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segunda-feira, 16 de maio de 2022

Avaliação do desempenho de cotistas e demais alunos da USP


 

'Colegas viajavam para fora nas férias, e eu trabalhava', 

diz cotista recém-formado na USP

Karime Xavier/Folhapress

 

 

 

“Diferença entre nota de cotistas e demais alunos na USP cai ao longo do curso.”

Reportagem de Laura Mattos, para a Folha de S. Paulo hoje (15).

 

Desde o lançamento do programa de cotas assumi posição francamente favorável, ainda atuando na vida universitária, mesmo no tempo em que o assunto era ainda mais polêmico do que nos dias atuais. Portanto, é com imensa alegria que tomo conhecimento da presente pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo. Vejamos os destaques da pesquisa.

“Na formatura da primeira turma da Universidade de São Paulo, desde a implementação da política de cotas para estudantes de escolas públicas e para pretos, pardos e indígenas, uma pesquisa inédita obtida com exclusividade pela Folha revela que o desempenho dos cotistas foi pouco inferior ao dos demais alunos e melhorou progressivamente ao longo do curso, tornando a distância entre as notas cada vez menor.”

“O estudo acompanhou por quatro anos as notas dos cerca de 11 mil ingressantes da capital paulista de 2018, quando começou o programa de cotas. Parte desses estudantes, aqueles das faculdades de quatro anos de duração, graduaram-se no início de 2022, em razão do atraso da pandemia, e estão recebendo agora o diploma.”

“De acordo com a pesquisa sobre o desempenho desses alunos, mesmo nas faculdades mais concorridas, a distância máxima entre os oriundos de escolas públicas e os de particulares foi de 1,2 ponto na mediana das notas, de 0 a 10. A mediana é a nota central de cada grupo —50% dos alunos estão acima dessa marca e os outro 50%, abaixo. Essa diferença de 1,2 ponto se deu no 1º semestre de 2018. Já no 2º semestre de 2019, ou seja, no último boletim pré-pandemia, a distância havia sido reduzida para menos de um ponto, 0,9 na média. No fim de 2021, após quase dois anos de aulas online, foi de 0,7.”

“Para a coordenadora da pesquisa e professora da FFLCH, Marta Arretche, os dados demonstram que a inclusão dos cotistas não compromete a excelência da USP. A hipótese de que as cotas poderiam reduzir a qualidade da universidade costuma ser aventada por críticos das políticas de inclusão. "Essa é uma preocupação legítima, mas que se baseia em suposições", afirma.”

“Reitor da USP e professor de medicina, Carlos Gilberto Carlotti Junior afirma que a pesquisa sobre o desempenho dos estudantes comprova que "o programa de cotas acerta ao acreditar no potencial das pessoas". "São alunos que não tiveram uma educação da mesma qualidade que os de escolas privadas, mas têm potencial para superar essa diferença e chegar ao final da graduação com as mesmas condições."

Arretche e Carlotti não acreditam na possibilidade de que a exigência nas aulas e nas provas tenha sido reduzida. A coordenadora da pesquisa aponta que, muitas vezes, há diferença grande de notas em cada grupo. "Há alunos escolas particulares, brancos ou PPI, que tiram 10 e os que tiram zero, da mesma forma que os de escolas públicas."

Ela pondera que "notas nunca são perfeitas para avaliar alunos", mas são "o instrumento mais aproximado para observar empiricamente o desempenho". Por isso, ressalta, é importante que o estudo seja prolongado.”

“Para o reitor, "não há, desde a implementação das cotas, nenhuma sinalização de queda de prestígio da USP, da produção acadêmica, científica". "A USP precisa mostrar para a sociedade que o programa de cotas é interessante, aumenta a diversidade e qualifica ainda mais as nossas pesquisas, porque temos alunos de diversas realidades, vivências e pensamentos", afirma. "As grandes universidades internacionais têm programas de inclusão altamente fortalecidos. Se a universidade brasileira ficar fora disso, estará excluída do mundo acadêmico", complementa o reitor.”

Estas são ótimas notícias, fruto de estudos científicos qualificados.

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/05/diferenca-entre-nota-de-cotistas-e-demais-alunos-na-usp-cai-ao-longo-do-curso.shtml

 

terça-feira, 3 de maio de 2022

É isto um juiz? 2


Este blog publicou recentemente (24 abr 2022) É isto um juiz?, comentando as atitudes do Sr. André Mendonça frente ao Supremo Tribunal Federal, no caso da condenação de Daniel Silveira.

http://loucoporcachorros.blogspot.com/2022/04/e-isto-um-juiz.html

 

            Hoje, a bem da verdade, se faz necessária a complementação do funesto episódio. Aqui vai:

 

“Mendonça explicou a Bolsonaro razões para seu voto pela prisão de Daniel Silveira: notícia publicada hoje na Folha.Uol (2.mai.2022).” 

 

“O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, tiveram uma conversa telefônica após o julgamento do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que foi condenado à prisão por 10 votos a 1.”

