as mentiras que contamos a nós mesmos. Mentimos para nós o tempo todo: adiantamos o despertador para não perder a hora, acreditamos nas juras da pessoa amada, só levamos realmente a sério os argumentos que sustentam nossas crenças. Além disso, temos a nosso próprio respeito uma opinião que quase nunca coincide com a extensão de nossos defeitos e qualidades. Sem o autoengano, a vida seria excessivamente dolorosa e desprovida de encanto. Abandonados a ele, entretanto, perdemos a dimensão que nos reúne às outras pessoas e possibilita a convivência social.

O problema é que as mentiras que nos contamos não trazem seu nome verdadeiro estampado na fronte. É preciso, por isso, analisar os caminhos que nos levam até elas: encontraremos aí a origem de grandes conquistas e alegrias, mas também dos sofrimentos que muitas vezes causamos a nós mesmos e às pessoas que nos cercam.”

 

            O autoengano é uma espécie de mecanismo de defesa, a nos poupar da crueza da vida; é mais que desejável, portanto. O cuidado que precisamos ter é para que ele não nos afaste muito da realidade, e por consequência, das outras pessoas. Autoengano é primo irmão do fanatismo, do fundamentalismo religioso ou político.

            Diante do risco, é preciso pensar.

 

  

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/06/agora-tem-corrupcao.shtml

 

 

 

 

 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Mentira e verdade

 

Ao comentar as mentiras que são ditas CPI da Covid, Hélio Schwartsman (8 jun 2021) traz informação importante sobre a natureza humana: 

 

“Meu intuito hoje é desmitificar um pouco a carga moral negativa que pesa sobre o engodo. Por mais doloroso que seja reconhecê-lo, a fraude está inscrita em nosso DNA. Mais até, está inscrita na natureza. Camuflagem, mimetismo e tanatose (fingir-se de morto) são alguns dos mecanismos pelos quais seres vivos tentam ludibriar predadores e presas. ”

 

            O que há de mais interessante no comportamento humano com relação à mentira diz respeito aos bebês e crianças:

 

“Como ensina o psicólogo Robert Feldman, bebês com só seis meses já simulam choro para atrair a atenção dos pais. Entre os três e sete anos, crianças submetidas a experimentos em que se comprometem a não espiar às escondidas um objeto que precisam identificar desobedecerão à regra em 82% das ocasiões e mentirão sobre isso em até 95% das vezes.”

 

            É evidente que Schwartsman não faz a apologia da mentira, apenas reconhece o fenômeno, e conclui:

 

“Existem vários tipos de mentira. Há desde as socialmente necessárias — você não deve falar mal da comida de seu anfitrião mesmo que ela esteja intragável— até as assassinas. Não vamos acabar com as mentiras, que são parte do mundo, mas devemos nos esforçar para bani-las ao menos dessas esferas mais estratégicas.”

 

            A Psicanálise trata do tema Verdade e Mentira desde Freud, quando na interpretação dos chistes ele assinala a existência do “mentiroso que fala a verdade”. W.R.Bion destaca em Cogitações(Imago Editora, 2000), em texto intitulado Necessidade de verdade e necessidade de reajustar constantemente os desajustes (1959), aspecto fundamental:

 

“Os procedimentos psicanalíticos pressupõem que haja, para o bem-estar do paciente, um constante suprimento de verdade, tão essencial para sua sobrevivência quanto o alimento é essencial para a sobrevivência física. Além disso, pressupomos que uma das precondições para sermos capazes de descobrir a verdade, ou pelo menos para procurá-la na relação que estabelecemos conosco e com os outros, é descobrirmos a verdade sobre nós mesmos.”

 

            Quão longe dessas ideias estão nossos políticos que mentem descaradamente, em público, em defesa de interesses escusos. Eles não sabem que a Verdade é o alimento do espírito.

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/06/mentiras-na-cpi.shtml

 

 

domingo, 18 de abril de 2021

Tragédia de longa duração



 

"Uma única morte é uma tragédia; um milhão de mortes é uma estatística". Assim Hélio Schwartsman inicia sua crônica Vivendo com a tragédia nesse domingo, no Estadão (18 abr 2021).

Segundo ele, a frase teria sido proferida por Stálin, sem que haja comprovação disso. De qualquer modo, o fenômeno existe e é chamado de habituação: “uma forma de aprendizado caracterizada pela diminuição da intensidade com que respondemos a um estímulo à medida que a exposição se repete ou se prolonga”. 

