domingo, 29 de março de 2020

Coronavírus e a Igreja



Papa reza na Praça São Pedro vazia
Foto: Reuters/Guglielmo Mangiapane


A atitude do Papa Francisco de rezar missa em plena solidão de uma Praça São Pedro deserta, no Vaticano, em melancólica tarde chuvosa, me pareceu exemplar. “Senhor, não nos abandone”, implorou o pontífice.
            Nada de aglomerações, prescreve a Ciência. O Papa obedeceu, e mais que isso, revelou ao mundo que se dobrava às recomendações da Ciência, em rara comunhão de ideias entre Religião e Ciência. O mundo precisa disso nesse momento difícil por que passamos. Nunca dependemos tanto da Ciência e dos cientistas, dos pesquisadores e agentes de saúde que trabalham sem cessar em busca de soluções diante de inimigo poderoso.
            Que a missa vazia possa servir de exemplo para outras tantas religiões e seitas tão populares em nosso país, que teimam em realizar cultos em salões repletos de gente, em franca desobediência às recomendações da Organização Mundial da Saúde. O fundamentalismo religioso ignora a Ciência e prefere crer em milagres. Fora Satanás e seu vírus maldito, vociferam alguns pastores mais exaltados! Ou ainda, Nesta Casa do Senhor este vírus não entra! 
            Aqueles que preferem acreditar em fantasias infantis, tomados desde sempre pelo pensamento mágico, acreditam piamente no que dizem os pastores... e adoecem. O dízimo, porém, foi pago.
            Uma palavra para os que creem: Jesus Cristo exortou a vigiar e orar (Marcos 14:38): “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca”. Ensinou também onde orar (Mateus 6:6): “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está oculto; e teu Pai, que vê o que está oculto, te recompensará”. 
            A missa vazia de Francisco pode ser vista como alguém que ora em seu próprio quarto, em silêncio.
            A comunhão entre Ciência e Religião mostrada pela Igreja nesse episódio me parece um avanço no chamado processo civilizatório, quando fé e razão caminham juntas, pacificamente. Um outro fato, no entanto, ocorrido quase ao mesmo tempo, revela quão difícil é libertar-se do pensamento mágico como tábua de salvação para as angústias, temores e sofrimentos humanos. 
Na véspera da citada missa (26 mar 2010) a Itália foi palco de ato religioso contra a pandemia, quando certo crucifixo de mais de 500 anos, tido como milagroso, foi levado de uma igreja em Roma para a Praça de São Pedro, para uma oração especial conduzida pelo mesmo Papa Francisco. Em 1522, o crucifixo foi carregado pelas ruas de Roma, também  num pedido pelo fim de uma grande peste que assolava o país.  
Eis que a fé supera a razão, no retorno do pensamento mágico. Aflora a clara manifestação da infância da humanidade, a demonstrar quanto ainda nos falta caminhar em direção do predomínio da razão. Mas é preciso mesmo ter paciência para com a humanidade.