 

“Mendonça foi um dos ministros que votaram pela condenação, embora propondo uma pena menor do que seus colegas.”

 

Segundo o Painel apurou, Mendonça explicou ao presidente os motivos de ter dado uma pena menor ao parlamentar e foi elogiado por Bolsonaro, que depois o defendeu em público das críticas da base conservadora em um evento.”

 

            Ou seja, houve desdobramentos...

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/05/mendonca-explicou-a-bolsonaro-razoes-para-seu-voto-pela-prisao-de-daniel-silveira.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha

 

 

domingo, 24 de abril de 2022

É isto um juiz?

 


Alfredo Ceschiatti



O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, votou pela condenação à prisão de Daniel Silveira (PTB-RJ). Detentor da sagrada posição de ministro ‘terrivelmente evangélico’, este seu voto causou rebuliço entre os apoiadores evangélicos, que reagiram à altura, especialmente no Twitter. 

            Até aqui, nada demais, num país como o Brasil. O espanto aumenta com a reação imediata do ministro:

            – “Diante das várias manifestações sobre o meu voto ontem, sinto-me no dever de esclarecer...”

            Pasmem, ele disse isso pelo Twitter! É o veículo de expressão escolhido pelo ministro do Supremo para se comunicar com seus ‘seguidores’ (falaremos disso mais adiante). Ele se sentiu no dever de justificar seu voto! Está inaugurada uma nova era na Justiça Brasileira: agora ministros do Supremo precisam justificar seus votos para a sociedade, ou parte específica dela. Isso deve complicar muito a vida dos ministros, pois na hora de votar, eles devem se perguntar, Como vou explicar isso amanhã?

            Mas isso é só o começo, caro leitor. Vamos aos esclarecimentos que o ministro tem o dever de apresentar, e que ele próprio dividiu em dois itens:

 

“Diante das várias manifestações sobre o meu voto ontem, sinto-me no dever de esclarecer que: [a] como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas; e…”

 

            Como cristão, assim vota o ministro! Ele não se pauta, antes de tudo, pela Constituição Brasileira, da qual o Supremo Tribunal Federal constitui o guardião. Ele se pauta pela Bíblia. Mas há uma atenuante, no segundo item declarado pelo ministro:

 

“[b] como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja. Há formas e formas de se fazerem as coisas. E é preciso se separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio. Mesmo podendo não ser compreendido, tenho convicção de que fiz o correto.”

 

            Ah! ele também se constitui de uma parte jurista, ainda bem. Porém, a justificativa apresentada é mais que pífia, é reles, ridícula, canguinhas: “Há formas e formas de se fazerem as coisas.” Que saber jurídico, senhores! Trata-se praticamente da reencarnação de Ruy Barbosa. Imediatamente após a frase luminar, o ministro acrescenta: “E é preciso se separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio.” Ele não se aguenta, não pára em pé sem o suporte do Livro Sagrado, seu guia fundamental (ou fundamentalista?), citando a conhecida parábola bíblica contada por Jesus, segundo o evangelho de Mateus (13: 24-30).

Resta comentar o parêntese entreaberto no texto acima, a respeito da possível existência dos tais ‘seguidores’. Causa estranhamento que um ministro do Supremo tenha seguidores. O que vem a ser isso? Eles seguem a pessoa do juiz, espécie de guia espiritual? Obedecem à religião pregada pelo ministro, em busca de uma verdadeira teocracia?  Sim, é isso mesmo que está ocorrendo, são de carne-e-osso os fanáticos seguidores que afinal o colocaram na Suprema Corte, tendo como ilustre adoradora a primeira-dama do país. 

Para concluir, é certo que o ministro conhece do assunto muito mais que este pobre blogueiro, mas não custa lembrá-lo, está no seu Livro Guia: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro” (Mateus 6:24-33). Em português mais claro, não se pode servir a Deus e ao Diabo! 

 

domingo, 10 de abril de 2022

Banditismo evangélico segundo Marilene Felinto

 

A crônica de hoje para a Folha de S. Paulo (9 abr 2022) recebeu o sugestivo título: Banditismo evangélico corrói na surdina instituições republicanas – Enquanto minha mãe se põe a morrer, encolhida e ainda crente, minha raiva de pastores falsários se avoluma. Escrito por mulher inteligente, lúcida, corajosa, o texto é daqueles que entram para a História de nossa República.

Marilene confessa que escreve “cheia de raiva desses evangélicos”. No instante em que escreve, sua mãe agoniza em um leito de hospital. Ela fora criada frequentando a Assembleia de Deus, e já “reconhecia há tempos que a promessa evangélica de paraíso carrega uma nódoa de falsidade, indecência, exploração e trapaça”; “desiludida, a mãe mudou-se para a Metodista e depois para a Batista”. Crítica de todas elas, ficou com sua “própria Bíblia”.