Minha casa fica próxima a uma via de grande movimento, que liga o centro a uma certa periferia de Brasília, de alta densidade populacional e acentuada pobreza socioeconômica. Desde o início desta pandemia, e isso já vai para mais de ano, ouço a macabra sirene das ambulâncias que vão e vêm, buscando pacientes acometidos da Covid-19 e transportando-os para hospitais distribuídos pela cidade, incontáveis vezes ao dia. 

Durante os primeiros meses o som das ambulâncias produzia em mim forte comoção – não exagero –, por duas razões bem claras. A primeira era a dor da tragédia em si, o sofrimento das gentes mais necessitadas expostas à infecção, principalmente no precário transporte coletivo da Capital do país, de que são todos dependentes. Como não aglomerar, se vão trabalhar em ônibus lotados? 

O segundo motivo do abalo emocional era tão evidente e talvez até mais insuportável que o primeiro: a ameaça da morte, de minha própria morte. Aprendi a diferenciar o som das ambulâncias daquele dos carros da polícia; é incrível, mas a sirene da polícia oferecia um certo alívio.

É aí que entra a habituação de que fala Schwartsman: ela permite espécie de adaptação a dura realidade, questão de sobrevivência emocional, um certo tipo de aprendizado, porque a vida segue. Uma reação bastante humana.

Prossegue Schwartsman: “O lado menos brilhante da habituação é que ela normaliza aquilo que, no plano moral, não deveria ser normalizado. É o que está acontecendo agora no Brasil com a epidemia de Covid-19. Estamos há tanto tempo lendo sobre o aumento de mortes e vendo imagens dos congestionamentos de caixões que a carnificina por que estamos passando já não desencadeia em nós a reação adequada, que seria a de exigir dos governantes medidas efetivas e imediatas para minorar a crise.”

É por isso que o brilhante articulista afirma que “No plano valorativo, a habituação é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição.”

      Enquanto isso, as sirenes continuam a soar.


 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/04/vivendo-com-a-tragedia.shtml

 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Giannetti experimenta o anel



 

Ainda no prefácio, o autor adverte: “O corpo vê-se; o coração advinha-se. Silêncios, segredos, manobras, despistes. Que sabem os outros do que nos vai pela alma? O que sabemos, afinal, nós mesmos? Respeito às leis e costumes morais à parte, o que significa ser – não só parecer – ético? Como a certeza da impunidade mexeria com o nosso modo de ser e agir?” O primeiro parágrafo já instiga. Falo de O anel de Giges, de Eduardo Giannetti, Companhia das Letras, 2020.

            Antes de qualquer outro comentário, o livro é tremendamente acessível, a despeito da enorme erudição do autor; a leitura é agradabilíssima, fluente; a escrita, o estilo, são da melhor qualidade literária. Dá gosto ler.

            Bem, o assunto é surpreendente! Giannetti explica ainda no prefácio: “O experimento mental da fábula de Giges permite abordar o comportamento humano e a ética pelo prisma do anel. O que esperar de uma pessoa comum detentora do anel? Como provavelmente reagiria e o que faria com tal poder? Humilde pastor, o Giges da fábula de Gláucon transfigurou-se: foi para a capital do reino, seduziu a rainha, assassinou o rei com a cumplicidade dela, usurpou o trono da Lídia, tentou subornar os deuses e tornou-se fabulosamente rico. A posse do anel atiçou a fera da ambição desmedida e fez visível o sonho de glória e poder adormecido em sua alma. Mas quão representativo ou generalizável é o modelo do Giges-sem-lei?”

            Sugiro que um provável leitor do Anel, antes de iniciar a leitura propriamente dita, se detenha por alguns minutos a estudar o índice do livro, disposto em oito partes, que detalham com minúcia o escopo da obra. Giannetti inicia por Heródoto e Platão e termina por perguntar: “E agora, Giges? Olhemo-nos nos olhos. Sem intermediários. E se o anel que Rousseau preferiu jogar fora viesse parar no dedo de um de nós?”

            O último capítulo, Devaneios do viajante solitário: coração a nu, é mesmo surpreendente! O autor dá um cavalo-de-pau, subverte completamente o estilo, a escrita torna-se fragmentada, são pensamentos esparsos, ideias inacabadas, ousado exercício intelectual sobre os usos e abusos do anel pelo próprio autor.

