quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A força do palavrão


Inspirado em Donald Trump, Hélio Schwartsman escreveu hoje (17/01/2018) em sua coluna para a Folha sobre o poder do palavrão, mais precisamente palavras-tabu. “Por que elas despertam reações tão veementes naqueles que as ouvem”, pergunta o articulista. Se Trump tivesse dito "países subdesenvolvidos, não teria despertado qualquer alarde; como disse "países de merda" (shithole countries), foi o barulho que se viu.
Schwartsman interroga: “Por que diacho desenvolvemos uma linguagem e logo a seguir escolhemos alguns termos para "proibir"?” “Xingamentos, palavrões e profanidades integram circuitos cerebrais diferentes dos da linguagem ordinária. Há casos de pessoas que sofrem lesões cerebrais que lhes tiram a capacidade de falar (afasia), mas conseguem praguejar.”
O colunista cita alguns termos que utilizamos com frequência, como "merda", "mijo", "porra" ou "pústula", todos considerados sujos, daí sua força ofensiva (esta é minha interpretação, diferente da de Steven Pinker, que afirma que tais “fluidos são muitas vezes vetores de doenças, das quais tentamos nos proteger não só física como também linguisticamente”). (Se Pinker e eu tivéssemos razão, “porra” não seria tão empregada como verdadeira pontuação.)
Interessante a conclusão de Schwartsman: “Seja como for, essa é mais uma modalidade do pensamento mágico que tanto assombra nossa espécie.”
 O que ele não disse, talvez para não dar a impressão de que apoia as ideias de Trump, é que o palavrão tem seu lugar, quando empregado na hora certa, para a plateia adequada.
Mas isso, para quem sabe e pode usá-lo! Sim, é verdade, é preciso ter liberdade psíquica para fazer bom uso do palavrão; seu emprego “forçado” ou repetitivo torna-se grosseria. Minha experiência com o emprego de um sonoro e inesperado “filho-da-puta” em plena sala de aula (para estudantes universitários) sempre produziu bons efeitos, no mínimo para despertar os sonolentos, além de motivar os despertos.
E não me considero mal acompanhado: Saramago muitas vezes se utilizou de palavrões, quer em artigos de cunho político ou até mesmo na ficção, para surpreender o leitor e marcar com força a posição dele.
Há quem nunca diga um palavrão (e é preciso respeitar isso). Já me disseram que Machado de Assis nunca escreveu um palavrão, e as razões seriam de ordem estética: se há palavra mais bonita, para que empregar uma feia. Porém, esta “feiura” não seria puro preconceito, ou moralismo disfarçado? Não é uma palavra como outra qualquer, e apenas uma palavra?
Sei não. Às vezes, Que merda! nos ajuda simplesmente a por para fora algo que não podemos suportar. Daí a intrigante ideia apresentada por Schwartsman de que se trata de um tipo de pensamento mágico.