Marilene agora diz o que sente: “Eis que a farsa já pode receber o nome de fraude, de banditismo. Banditismo evangélico. ...O banditismo grassa de norte a sul, faz negócios no balcão da promiscuidade entre política e religião evangélica. A recente revelação de que o demitido ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, fazia tráfico de influência com recursos públicos da pasta já não seria o bastante para indiciá-lo por crime? Indiciar a ele e a seu superior imediato, o fascista Jair Bolsonaro.”

         O áudio que todo mundo ouviu dizia que "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim", afirma o Ministro.

         As negociatas eram lideradas por dois pastores da Assembleia de Deus, Gilmar Santos e Arilton Moura, acusa Marilene Felinto. E ela prossegue: “O banditismo evangélico vai corroendo na surdina as instituições republicanas, cagando em cima de uma Constituição supostamente laica. Ora, o ethos político e o ethos moral são diferentes, ressaltam os estudiosos do tema, "e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder". Mascarados, criminosos, bandidos. Pois esses moralistas, esses fascistas vestidos de pastores serão vetados!”

         “Enquanto minha mãe se põe a morrer”: assim a jornalista e escritora resume a situação da própria mãe, enquanto tudo isso acontece! E exprime uma mágoa enorme: “Perder mãe é ver perder-se um pouco de todo o resto. Naquela infância evangélica, ao menos um pai ateu nos esperava em casa, fazia o contraponto. Amém.”

*


         Antes de tudo, é preciso respeitar os sentimentos de Marilene Felinto. É a frustração de uma vida inteira, ao ver a mãe iludida e aprisionada por uma igreja após outra, pelas promessas vãs de um pastor após outro, e morrer só, com a “própria” Bíblia.

         Esta é a história dos evangélicos que hoje dominam a política no Congresso Nacional, nos meandros insondáveis do Poder Executivo, chegando mais recentemente ao Supremo Tribunal Federal, para constrangimento do país.

         A mãe de Marilena representa milhares de mães, pais, famílias inteiras, todos iludidos pela promessa de um lugar no Paraíso, a custo de muito dinheiro. Este dinheiro alimenta e faz crescer o poder desses evangélicos a que Marilene se refere, que se atrevem a desvirtuar as funções mais nobres da administração pública, saqueando os Ministérios da Saúde e da Educação, logo os mais importantes, amputando assim a possibilidade de crescimento e desenvolvimento das novas gerações.

         Obrigado Marilene Felinto, por sua manifestação de resistência.

 

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilene-felinto/2022/04/banditismo-evangelico-corroi-na-surdina-instituicoes-republicanas.shtml

 

 

quinta-feira, 31 de março de 2022

Ditadura nunca mais




Militares à cavalo contra o povo

em volta da Candelária, RJ

Eu estava lá. Houve golpe em 64. Em seguida implantou-se a ditadura. Tive colegas de turma torturados. Tive um colega morto. Não podemos esquecer. Muito menos dar outro nome aos fatos.

 

Foto: Divulgação

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2019/04/nada-comemorar.html


segunda-feira, 28 de março de 2022

Vendilhões do Templo segundo Saramago

 100 anos de José Saramago

 

O trecho a seguir, de autoria de José Saramago, está em O Evangelho segundo Jesus Cristo (Companhia das Letras, 1991, p. 425-426):

 

“Chegados às portas da cidade, logo se viu que maiores diferenças de variedade e número na multidão não as havia, e que, como de costume, iam ser precisos muito tempo e muita paciência para abrir caminho e chegar ao Templo. Não foi assim, contudo. O aspecto dos treze homens, quase todos descalços, com os seus grandes cajados, as barbas soltas, os pesados e escuros mantos sobre túnicas que pareciam terem visto o princípio do mundo, fazia afastar a gente amedrontada, perguntando uns aos outros, Quem são estes, quem é o que vai à frente, e não sabiam responder, até que um que tinha descido da Galileia disse, É Jesus de Nazaré, o que diz ser filho de Deus e faz milagres, E aonde vão, perguntava-se, e como a única maneira de o saberem era seguiram-nos, foram muitos atrás deles, de modo que ao chegarem à entrada do Templo, da parte de fora, não eram treze, mas mil, mas estes ficaram-se por ali, à espera de que os outros lhes satisfizessem a curiosidade. Foi Jesus para o lado onde estavam os cambistas e disse aos discípulos, Eis o que viemos fazer, acto contínuo começou a derrubar as mesas, empurrando e batendo a eito nos que compravam e vendiam, com o que se levantou ali um tumulto tal que não teria deixado ouvir as palavras que proferia se não se desse o estranho caso de soar a sua voz natural como um estentor de bronze, assim, Desta casa que deveria ser de oração para todos os povos, fizestes vós um covil de ladrões, e continuava a deitar as mesas abaixo, fazendo espalhar e saltar as moedas, com enorme gáudio de uns quantos dos mil que correram a colher aquele maná. Andavam os discípulos no mesmo trabalho, e por fim já os bancos de vendedores de pombas eram também atirados ao chão, e as pombas livres, voavam por sobre o Templo, rodopiando doidas, além, em redor do fumo do altar, onde não iriam ser queimadas porque havia chegado o seu salvador.” 