             Belíssimo livro, em minha modesta opinião.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

S. Bernardo, um monumento literário



 

Aquilo que senti não foi outra coisa senão vergonha ao ouvir Antonio Candido dizer em alto e bom som que havia lido S. Bernardo no mínimo vinte vezes e eu não tinha passado de uma única superficial leitura recém saído da adolescência. Que vergonha!

            Encomendei nova edição, a 105a !!!, da Editora Record (2020), com bela capa de Renan Araujo; devorei o livro em três ou quatro dias e não me lembro de ter encontrado tamanha força em texto algum como em S. Bernardo, exceto em trechos de Guimarães Rosa. Escrita seca, dura, frases curtas, frases rudes, sentimentos rudes, sobra rudeza na terra, nas gentes, no geral.

            Trata-se do segundo romance de Graciliano Ramos (o primeiro foi Caetés), publicado em 1934, considerado por muitos críticos a obra mais importante do movimento modernista brasileiro.

            O cunho político ideológico se revela nas primeiras linhas, na curiosa “divisão de tarefas” para se compor um livro. Graciliano desejava mesmo a transformação da estrutura social vigente nos anos 30. A despeito disso, a caracterização psicológica do personagem principal beira a perfeição, esmiuçada a ponto de sugerir descrição psiquiátrica de caso. 

            Reconheço a inutilidade desse meu texto diante da monumentalidade da obra; faço esse registro apenas como possível estímulo a quem ainda não leu S. Bernardo, ou àqueles que o leram faz tempo e que poderiam relê-lo agora. Antonio Candido tinha razão: um livro para se ler no mínimo vinte vezes!

 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Função do esquecimento


“Os cientistas cognitivos Steven Sloman e Philip Fernbach sustentam que nossos cérebros foram projetados para não guardar detalhes justamente para maximizar a capacidade de fazer generalizações.”

 

O trecho acima está na crônica de ontem (12 fev 2021) de Hélio Schwartsman: O esquecimento como virtude, para a Folha de S. Paulo. 

O ponto de partida para o tema foi a recente decisão do STF em não reconhecer o direito ao esquecimento. Ainda bem que foi assim. Porém, alerta o articulista: “Daí não decorre que o esquecimento não seja, tanto quanto a memória, um ingrediente importante para o bom funcionamento da sociedade e do próprio cérebro humano. A razão pela qual humanos não temos uma memória perfeita não é de bioengenharia. Existe uma síndrome rara, a hipertimesia, que faz com que seus portadores se lembrem de praticamente tudo — algo próximo ao que Jorge Luis Borges descreveu no conto "Funes, o Memorioso".”

            O mais interessante dessa história, e que destaco aqui como epígrafe, é a descoberta de que é preciso haver espaço no cérebro para as abstrações; inundado por fatos, resta ao cérebro apenas lidar com eles, perdendo a capacidade de construir generalizações. Isso me parece uma grande novidade. Costumamos dizer: é preciso haver tempo para pensar. Agora acrescentamos: é preciso haver espaço para pensar.

            (Conheci de perto uma pessoa que exibia memória espantosa. Guardava as placas de carros que via no estacionamento de onde trabalhávamos; cpfs para ele eram fichinha; os registros de prontuários milagrosamente guardados. Ao longo do tempo essa característica se agravou de tal modo que, quando não havia fatos para memorizar, ele os inventava, e a partir de então os tomava por verdade; surgiu daí um mitômano.)

            Schwartsman conclui de modo brilhante: “A vida social também depende de esquecimentos, que às vezes chamamos de perdão.” Sob tal perspectiva, a palavra perdão aparece despida de qualquer conotação religiosa, significando tão somente uma certa função cerebral, a de oferecer espaço para o bom convívio social. 

            Em tempo, é preciso reconhecer a importância da ficção. Borges antecipou isso tudo no espantoso conto citado por Schwartsman! O final de Funes, o memorioso, foi trágico!

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/02/o-esquecimento-como-virtude.shtml

 

 

 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Melhor legenda

 

 Presidente Jair Bolsonaro arrisca corrida

em pista de atletismo em Cascavel (PR)

Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República

 

 

Este blog mostrou ontem a fotografia do presidente de república (sempre com minúsculas) correndo aparentemente de forma alucinada em uma pista de atletismo; o marcador da postagem foi Política Sem Palavras.

            Em seguida fui surpreendido pela notícia de que a Folha de S. Paulo havia desafiado seus leitores para que colocassem legenda na alucinada foto.

