quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Arquimedes vai à festa

           Arquimedes recebeu importante prêmio literário pelo último romance – Um vento ao cair da noite – e pelo conjunto da obra, acompanhado de significante quantia em dinheiro, o que lhe interessou sobremaneira, tendo em vista a pindaíba em que se encontrava. Um obstáculo apenas: haveria uma recepção de gala, com direito a champanhe e muitos convidados, discursos e tapinhas nas costas, coisas que Arquimedes não tolerava. Para falar a verdade, ele odiava tais rapapés e salamaleques. Mas pelo dinheiro...
            Iria ao encontro, porém deixaria sua marca, pensou. No dia e hora marcados, impecavelmente vestido de garçom, terninho preto de tecido ralo, camisa branca mal passada, gravata borboleta, um lencinho igualmente preto em forma de triângulo amarrado na cabeça, sapato social, Arquimedes era o garçom perfeito. Deixou seu carro a um quarteirão de distância, cruzou o extenso e exuberante jardim do casarão, entrou pela cozinha, foi logo pegando um guardanapo branco que dependurou no antebraço direito, tomou de uma bandeja de salgadinhos e passeou pelo salão como quem dança num baile de gala.
            A primeira reação de Arquimedes foi de espanto, ao ver que passava incólume pelo mar de convidados e ninguém olhava no seu rosto; poderia passear pelo salão durante horas e jamais seria reconhecido, pois os olhares eram dirigidos exclusivamente para a bandeja que segurava. Mesmo aqueles que agradeciam pelo salgado não olhavam para sua cara. Devo ser invisível, pensou.
            Mas esta ideia foi prontamente desfeita, da maneira mais violenta possível, quando um dos convidados, antigo conhecido de Arquimedes, sabidamente grosseirão e já tocado pelo uísque, jogou-lhe na cara – paradoxalmente, pois nem o olhou na cara:
            – Vê se traz um salgado que preste, porra!
            Agora não foi espanto, foi um baita susto! Arquimedes quase derrubou a bandeja de rissoles, balbuciou algo ininteligível, escafedeu-se para o interior da enorme cozinha. Melhor parar por aqui, acho que está de bom tamanho, pensou.
            Minutos depois, feliz coincidência, o dono da casa e patrocinador do evento, Dr. Júlio de Freitas, incomodado com a demora de Arquimedes – sujeito esquisito e dado a faltar aos compromissos –, nervoso, pois empanturrava-se de rissoles servidos por um certo garçom ao qual não olhava nos olhos, apenas servia-se, bebericando sua champanhe, Dr. Júlio resolveu fazer o brinde da noite ao ilustre convidado.
            O anfitrião reuniu os convidados e anunciou oficialmente que Arquimedes tivera um contratempo e que não poderia comparecer à recepção. A consternação foi geral, porém aqueles que conheciam melhor o homenageado não se surpreenderam com o fato, apenas lamentaram. Terminada a lamúria, Dr. Júlio informou que a festa teria prosseguimento, mesmo na ausência de Arquimedes, que os convidados se divertissem, era o que lhes restava fazer.
            Ouviu-se então o tilintar de uma taça de cristal, alguém batia-lhe com uma faca à guisa de campainha, chamando a atenção de todos no centro do salão. Era Arquimedes, para estupefação geral! Como havia retirado o lenço preto da cabeça, foi logo reconhecido. Depois dos óóóhs! e aaahs, pediu silêncio; demorou a ser atendido, muitos queriam abraçá-lo, ele esquivava-se, tornava a pedir silêncio, e quando o silêncio se fez, Arquimedes anunciou que faria um discurso, ao que foi aplaudidíssimo. Os convidados não imaginavam o que lhes esperava.
             Arquimedes falou durante duas horas e quarenta minutos sobre a invisibilidade dos garçons e anunciou que este seria o tema de seu próximo livro. Impacientes e constrangidos, todos ouviram em silêncio. Fim de festa.