 

            O estilo é inconfundível, a agilidade com que as falas se sucedem é impressionante, isso é o melhor de Saramago. O tema, conhecidíssimo, é apropriado ao momento político que vivemos. Que eu saiba, este é o único momento em todo o Novo Testamento em que Jesus perde as estribeiras, deita fumo pelas orelhas, solta fogo pelas ventas, destrambelha, ensandece, descarrilha e desce o sarrafo nos que vendem e nos que compram, isso é muito importante!

            Vou desenhar, expressão em voga: O Templo é o nosso vilipendiado Ministério da Educação – casa destinada ao Ensino e à Cultura. Templo, porque de lá poderiam sair regras e normas capazes de salvar o Brasil – só a Educação salva um povo. 

            Os lobistas tomaram conta do Templo; barracas onde variados produtos de compra e venda se espalham por todo o ministério; negocia-se a peso de ouro, literalmente; os “pastores” exibem a sanha dos insaciáveis intermediários; o sumo sacerdote se esquiva de qualquer responsabilidade, diz que age a mando do presidente; desmente-se a si próprio no dia seguinte, estratégia para confundir, um tal de disse-não-disse que atordoa os de ouvidos moucos; são muitos os testemunhos de velhacaria; processos são abertos...

            

Deixemos a conclusão para José Saramago. Com a chegada de grande número de guardas do Templo, sob comando do sumo sacerdote, armados de espadas e lanças, os Treze ficaram em evidente desvantagem. Jesus adverte com sabedoria:

 

“Disse André para Jesus, que a seu lado brigava, Bem é que digas que vieste trazer a espada e não a paz, agora já sabemos que cajados não são espadas, e Jesus disse, No braço que brande o cajado e maneja a espada é que se vê a diferença, Que fazemos então, perguntou André, Tornemos a Betânia, respondeu Jesus, não é a espada que ainda nos falta, mas o braço.”

 

            Ao povo, falta-nos braço para brigar com os canalhas.

quinta-feira, 17 de março de 2022

A medalha

 


 

Assim tem início É isto um homem?, de Primo Levi (Ed. Rocco, 1988). Penso que ninguém descreveu com tanta perfeição o que se passou a denominar Processo de Desumanização, executado pelos nazistas em seus campos de concentração. Os alemães perceberam que era mais fácil matar um animal, ou mesmo uma coisa, do que matar um ser humano. O trauma (porque havia um trauma) era bem menor entre os próprios soldados alemães.

            A luta por um pedaço de pão levava aquele que desejava sobreviver a subtrair o pão de seu semelhante, mesmo que isso lhe causasse dor em si mesmo. Sobreviver a todo custo, esta era a ordem. E isso também fazia parte do Processo de Desumanização.

 

            Esta foi a associação de ideias que me ocorreu com a notícia de ontem. Bolsonaro e alguns de seus asseclas, incluindo o ministro da justiça que outorgou a honraria a si mesmo, foram condecorados com a medalha do mérito indigenista.

            Durante mais de dois anos ouvimos o presidente desmoralizar os povos indígenas, tentar apagar a cultura deles, apoiar a evangelização dos povos ainda isolados, desaparelhar a Funai, incentivar desmatamento e mineração em terras indígenas, acabar com a fiscalização de atos ilegais na Amazônia, a lista de ações nocivas destruidoras perversas contra a população indígena é interminável.

            A maioria do povo brasileiro não concorda com tais atitudes. Agora, quando o presidente recebe uma medalha de mérito indigenista, sinto como se ele gritasse na minha cara:

 

“Veja como você é um merda mesmo, como você não vale nada, como sua opinião não vale nada. Eu piso nos índios e ganho uma medalha!

Eu não reconheço qualquer sentimento em você. Não me interessa o que você pensa sobre minha medalha, se gostou ou não gostou. Eu gostei, vou ganhar votos com isso.

Se não reconheço sentimentos em você, acho que você não pertence a mesma raça que eu. Acho que você não é humano.

Se você, povo brasileiro, é não humano, posso mentir à vontade, posso desdizer amanhã o que disse ontem, posso criar historinhas para desviar sua atenção daquilo que realmente importa. 

Você, povo desumanizado, adora historinhas: é a força avassaladora do Mito sobre a manada.

Para você, basta um Mito. Quem não é homem não pensa, não tem capacidade de crítica, acredita em minha medalha. Aquele desumanizado, eu faço dele o que eu quero, e ele não reclama, até acha bom!

Povo de merda... Coisa de merda...”

 

            Por associação livre, estes foram os pensamentos e emoções despertados em mim, pela condecoração do presidente da república com a medalha do mérito indigenista. Ao terminar esse texto, posso pensar, estou certo de que não sou uma coisa. Eu sou um homem.