Eis o ranking das melhores legendas:

 

1. Leite condensado te dá asas! 

Ronan Wielewski Botelho, 35, filósofo, Londrina (PR)

 

2. Campeão dos sem nexos rasos. 

Julião Villas, 43, artista, Nova Lima (MG) 

 

3. Bolsonaro inaugura nova modalidade no atletismo, os 230 mil mortos sem barreiras. 

Marcelo Vieira Fernandes, 43, professor, São Paulo (SP)

 

4. Corre que a vacina vem aí! 

Edson de Oliveira, 46, cozinheiro e empresário, Passo Fundo (RS)

 

            Eu poderia acrescentar:

 

# Mãêêê!!!!

 

            São todas legendas engraçadas, de fato. Ainda prefiro minha postagem inicial: Sem Palavras.

Enquanto muitos da plateia riem, o que vemos é um homem ensandecido; sua expressão facial me sugere misto de desespero, euforia, sofrimento, talvez dor pelo esforço físico, a busca infindável por aprovação, medo de que isso não ocorra, e tantos outros sentimentos que não consigo imaginar. É um retrato da Loucura, onde prevalece o narcisismo patológico.

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2021/02/que-legenda-voce-daria-para-essa-foto-de-bolsonaro-correndo.shtml

 

 

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Mentira e política

 

Andrew Higgins, correspondente do The New York Times e O Estado de S.Paulo, publicou artigo intitulado A mentira como ferramenta política (tradução de Romina Cácia, 12 jan 2021). Relata que “Em um telegrama para Washington em 1944, George F. Kennan, conselheiro da Embaixada dos EUA na Moscou de Stalin, alertou sobre o poder oculto mantido por mentiras, observando que o governo soviético "tinha comprovado algumas coisas estranhas e perturbadoras sobre a natureza humana." A mais importante entre elas, escreveu ele, é que, no caso de muitas pessoas, “é possível fazê-las sentir e acreditar em praticamente qualquer coisa”. Não importa o quão falso algo possa ser, ele escreveu, “para as pessoas que acreditam nisso, torna-se verdade. Ela conquista a validade e todos os poderes da verdade.” 

            O assunto nunca foi tão atual e ao mesmo tempo assustador: Trump mente de maneira descarada nos Estados Unidos e Bolsonaro faz o mesmo no Brasil, e a manada acredita.

Maquiavel, no século 16, escreveu, "aquele que engana sempre encontrará aqueles que se permitem ser enganados.” Adolf Hitler chegou ao poder “com a mentira de que os judeus foram responsáveis pela derrota da Alemanha na 1ª Guerra.”

“Para os ditadores alemães e soviéticos, mentir não era apenas um hábito ou uma maneira conveniente de dar fim a fatos indesejáveis, mas uma ferramenta essencial de governo.” Os subordinados eram forçados a aplaudir declarações que sabiam ser falsas, fenômeno frequentíssimo na política brasileira de hoje, verificável até mesmo  na fala de Ministros de Estado.

Kennan escreveu: “O controle ilimitado da mente das pessoas [depende] não apenas da capacidade de alimentá-las com sua própria propaganda, mas também de ver que nenhum outro sujeito as alimenta com a dele”. 

Afirma Higgins, “Isso foi mais notavelmente personificado pela expansão global do QAnon, um fenômeno outrora obscuro que afirma que o mundo é dirigido por uma conspiração de poderosos políticos liberais que são pedófilos sádicos. Trump não repudiou os discípulos do QAnon, muitos dos quais participaram do caos no Capitólio na última quarta-feira. Em agosto, ele os elogiou como pessoas que “amam nosso país”.

O filósofo francês Alexandre Koyré escreveu em 1943, em Reflexões sobre a mentira:  “quanto mais grosseira, maior, mais imperfeita a mentira, mais prontamente ela é acreditada e seguida”.

 

Penso que estas são ideias que precisam ser difundidas, um alerta para as pessoas que talvez possam parar e pensar sobre em quem e no que estão acreditando. A tática desenvolvida pelo nosso presidente, de mentir diariamente ao pequeno grupo de seguidores em frente ao Alvorada, e com isso manter a mídia reverberando e discutindo mentiras, nada mais é que ferramenta política de governo.

Não há nada de novo no que acabo de escrever, mas talvez seja preciso repetir repetir repetir. Pensar, eis a questão.

