terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Notícia sobre o XXXI Congresso de Geologia


Ao meu amigo Aldo.


            Afrânio Geodésio – por mais incrível que possa parecer, este é mesmo seu verdadeiro nome – tem o respeito nacional e internacional, eminente geólogo que é, um brasileiro de reputação inatacável, orgulho pátrio. Ele prepara-se com esmero profissional para a Conferência Inaugural do XXXI Congresso Internacional de Geologia, quando será visto e ouvido por milhares de cientistas em todo o mundo, que aguardam com enorme expectativa seu veredicto a respeito do que será o Antropoceno, ou a Idade do Homem, período que virá suceder o Holoceno, que perdurou nos últimos 12.000 anos.
            A Comissão Internacional de Estratigrafia, com sede em Genebra, e que decide sobre as divisões da idade da Terra, aguarda o parecer do Professor Geodésio como quem aguarda uma encíclica papal, fonte de verdades definitivas. O grande anfiteatro do Instituto de Estratigrafia está repleto, são mais de 5.000 participantes, todos ansiosos pela conferência do Professor, Um momento histórico para a Geologia mundial, todos concordam.
            Quando o Professor entra no palco explodem os aplausos; quando sobe ao púlpito faz-se um silêncio absoluto.
            – Senhoras e senhores, meus colegas. Li Friedrich Nietzsche ainda menino, e quando terminei a leitura de Assim falou Zaratustra perguntei a minha mãe, Mamãe, é verdade que Deus morreu?, ao que ela me respondeu com um coque no alto da minha cabeça, Deixe de asneiras, menino! Senhoras e senhores, posso lhes assegurar que a Terra também morreu, e que o Homem está morrendo com ela.
            O  imenso salão permanece em profundo silêncio.
            No dia seguinte os jornais do mundo inteiro estampam manchetes de primeira página com as palavras do Professor Geodésio.
            Uma semana depois, numa edição de domingo, um renomado periódico edita caderno especial, tratando do assunto, com uma breve entrevista do Professor Geodésio.
            Um mês depois ninguém mais fala do assunto.
            As queimadas amazônicas continuam queimando; a floresta sendo desmatada; as fábricas poluindo; os automóveis emitindo toneladas de gases; os esgotos e resíduos químicos matando os rios; o petróleo sendo derramado no mar; o mercúrio dos garimpeiros matando tudo que é vivo.
            Nietzsche é quem tinha razão, pensa consigo mesmo o Professor Afrânio Geodésio, orgulho da nação.

Flying dogs 2

As fotos do dia,
atendendo a pedidos, 
pelo enorme sucesso.




http://www.theguardian.com/lifeandstyle/gallery/2014/nov/24/flying-dogs-in-pictures 


Dois livros que não gostei

Ao meu irmão Paulo.

             Por que tudo que um grande escritor produz precisa ser ótimo, perfeito, uma obra prima? É possível que os fãs sejam responsáveis por isso, ao ver no ídolo alguém infalível: apenas uma fantasia infantil.
            Não me surpreendo, portanto, com a reversão de expectativa ao ler o último livro de algum autor que aprecio, e não gostar dele, ou mesmo detestá-lo. Porém, este meu ponto de vista, digamos negativo, não vem para o blog, não o torno público, guardo só para mim, principalmente porque posso estar enganado. (Monteiro Lobato bem que poderia ter silenciado diante da exposição de Anita Malfatti, em 1917. E eu nem sou um Monteiro Lobato, longe disso.)
            Tenho postado comentários sobre livros que tenho lido recentemente, sempre elogiosos; não faço resenhas, deixo para o possível leitor o inteiro sabor da novidade; também não faço crítica literária, por total falta de competência; expresso apenas um singelo ponto de vista, acompanhado das associações de ideias que a obra desperta em mim.
Mas se o livro não desperta em mim nada que valha a pena comentar, se acho-o ruim, de quem é a culpa? Do livro ou das minhas parcas ideias? Diante desta dúvida, melhor o silêncio. Até agora.
Bem, paradoxalmente, acontece que este não é, nunca foi, meu perfil de comportamento diante da vida: sou um palpiteiro contumaz, impertinente, presunçoso, arrogante, metido a besta. (Este Louco por cachorros é a mais recente manifestação dessas qualidades.) E me tem incomodado o meu silêncio – ou seria omissão? – diante de dois livros lançados recentemente, incensados pela crítica, os quais definitivamente não gostei. Em conversa recente com meu irmão, este sim, escritor de verdade, poeta de primeira água, fui estimulado a comentar sobre os livros que não gostei, É apenas o seu ponto de vista, disse-me ele, a quem sempre obedeço. Assim sendo...
Sou louco por Fernanda Torres (mais ainda pela mãe...), como atriz, comediante, como pessoa, pelas entrevistas que tenho acompanhado, e particularmente como cronista! Crônica é a especialidade dela: perspicaz, com grande poder de síntese, ótima observadora da realidade, dona de escrita ágil, simples, correta. Porém o romance Fim, é o fim... Nem Hemingway conseguiu escrever com frases tão curtas! A leitura torna-se uma sucessão de soluços, o leitor engasgado com a escrita feita a solavancos. Nada a dizer dobre o conteúdo, sobre a trama, prejudicados pela forma.
Chico Buarque, ainda mais que Fernandinha, é unanimidade nacional. Estorvo (1991), Budapeste (2003) e Leite derramado (2009) são excelentes romances, sucessos de crítica e público com inteira justiça. Já O irmão alemão, faça-me o favor... De posse de uma história que deve ter atormentado o autor por toda a vida, desde a mais tenra infância, o filho do grande Sergio meteu os pés pelas mãos ao tentar fazer da realidade, ficção. O estilo é o mesmo de sempre, elegante, preciso, culto, porém prejudicado agora pela impossibilidade (psíquica?) de apenas contar uma história.
Torço para que Fernanda Torres não desista do romance. Chico já é um romancista consagrado. Ambos não estão nem aí para o que penso ou deixo de pensar sobre literatura, além do que não leem o Louco por cachorros. (Não sabem o que estão perdendo...)
Para a própria sobrevivência psíquica – elas necessitam desesperadamente de proteção – as crianças enxergam seus pais como heróis, que as livrarão de todos os perigos e ameaças desta vida, seres perfeitos e infalíveis que são. (As crianças, portanto, não pensam e sentem assim, pelos pais, mas por elas mesmas, em benefício próprio, e não para seguir algum mandamento divino.) A isto chamei de uma fantasia infantil. Crescer, tornar-se adultos, também é aprender a ver os pais como eles são, simples mortais.
Os admiradores de Fernanda e Chico, os que cresceram, haverão de perdoá-los.