 


terça-feira, 15 de março de 2022

Charles Darwin no Rio de Janeiro



 

O navio inglês H.M.S. Beagle zarpou da Inglaterra em dezembro

de 1831 e dois meses depois chegou a Salvador

 


 



Encantado com a natureza e indignado com a corrupção: o que Charles Darwin achou do Brasil do século 19. Texto original de André Bernardo, do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil (23 nov 2019), adaptado para o blog.

      Darwin chegou a Salvador (BA) em 28 de fevereiro de 1832, onde permaneceu por 18 dias. "Luxuriante" foi um dos adjetivos que usou para descrever a paisagem local. 

De Salvador seguiu para o Rio de Janeiro, aonde chegou no dia 4 de abril, passando 93 dias na cidade, residindo em Botafogo, aos pés do Corcovado. 

Logo de início, fez críticas à burocracia local: "Nunca é agradável submeter-se à insolência de homens de escritório, mas aos brasileiros, que são tão desprezíveis mentalmente quanto são miseráveis as suas pessoas, é quase intolerável.” 

“A cavalo, Darwin e uma comitiva de seis homens empreenderam uma viagem de 16 dias, entre 8 e 24 de abril, até Conceição de Macabu, a 227 km da capital. De maneira geral, a impressão deixada pelos donos de pousada não foi das melhores. Alguns demoravam até duas horas para servir a refeição. "A comida estará pronta quando estiver", respondiam os mais atrevidos. Outros, sequer, tinham garfos, facas ou colheres para oferecer. 

“Na Fazenda Campos Novos, em Cabo Frio, os viajantes deram pela falta de uma bolsa com alguns de seus pertences. "Por que não cuidam do que levam?", retrucou o hospedeiro, mal-humorado. "Talvez tenha sido comida pelos cachorros". 

“Em sua travessia pelo norte fluminense, Darwin deparou-se também com os horrores da escravidão. Dois episódios lhe marcaram profundamente. Um deles aconteceu na Fazenda Itaocaia, em Maricá, a 60 km do Rio, no dia 8 de abril, quando um grupo de caçadores saiu no encalço de alguns escravos. A certa altura, os foragidos se viram encurralados em um precipício. Uma escrava, de certa idade, preferiu atirar-se no abismo a ser capturada pelo capitão do mato. "Praticado por uma matrona romana, esse ato seria interpretado como amor à liberdade", relatou Darwin. "Mas, vindo de uma negra pobre, disseram que tudo não passou de um gesto bruto". 

“O outro episódio ocorreu na Fazenda Sossego, em Conceição de Macabu, no dia 18. Um capataz ameaçou separar 30 famílias de escravos e, em seguida, vendê-los separadamente como forma de punição. Darwin ficou tão indignado com a cena que a descreveu como "infame". 

“Não bastassem os maus-tratos aos escravos, Darwin também se escandalizou com a corrupção. No dia 3 de julho, chegou a rotular os brasileiros de "ignorantes", "covardes" e "indolentes". "Até onde posso julgar, possuem apenas uma fração daquelas qualidades que dão dignidade ao homem", queixou-se. "Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que, em pouco tempo, ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados." 

Em 5 de julho de 1832 a expedição seguiu para o Uruguai e depois Argentina. Em setembro de 1835, chegou às Ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico, o ponto mais famoso da viagem. 

Bernardo afirma: “Apesar de agnóstico, Darwin deu "graças a Deus" por estar, finalmente, deixando as costas do Brasil. "Espero nunca mais visitar um país de escravos", escreveu no dia 19 de agosto. O Beagle retornou à Inglaterra no dia 2 de outubro de 1836. Vinte e três anos depois, em 24 de novembro de 1859, seu tripulante mais ilustre publicaria A Origem das Espécies.” 


Nos envergonha, o que Darwin viu do povo brasileiro.

 

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50467782

 

Poder escolher

 

Manifestante segura faixa com inscrição 'Poder Escolher',

após a Corte Constitucional da Colômbia aprovar a

descriminalização do aborto/Luisa Gonzalez (21 fev 2022) Reuters

 


 

Cristina Serra, paraense, jornalista e escritora, publicou hoje: 'Tire o seu rosário do meu ovário!' As condições que permitem aborto no Brasil não dão conta da nossa realidade (14 mar 2022). 

“O discurso do PGR, recendendo a bolor e ranço machista, ignora o direito de escolha que realmente nos interessa: a autonomia sobre nossos corpos para decidir quando e como ser mãe. Nesse sentido, o Brasil está na contramão de importantes vizinhos. A chamada "maré verde" começou com a Argentina (2020) e expandiu-se com o México (2021) e a Colômbia(fevereiro de 2022).”

“As instituições desses países deixaram de considerar o aborto crime, em diferentes fases da gestação, dando às mulheres condições de interromper a gravidez de forma segura, no sistema público de saúde, não sozinhas e desesperadas em clínicas clandestinas, onde muitas encontram a morte. No Brasil, o aborto só é permitido em caso de estupro, risco à vida da mãe e quando o feto não tem cérebro (anencéfalo). São condições que não dão conta da nossa realidade.”

