Ele finalmente admitiu:
– Um chef de cozinha não lava pratos.
Duas fotografias antigas, desfocadas, como acontece com a memória de alguns de nós, que vai perdendo aos poucos a nitidez, vai evanescendo, até que se apague completamente. Algumas nunca se apagam.
            A primeira delas mostra nosso avô Breno Vianna, vestindo terno de linho branco, lendo jornal na sala de jantar da casa à Rua Costa Braga, 90, em Guaratinguetá. Atrás dele, a luz intensa de uma janela ajuda na leitura. No primeiro plano há uma porta aberta, que dá para uma pequena varanda que chega até o portãozinho de entrada. O avô é magro na fotografia, o que indica que ela é bem antiga. Suponho que Ofir tenha sido o fotógrafo.
            A segunda, mais desfoca ainda, me parece que é o único registro de nossa avó Cici – assim Breno registrava seu apelido – sorrindo! Quem a amou como eu a amei, pode reconhecê-la perfeitamente, a tez clara, os cabelos bem finos, levemente crespos, a testa alta e o queixo forte. Tive com minha avó Cici, eu bem criança, a primeira relação adulta de minha vida; ela me tratava com o mesmo respeito que dedicava às pessoas adultas, e eu sentia aquilo como profunda manifestação de amor.
            Lembro-me bem do dia em o telefone antigo foi trocado por uma aparelho moderno, em que bastava discar o número desejado para que o destinatário atendesse, sem auxílio de uma telefonista. De minha casa, vizinha a de meus avós, disquei e ela atendeu:
            – Alô!
    – Quem fala, por favor?
            – É da residência de Breno Vianna.
            – E quem está falando?
            – Cici, a esposa dele.
            – Dona Cici, aqui é da Companhia Telefônica. Estamos fazendo um teste para checar se o telefone está funcionando.
            – Pois não.
            – A senhora pode soprar forte no telefone, por favor?
            – Fuuuuuuuuuu...
            – Mais uma vez, bem forte.
            – Fúúúúúúúúúúúúúú...
            – Pela última vez, mais forte!
            – FÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚ...
            – Pode parar porque já encheu. Hahahaha!
            Foi então que a avó percebeu que se tratava de um trote, e que o engraçadinho era eu mesmo, seu neto predileto. Atravessei o portão que separava as duas casas, fui até ela e rimos muito. Esta era a Cici, minha segunda mãe.
            Breno, o brilhante intelecto da família. Cici, sua alma.