quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Quem conhece Samuel Rawet?




Difícil encontrar algum livro de Samuel Rawet (pronuncia-se “rávét”), a não ser em sebos, pois ele publicava através de editoras pequenas, de distribuição precária, esparsamente. Até que a Ed. Civilização Brasileira reuniu sua obra em um único e alentado volume (bastante mal acabado, desses que soltam as folhas à medida que o livro vai sendo manuseado), Contos e novelas reunidos (2004), mas o homem permanece um ilustre desconhecido para o leitor comum.
Sua leitura não é fácil, seus personagens são angustiados, inadaptados, têm dificuldade para se comunicar, são imigrantes deslocados, exilados como ele mesmo o foi. Porém, sua escrita é única, originalíssima, de uma profundidade e dramaticidade incomparáveis.
Samuel Urys Rawet nasceu em Klimontow, aldeia próxima de Varsóvia, em 1929. De família judaica, em 1936 naturalizou-se brasileiro, criado no subúrbio carioca da Leopoldina.
Engenheiro de profissão, membro da equipe de Oscar Niemeyer, participou da construção de Brasília, sendo o responsável pelos cálculos da construção de vários edifícios importantes, como o Congresso Nacional. Fixou residência em Brasília, onde morreu em 1984.
O volume recém publicado inclui os livros Contos do imigrante (1956), Diálogo (1963), Os sete sonhos (1967), O terreno de uma polegada quadrada (1969), Que os mortos enterrem seus mortos (1981), e as novelas Alabama (1964) e Viagens de Ahasverus à terra alheia em busca de um passado que não existe porque é futuro e de um futuro que já passou porque sonhado (1970).
Destaco o parágrafo inicial do conto O profeta, pequena amostra do estilo rawetiano:

“Todas as ilusões perdidas, só lhe restara mesmo aquele gesto. Suspenso já o passadiço, e tendo soado o último apito, o vapor levantaria a âncora. Olhou de novo os guindastes meneando fardos, os montes de minérios. Lá em baixo correrias e línguas estranhas. Pescoços estirados em gritos para os que o rodeavam no parapeito do convés. Lenços. De longe o buzinar de automóveis a denunciar a vida que continuava na cidade que estava agora abandonando. Pouco lhe importavam os olhares zombeteiros de alguns. Em outra ocasião sentir-se-ia magoado. Compreendera que a barba branca e o capotão além do joelho compunham uma figura estranha para eles. Acostumara-se. Agora mesmo ririam da magra figura toda negra, exceto o rosto, a barba e as mãos mais brancas ainda. Ninguém ousava, entretanto, o desafio com os olhos que impunham respeito e confiavam um certo ar majestoso ao conjunto.”

Vale a pena conhecer Samuel Rawet!