A mescla, proposital e nefasta, entre política e religião, estimulada por Bolsonaro e sua base fundamentalista e argentária, contamina o debate e trava qualquer avanço legislativo que nos permita escapar do risco de prisão, sequelas ou morte diante de uma gravidez indesejada. É por isso que temos que continuar a gritar alto e bom som: "Tirem os seus rosários dos nossos ovários!".

 

Eu, pessoalmente, gostei muito da última frase!

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2022/03/tire-o-seu-rosario-do-meu-ovario.shtml

 

quarta-feira, 9 de março de 2022

Nação à deriva


Bolsonaro com lideranças evangélicas, 

Silas Malafaia à direita

Foto: Cristiano Matriz/Agência O Globo

 


Eu dirijo a nação para o lado que os senhores desejarem”. 

 

O presidente Jair Bolsonaro se reuniu ontem com 280 religiosos no Palácio da Alvorada e proferiu a frase acima. Parece que eram evangélicos, aproximadamente 30% dos brasileiros, de acordo com o Datafolha. 

A fala que antecede a frase aqui destacada completa o sentido das ideias do presidente:

 

“— Seria muito fácil estar do outro lado. Mas, como eu acredito em Deus, se fosse para estar do outro lado, nós não seríamos escolhidos. Falo “nós” porque a responsabilidade é de todos nós. Eu dirijo a nação para o lado que os senhores desejarem.”

 

            Fica evidente que, para o presidente, o país está dividido em dois ‘lados’: os que creem e os que não creem. 

O tema é recorrente neste blog.

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2016/12/crer-ou-nao-crer.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2015/12/religiao-e-psiquiatria.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2016/11/acaso.html

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2013/08/ateus-declaram-se.html

Entre outros.


            Penso que isso é muito grave. Um presidente não pode dividir a nação. Sua função é a de unificar, governar para todos, indistintamente. Afirmo o óbvio. Qualquer inteligência mediana há de concordar com isso. A não ser nas autocracias, onde o líder é seguido cegamente, ou quando a inteligência está muito abaixo da média.

            Outro aspecto assustador é o surgimento dos “escolhidos”! Devo me considerar um “não-escolhido”? Certamente, minha condição de ateu há de atestar isso. E o que isso significa? Devo pregar na roupa algum distintivo, uma estrela amarela, por exemplo, a indicar minha condição de pária?

            Há muito o Brasil deixou de ser um país laico, o que fere com força a Constituição Brasileira. Agora, isso é confirmado aos berros pelo presidente da república, em gesto inconstitucional.

            E o Supremo Tribunal Federal não intervém?! O Congresso não intervirá, diante da invencível ‘bancada evangélica’.

            Nação à deriva!

 

 https://oglobo.globo.com/politica/bolsonaro-reune-evangelicos-em-meio-acenos-de-adversarios-conheca-as-liderancas-entenda-relacao-com-governo-1-25424693

terça-feira, 8 de março de 2022

A força do cartoon

 


Monte Wolverton, Courtesy of Cagle Cartoons

 

  

Nos últimos meses este blog tem dado destaque aos cartoons, ou charges, como são conhecidos na língua portuguesa. Não é uma escolha fortuita, eles têm uma capacidade incrível de comunicar uma ideia, de forma impactante, poderosa, especialmente quando se trata de Política, e quase sempre com muito humor. Mas são úteis também nas orientações de saúde, comportamento e outras situações.

Stan Shatenstein, editor da Tobacco Control, em comemoração aos 30 anos da revista, publicou série de cartoons que incentivam a desabituação do uso do tabaco. Aquele que encima este texto é um bom exemplo, pelo impacto que ocasiona. 

Mostro aqui outros exemplos.

 


 Fumante passivo


 

Fumo e Meio Ambiente



Marketing




O vaporizador



Em nosso país, a desorientação social causada pelas absurdas ações governamentais (e de seguidores fanáticos) durante a pandemia de Covid-19 gerou inúmeras charges, representadas aqui por Jean Galvão.


Influência nociva

 


         

            Minha homenagem a todos os cartunistas do mundo!


         Agradeço ao Prof. Dr. Leopoldo dos Santos Neto pelo envio da matéria. 

 

 

 

 

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Desmonte da CAPES

 

Graças a uma bolsa da Capes fiz minha pós-graduação na Universidade de Londres, nos idos de 1980, obtendo o título de PhD pelo King`s College London. Passados mais de 30 anos, na condição de professor aposentado pela Universidade de Brasília, asseguro que não há qualquer laivo de vaidade nessa afirmação. O que há é tristeza e indignação diante do que este governo vem fazendo com as instituições de ensino no país. Sou compelido, portanto, por obrigação moral, a me manifestar sobre o que vem ocorrendo nessa área. 

      Soraya Smaili, Maria Angélica Minhoto e Pedro Arantes, professores e coordenadores do SOU CIÊNCIA (Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência) da Universidade Federal de São Paulo, publicaram hoje na Folha de S.Paulo ótimo texto com o título “Passando a boiada na educação superior - Estamos diante de enorme incerteza e colapso de uma política de Estado”.

