segunda-feira, 27 de abril de 2015

As armas e as artes



         Duas manchetes aparentemente não relacionadas ocuparam a primeira página do The New York Times, suplemento da Folha, no último sábado (25/4): “Oriente Médio abre nova corrida armamentista” e “Tesouros de arte à venda”. A conexão que posso estabelecer entre elas diz respeito à face mais perversa do capitalismo contemporâneo.




                A Arábia Saudita usa caças F-15 da Boeing na guerra no Iêmen, os Emirados Árabes Unidos bombardeiam o Iêmen e a Síria com os F-16 da Lockheed Martin, os Emirados devem adquirir drones Predator da General Atomics.
          A indústria armamentista americana aguarda o pedido de países aliados árabes (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrein, Jordânia e Egito) que combatem o Estado Islâmico, de compra de milhares de mísseis, bombas, tanques, aviões, todo tipo de armamentos para a recomposição de seu arsenal de guerra. O resultado disso é um boom para fabricantes americanos de armamentos em busca de negócios no Oriente Médio.
          A Arábia Saudita destinou mais de US$ 80 bilhões para armamentos em 2014 – o maior gasto militar de sua história –, e os Emirados Árabes Unidos gastaram quase US$ 23 bilhões, no ano passado. O Qatar comprou dos EUA helicópteros de ataque Apache e sistemas de defesa antiaérea Patriot e Javelin por US$ 11 bilhões e espera ainda adquirir caças F-15 da Boeing para substituir os jatos Mirage franceses. A Boeing abriu um escritório em Doha em 2011, e a Lockheed Martin fez o mesmo este ano.
          E quem paga esta conta? Lá, como aqui, é o povo.

            A segunda manchete refere-se à venda de obras de arte de valor inestimável por vários museus da Europa, todos eles passando por dificuldades orçamentárias. Para cobrir gastos, desfazem-se da prataria da casa. 
          No Reino Unido, a estátua egípcia do Escriba Sekhemka, de 4.500 anos, pertencente ao museu de Northampton, foi a leilão e arrematada por um comprador anônimo por US$ 27 milhões. E os milionários compradores anônimos guardarão a sete chaves suas relíquias, longe dos olhos dos simples mortais.



              O museu de arte de Münster, Alemanha, pode perder uma escultura de Henry Moore, em exposição naquela instituição há 40 anos, para pagar débitos do museu. (O povo acorre ao museu para ver, talvez pela última vez, as obras de arte.)
          Quem perde com tais transações se não o povo?

             Para o feroz regime capitalista, o que importa é a movimentação do dinheiro para a obtenção do lucro, seja na fabricação e venda de armas, seja na espoliação dos museus. O povo, ah! o povo, que se dane.

Ele, mais uma vez!



A Orquestra Sinfônica de Teerã, que já foi dirigida por maestros consagrados como Yehudi Menuhim, Isaac Stern, Maurice Béjart, havia sobrevivido a eventos traumáticos como um golpe de estado, a revolução islâmica, a guerra contra o Iraque. Porém, não sobreviveu a Mahmoud Almadinejad, que encerrou suas atividades sob o pretexto da falta de verbas.
O governo moderado de Hassan Rouhani trouxe de volta o maestro Alexander Rahbari, no exílio desde 1970. O retorno da Sinfônica de Teerã aos palcos há duas semanas foi tomado como o símbolo de um país que procura normalizar suas relações com o Ocidente.
A obra escolhida para evento tão significativo não poderia ser outra que não a Nona de Beethoven, também usada como hino da União Europeia! A primeira execução pública da Nona Sinfonia ocorreu em 7 de maio de 1824, na presença do compositor, completamente surdo à época. Quase 200 anos depois, o mestre alemão permanece atual, emocionante, capaz de tocar o coração dos mais diferentes povos do planeta.
O novo projeto iraniano inclui a apresentação semanal da Sinfônica, a formação de novos músicos  e maestros pelo país.
Bela iniciativa do Irã, na contramão do fundamentalismo religioso do Oriente Médio.