 

 

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,artigo-a-mentira-como-ferramenta-politica,70003578199

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Morre Garcia-Roza

  
Luiz Alfredo Garcia-Roza em 2016, em Copacabana,
bairro onde se passa a maioria de seus livros
Foto: Leo Martins / Agência O Globo


Morre, aos 84 anos, o mestre da literatura policial Luiz Alfredo Garcia-Roza, que popularizou o personagem do detetive Espinosa (O Globo, 16/04/2020).
         Garcia-Roza foi professor de Psicologia e Psicanálise, tendo deixado importantíssima literatura sobre estas especialidades. Um intelectual, humanista, tarde na vida, já com 60 anos de idade, resolveu escrever ficção, gesto de coragem, liberdade de pensamento e independência intelectual, fazendo enorme sucesso. (A certa altura ele afirmou que se cansou da academia.) O silêncio da chuva ganhou o Jabuti, na categoria romance. 
Garcia-Roza escreveu 12 romances, todos pela Companhia das Letras. Alguns dos mais conhecidos são  "Achados e perdidos" (1998), "Uma janela em Copacabana" (2001), "Espinosa sem saída" (2006),  "Céu de origamis" (2009), "Um lugar perigoso" (2014).
Seus romances desencadearam grande popularidade de Espinosa: detetive culto, leitor compulsivo, metódico ao extremo – quem não se lembra dos livros empilhados na parede da sala? – sempre perambulando pelas ruas de Copacabana. 
Eu e minha filha Cecília nos tornamos fãs de Espinosa, e hoje choramos a morte de seu criador. 



domingo, 16 de fevereiro de 2020

Bibliotecas Humanas



Voluntários do projeto Bibliotecas Humanas
em Copenhagen, na Dinamarca - Divulgação


“Na biblioteca de Albertslund, em Copenhague, um estudante loiro escolhe o título “Solitário” entre dezenas de livros. Em alguns minutos, um homem de 38 anos e cabelos escuros vem caminhando ao encontro do jovem. Eles se sentam em torno de uma mesa e, então, a leitura começa. Nas Bibliotecas Humanas, pessoas são livros, e seus títulos, suas histórias.” A reportagem é de Marcelo Elizardo, de Copenhague, para a Folha de S.Paulo (15.fev.2020), com o título Para promover a tolerância, Biblioteca Humana transforma pessoas em livros na Dinamarca.
            A ideia central do projeto é que as pessoas se tornem mais tolerantes, ou “como diz Ronni Abergel, criador do programa, para que as pessoas “não julguem um livro pela capa”. 
“A primeira unidade das Bibliotecas Humanas criada em Copenhague completa 20 anos em junho. Hoje, o projeto já se expandiu para outros 84 países —em seis continentes—, entre eles o Brasil. Os eventos com livros humanos acontecem de duas a três vezes por mês em bibliotecas públicas, escolas e universidades na Dinamarca.” 
            Através dessa prática, pessoas homofóbicas, temerosas de portadores de HIV, com preconceitos raciais, religiosos ou de qualquer outra ordem podem entrar em contato com a realidade do outro e compartilhar histórias de vida.
“Zytnik sofreu bullying na escola por, segundo ele, ser calado e não ter talento para esportes. Aos 12 anos, foi amarrado sem roupas a um poste durante o inverno de cinco graus negativos da Dinamarca. Ficou uma hora com as mãos atadas, até ser encontrado por policiais, que ofereceram roupas para ele se aquecer. “Eu tinha amigos na infância, mas que também sofriam bullying apenas por serem meus amigos. Depois que eles se afastaram, fiquei ainda mais sozinho. É muito difícil saber em quem posso confiar, porque foi assim minha vida inteira”, diz ele, ao explicar o porquê de seu título (“Solitário”).”
“Entre as opções de livros humanos na lista do evento acompanhado pela reportagem da Folha, havia títulos como “Cego”, “Refugiado”, “Muçulmano”, “Perseguida pelo Marido” e “Autista”. “Nanna Juul-Olsen, 28, tem dois títulos na Biblioteca Humana de Copenhague. Em uma mesa de conversa, a voluntária dinamarquesa é o livro “Bipolar”. Minutos depois, em outra leitura, ela é “Bissexual”.
“O tema da conversa depende da escolha do leitor. Em alguns casos, quando os leitores perguntam relações e diferenças entre os livros, ela é, como em sua vida real, os dois títulos ao mesmo tempo.”
No Brasil, as Bibliotecas Humanas foram organizadas em Manaus, na Universidade Federal do Amazonas, no ano passado.
Deixo uma pergunta ao meu eventual leitor, diante dessa que me parece uma experiência interessantíssima: Se você participasse de uma dessas bibliotecas, que título daria a um “livro” seu?



terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Trabalhando no Adolescentro




Tendo em vista a polêmica instituída com o programa de prevenção da gravidez em adolescentes, baseado na abstinência sexual, vamos dar voz a quem sabe das coisas. Cecília Vianna é médica, formada pela Universidade de Brasília, com qualificação em Ginecologia da Infância e Adolescência, e trabalha no Adolescentro de Brasília. 
          Dra. Cecília afirma:

“O Adolescentro é uma unidade de saúde referência do Distrito Federal especializado no acolhimento e tratamento de adolescentes e suas famílias. Os mais de quatro mil atendimentos mensais refletem o impacto do serviço prestado aos usuários da rede pública de saúde.
Em 21 anos de existência, o órgão atendeu adolescentes com depressão, ansiedade, transtornos alimentares e de aprendizagem, vítimas de automutilação ou tentativa de suicídio. Uma das grandes vantagens da unidade é utilizar a abordagem biopsicossocial, incluindo os responsáveis pelos jovens na compreensão e na solução das questões trazidas. 
Destaca-se entre os serviços oferecidos o Grupo de Diversidade, que  cuida de jovens nas questões relacionadas às diversidades sexual e de gênero. Ou seja, cuida das especialidades da sexualidade LGBTI, serviço agraciado com as Boas Práticas em Atenção Psicossocial, trabalho apresentado em Montevidéu para países do Mercosul.
        Desde a sua criação, em setembro de 1998, o Adolescentro vem colhendo prêmios de reconhecimento por seu trabalho. O mais recente foi o Selo de Qualidade, distinção para serviços diferenciados a adolescentes em várias frentes de atuação. Em 2017, foi agraciado com o prêmio Boas Práticas em Atenção Psicossocial, na categoria de Infância e Juventude.
O Adolescentro presta atendimento individual e em grupo para adolescentes de 10 a 18 anos de idade, nas modalidades listadas a seguir:
1. Programa Biopsicossocial (BPS) – acompanha o crescimento e desenvolvimento de jovens, com ênfase em transtornos mentais.
2. Programa de Atenção a Adolescentes com Vivência de Violência Sexual (PAV) – integra a rede de assistência a pessoas em situação de violência no DF.
3. Assistência e tratamento em psiquiatria e neurologia a adolescentes com demandas específicas.
Oferece aos adolescentes já acompanhados no serviço (bem como aos seus familiares e/ou responsáveis) atendimento ambulatorial nas seguintes áreas: Pediatria com atuação em Adolescência; Psiquiatria; Neurologia; Ginecologia; Psicologia; Terapia Ocupacional; Fisioterapia; Fonoaudiologia; Enfermagem; Nutrição; Serviço Social; Odontologia; Práticas Integrativas em Saúde (Hatha Yoga e Reiki).
        Realiza testagens (detecção rápida de gravidez, HIV, sífilis e hepatites virais) em adolescentes em situações indicadas, in loco. Oferece atendimento às vítimas de violência sexual: atendimento individual realizada por equipe multidisciplinar, atendimento a pais e/ou responsáveis com dificuldade no limite e autoridade.
        A área da Ginecologia da Adolescência possui papel necessário e crucial para a evolução do bem estar das adolescentes. Essa especialidade atua no Adolescentro para dar suporte nas áreas da sexualidade, proteção para gravidez na adolescência e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).  
O Adolescentro lida com uma população de adolescentes com risco aumentado para comportamento sexual, o que inclui, início precoce de relação sexual, relacionamento com parceiros mais velhos, múltiplos parceiros, dificuldade de adesão ao preservativo e aos métodos contraceptivos. Outro fator que aumenta o risco de gravidez nesse grupo é o desejo fantasioso de uma gravidez. O trabalho do ginecologista consiste em assegurar a proteção imediata, com inicio de método contraceptivo eficaz, associado a orientações constantes com incentivo ao uso do preservativo.  Aí sim, gradativamente, construir junto à adolescente objetivos de vida e perspectivas para o futuro, que são os melhores elementos de prevenção da gravidez precoce. 
Dessa forma, em concordância com a literatura mundial, o Adolescentro preconiza cada vez mais o uso dos Contraceptivos Reversíveis de Longa Ação (LARCs) para adolescentes.”

                                                           Cecília Vianna