            Afirmam eles que a estratégia do governo federal de “passar a boiada”, expandiu-se “à cultura, à educação, à ciência. Nos últimos meses, experimentamos crises severas em dois importantes órgãos do Ministério da Educação: o Inep e a Capes.”

      A Capes foi criada em 1951, com o objetivo de expandir e consolidar a pós-graduação no país, além de preservar a qualidade da produção científica e dos cursos de pós-graduação, através de avaliação sistemática a cada quatro anos. “No atual governo federal, o órgão sofreu instabilidades, que atingiram seu ápice com a nomeação da atual presidência e a formação de equipes inexperientes, vinculadas a programas de pouca qualidade.”

      Informam os autores do artigo: “O paradoxo instalado pela direção da Capes, que de um lado contribuiu para a letargia da avaliação e de outro para viabilizar a abertura de cursos novos de caráter mercantil, levou a pedidos de exoneração de pesquisadores dos comitês científicos, totalizando mais de 114 desligamentos, além da exoneração do diretor de Avaliação, Flavio Anastacio de Oliveira Camargo, ocorrida na terça-feira (14). Uma autorização judicial permitiu a continuidade da avaliação, porém sub judice, visto que as notas dos programas não poderão ser publicadas até a decisão judicial. Paralelamente, o Tribunal de Contas da União solicitou apuração relacionada à crise das exonerações.”

     “Estamos diante de um colapso da política de Estado, bem como de uma enorme incerteza em um momento em que o sistema universitário e de pesquisa é essencial na atuação em defesa da vida e da reconstrução nacional. A quem interessa o desmonte das políticas de Estado que dão acesso, regulam e avaliam a educação superior? Minar sistematicamente estruturas da educação, especialmente as voltadas à qualidade educacional, é o mesmo que destruir o futuro da nação.”

       Os autores concluem: “O tempo para reconstruir o desmonte é incerto, mas há que se iniciar o quanto antes, sob pena de perdermos mais uma geração — e, desta vez, não para a pandemia, mas para outra boiada. A boiada da educação.”

 

            Registro aqui minha absoluta indignação diante de tais fatos.

 

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/12/passando-a-boiada-na-educacao-superior.shtml

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Cristianização

 

 

Cristiano Machado



Centrão aposta em 'cristianização' de Bolsonaro após pesquisa mostrar rejeição de 55%.”

            Adianto ao meu eventual leitor que não estou nem um pouco interessado no fato político em questão. O que me chamou a atenção, quando o vi pela primeira vez – grudei mesmo na palavra –, foi o termo “cristianização”!

            Pensei pensei pensei, busquei alguma associação com o cristianismo, a influência religiosa na política está em alta no momento, talvez algum tipo de doutrinação; mas nada, não encontrei solução para o que parecia um mistério para mim.

Até que deparei hoje com o texto de Gerson Camarotti, para o g1 (15 dez 2021): “No jargão eleitoral, termo 'cristianização' é usado quando candidato é abandonado pelos próprios aliados”.

Afirma o comentarista político: “Pesquisa caiu como uma bomba sobre avaliação do governo Bolsonaro. Lideranças de partidos do Centrão ouvidas pelo blog já trabalham com o cenário de "cristianização" da candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, diante da rejeição recorde do governo.”

 E Camarotti explica: “Trata-se de uma referência aos anos 1950, quando o então candidato à Presidência Cristiano Machado foi traído pelos companheiros de PSD, que optaram por apoiar Getúlio Vargas, do PTB.” 

            Fui conferir na Internet e encontrei que “Cristiano Monteiro Machado (Sabará, 1893 - Roma, 1953), filho de Virgílio Machado e de Marieta Monteiro Machado, formou-se Bacharel pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro em 1918. Foi prefeito de Belo Horizonte de 1926 a 1929 e concorreu à Presidência da República em 1950 pelo PSD. As principais chapas concorrentes foram as de Eduardo Gomes - Odilon Braga, da UDN, e Getúlio Vargas - Café Filho, da aliança PTB-PSP.”

O Partido Social Democrático acabou apoiando Getúlio Vargas. Cristiano Machado insistiu em se candidatar, mesmo sem o apoio do partido, o que deu origem ao termo "cristianização", quando o candidato é abandonado pelo seu próprio partido para apoiar outro nome de maior peso.

Em 1953 Machado foi nomeado embaixador do Brasil no Vaticano, mas faleceu um pouco depois, em Roma.

 

Ao término desta crônica, fico com a impressão que somente eu não conhecia essa história. Santa ignorância!

