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segunda-feira, 12 de abril de 2021

O sonho de Picasso



 

Aos 75 anos de idade Pablo Picasso teve um sonho. Andava solteiro por aqueles dias, trabalhando em casa, quando a campainha tocou. Foi atender, era Brigite Bardot que viera lhe fazer uma visita. Maravilhado, Picasso convidou-a para entrar e conhecer o ateliê dele.

            Brigite, com seu ar ingênuo de menina, mais linda do que nunca, mais sedutora do que nunca, trajava primaveril vestido rodado, de farto decote a descobrir os fartos seios. Picasso, mais bobo do que nunca.

            De braço dado com Brigite, o artista lhe mostrava embevecido suas criações, esculturas em madeira, em pedra, em argila, uma cabeça de touro feita com um guidão de bicicleta, arte de onde parecia impossível fazer arte, as telas todas, as mulheres todas de uma vida inteira, os desenhos, ah! os desenhos! 

            Picasso parou nos desenhos eróticos, eram cadernos e mais cadernos, folhas soltas de todos os tamanhos, tudo ali, explícito, diante da moça embevecida. Até que, nem tão ingênua assim, ela desconfiou que se tratava de uma cantada, cantada artística! Fechou a cara.

            Picasso percebeu a recusa, procurou remediar lhe ofertando um presente: ali mesmo, num átimo, pegou de um prato, desenhou em azul uma pomba da paz, e Brigite voltou a sorrir. (Freud diria que aquele expediente foi um artifício do inconsciente para que o sonho não terminasse.)

            Ao acordar, antes mesmo do café com brioche, Picasso pintou mais uma mulher. De fartos seios.

sexta-feira, 12 de março de 2021

O sonho de Moisés

 

Moisés é um homem bom e tem um grande amigo, velha amizade cultivada por ambos com extremo carinho. Conversam sobre tudo, em especial sobre Filosofia e o sentido da vida.

Para infelicidade de Moisés, o amigo encontra-se gravemente enfermo. Moisés então sonha que ambos participam de alegre banquete, onde são servidas as mais finas iguarias, incluindo frutos do mar, tudo regado a bons vinhos. 

A conversa corre animada, quando Moisés se lembra que o amigo não pode comer camarão, pois sofre de grave alergia. Ainda assim, Moisés lhe serve o crustáceo, sem que o alimento cause qualquer malefício ao amigo. Moisés exclama, Veja, você está completamente curado! 

De fato, este é seu maior desejo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Floresta escura


 

Em certa manhã de primavera, ao despertar, olho pela janela de meu quarto e vejo tenebrosa floresta escura em meio a qual estou completamente perdido, só triste abandonado desprotegido vulnerável fraco indefeso incapaz de enfrentar os perigos e ameaças que a floresta esconde. Caminho caminho caminho, me ferem espinhos capins-lâminas cortantes aranhas cobras pestilências e terror, e não consigo encontrar o caminho de volta. Que caminho será esse? Voltar para onde? Para quem?

De repente uma orquestra invisível começa a tocar o concerto n.1 para piano de Shostakovich, o que faz multiplicar minha angústia, me atordoa, me confunde ainda mais. Tapo os ouvidos com minhas mãos espalmadas. A orquestra toca mais  alto. Onde estou? 

Acordo em sobressalto. Tudo eram restos de um sonho que  ainda não havia terminado, e a floresta é apenas o belo quintal de minha casa, visto pela janela de meu quarto, em um amanhecer de primavera.  




sábado, 11 de novembro de 2017

O sonho de Evandro Affonso Ferreira



          Velho caminha lentamente olhando para o chão das calçadas gastas da “metrópole apressurada”, sem destino, desolação absoluta desde quando ela partiu, aquela que ele amava, quando se depara com outra, a “indesejada das gentes”. Está pronto para partir? – ela pergunta. Não, ainda preciso escrever um último romance. Ela então se afasta, respeitando necessidade e força das palavras.


Inspirado em "Não tive nenhum prazer em conhecer-los".

sábado, 30 de setembro de 2017

Outro sonho de Amós Oz

                   Pleno deserto, sol de meio-dia.
     Último terrorista, de pé sobre um pequeno monte, afirma que, com a derrota definitiva do Estado Islâmico, não vale mais a pena viver.
            Ele arrancou turbante que lhe cobria o rosto, tirou da cintura a faca, cortou o próprio pescoço com golpe certeiro, adquirido pela prática, espirrando sangue sobre a areia quente do deserto.
            Assim morreu o último fanático, pensou Amós Oz, ainda durante o sonho.
            Oz acordou aliviado, antes que se desse conta de que era um sonho.


terça-feira, 26 de setembro de 2017

O sonho de Chagall



              Enorme rebanho de cabras tomava conta da estrada, impedindo a passagem de Chagall. Ele precisava chegar com urgência à igreja onde iria se casar, no pequeno povoado de Liozna, onde nasceu. Tamanho o seu desejo de chegar a tempo para o casamento que, de repente, as cabras começaram a voar, o dia virou noite porque o céu ficou encoberto pelas cabras, Chagall montou em uma delas, colocou-lhe no pescoço uma guirlanda de flores, e chegou à igreja dois minutos antes da noiva.

domingo, 23 de outubro de 2016

O sonho de Schubert

             Schubert sonhou que Beethoven havia morrido e que ele precisava comparecer ao funeral. Sentia-se constrangido, não era merecedor nem ao menos de comparecer ao enterro do Mestre. Porém, alguma coisa o obrigava a ir, não sabia o que.
          Acordou banhado em suor, pois, no sonho, segurava uma das alças do caixão de Beethoven.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

O sonho de Horowitz

   Vladimir Samoylovych Horowitz nunca tocou Beethoven.
            Em sua juventude, sonhou que o Mestre aparecia-lhe carrancudo, vociferante, brandindo nas mãos a partitura de uma de suas sonatas para piano, e dizia:
            – Você jamais será um virtuose!
            Horowitz tornou-se um virtuose, um dos maiores do século XX.

Especialista nos românticos, ele jamais tocou Beethoven.