 

 

https://g1.globo.com/politica/blog/gerson-camarotti/post/2021/12/15/centrao-aposta-em-cristianizacao-de-bolsonaro-apos-pesquisa-mostrar-rejeicao-de-55percent.ghtml

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cristiano_Machado

 

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Questão de Educação

 

Rei Juan Carlos I posa diante de elefante 

Reprodução/Jornal El Mundo/VEJA

 

 

Nesta terça-feira (14 dez 2021), há previsão de que a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) coloque na pauta da Comissão de Meio Ambiente projeto de lei que autoriza a caça esportiva no Brasil. Parece que a desculpa utilizada para disfarçar a iniciativa é o controle da proliferação de javalis, porém abre-se assim a possibilidade para a liberação do abate de outras espécies.

            É difícil acreditar que em pleno século 21, vivendo a benfazeja onda ecológica que varre o planeta nos últimos anos, alguém venha falar em caça esportiva! Matar por esporte!

            Em 2012, Juan Carlos I, rei de Espanha, passava férias na África. Sofre acidente em Botsuana, fratura o quadril e ganha as manchetes de todo o mundo, quando se descobre a verdadeira motivação da viagem: Juan Carlos Caçava Elefantes! A indignação foi geral, ocasionando grave crise na monarquia espanhola. Havia ainda um agravante: o monarca, de 74 anos, era presidente de honra em seu país da WWF, uma das maiores ONGs ambientalistas do mundo. 

Minha indignação à época, me lembro bem, faz com que ainda hoje eu coloque a fatídica fotografia no alto dessa postagem. A foto era antiga, de 2006, portanto de um safari anterior; a diversão real era um hábito.

O rei matava por prazer. Me lembro ainda de pensar que, sendo rei, aquele homem tivera todas as oportunidades possíveis para bem se educar, coisa que não acontece com a grande maioria dos mortais que não vêm ao mundo com sangue azul. Pois ele não se educou, recebeu apenas o verniz da polidez. 

Esperemos pela nova fotografia – o herói nacional ao lado da presa abatida, quem sabe uma onça pintada –, caso o projeto de lei da deputada Zambelli seja aprovado.

Como tudo na vida, esta também é uma questão de Educação.

            

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Questão de hermenêutica

 


Francisco, durante a coletiva no avião papal

no retorno de sua viagem ao Chipre e à Grécia

 

 

Recentemente, relatório elaborado por uma comissão independente criada pela Comissão Episcopal francesa sobre os abusos sexuais cometidos durante sete décadas estimou os casos em cerca de 300.000. 

O papa Francisco regressou na manhã desta segunda-feira de sua viagem ao Chipre e à Grécia e deu coletiva a bordo do avião papal. Daniel Verdú, em matéria para El País intitulada Papa Francisco sobre abusos do arcebispo de Paris: “Pecados como orgulho e ódio são mais graves que os carnais” (6 dez 2021), afirma:

 

“[O Papa] surpreendeu ao comentar os detalhes da renúncia, na quinta-feira passada, do arcebispo de Paris, Michel Aupetit, a quem defendeu afirmando que se tratava de um tema de reputação e revelando que Aupetit havia praticado apenas “pequenas massagens e carícias” em sua secretária. “Os pecados da carne não são os mais graves”, afirmou o Papa. “Os mais graves são os pecados como o orgulho e o ódio”, completou.”

“O Pontífice afirmou que os abusos de 70 anos atrás e o acobertamento da época não podem ser julgados sob a ótica atual.”

            “Por outro lado, como já fez em outras ocasiões, Francisco surpreendeu pedindo que parte desses fatos e, em geral, todos os abusos e seus acobertamentos, sejam julgados sob a ótica daquela época. “Quando esses estudos são realizados, é preciso estar atento às interpretações realizadas num período tão longo. Existe um risco de confundir o modo de enfrentar um problema 70 anos depois. Uma situação histórica deve ser interpretada com a hermenêutica da época, não com a nossa. (Grifo meu.) A escravidão, os abusos de 100 anos atrás, por exemplo, nos parecem uma brutalidade. O mundo era outro, havia outra hermenêutica. No caso da Igreja, acobertava-se... era uma coisa que acontecia nas famílias e nos bairros. Hoje dizemos que não funciona. Mas é preciso interpretar com a hermenêutica de cada época”, afirmou.”

            E Verdú conclui: “A teoria do Papa não é fruto de uma resposta improvisada numa entrevista coletiva. Ele a repetiu outras vezes e costuma incomodar enormemente as vítimas, que não encontram nenhuma perspectiva histórica possível para interpretar o estupro de um menor ou o fato de que a cúpula eclesiástica tenha acobertado os criminosos que o fizeram. Ou, ainda pior, que o continuem fazendo. Inclusive se a teoria fosse aceita, consideram, não se trata de uma perspectiva de séculos, mas de poucas décadas.”

 

            Ao terminar a leitura do artigo no El País, tenho dificuldade para comentar as declarações do Papa. Sinto náuseas. Talvez em outro momento.

 

https://brasil.elpais.com/internacional/2021-12-06/papa-francisco-sobre-abusos-do-arcebispo-de-paris-pecados-como-orgulho-e-odio-sao-mais-graves-que-os-carnais.html#?rel=lom