quinta-feira, 2 de julho de 2020

Destruição por inépcia


A crônica de hoje de Sérgio Rodrigues para a Folha de S. Paulo (2 jul 2020) é antológica, a começar pelo título: “Ave Maria’, cheia de desgraça.”
Primeiro foi a “restauração” desastrosa do Ecce Homo, todos haverão de se lembrar:


A versão original deteriorada e a desastrosa
restauração do "Ecce Homo" –
Centro de Estudios Borjanos, Divulgação/Reuters


Depois a vítima foi a Virgem Maria, do pintor espanhol Bartolomé Esteban Murillo (1617-1682):


Murillo vandalizado / Europa Press


Então Sérgio Rodrigues se pergunta: “E se for esta, a destruição por inépcia, a marca mais característica de nossa época? ... A ideia me ocorreu dois dias depois de ler sobre o fim inglório da Maria de Murillo, quando me expus ao já histórico vídeo da "Ave Maria" da Embratur, destinado a ser uma das imagens-síntese do governo Bolsonaro. Coincidência ou espírito do tempo?”
Rodrigues refere-se naturalmente à live presidencial de 25 de junho, em que o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, “entre um fole tocado com bolsonara incompetência e uns vagidos roucos de bezerro agônico, executa no fundo da cena (o verbo não é gratuito) a "Ave Maria" de Gounod. Em primeiro plano, Paulo Guedes sua gordas gotas de cartum”.
Rodrigues conclui: “O bolsonarismo é o triunfo mais acabado — e com menos superego — de uma tendência contemporânea que atravessa fronteiras: a exaltação do amadorismo inepto, da tosqueira de raiz, do trogloditismo "sincero" em contraponto à razão, à ciência, à arte, à justiça.”
O retrato perfeito dos dias que vivemos.

Máximas de Brás Cubas





Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro delicioso. Relê-lo quantas vezes o fizermos, o prazer será o mesmo.              Às tantas, surge o CXIX Capítulo, nomeado Parêntesis, contendo seis máximas do defunto autor.
Aqui vão reproduzidas as máximas de Brás Cubas, a que ele chamou de “bocejos de enfado”:

Suporta-se com paciência a cólica do próximo.


Matamos o tempo; o tempo nos enterra.


Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto, se todos andassem de carruagem.


Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros.


Não se compreende que um botocudo fure o beiço para enfeitá-lo com um pedaço de pau. Esta reflexão é de um joalheiro.


Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens, que de um terceiro andar.


            Reli o Memórias Póstumas em belíssima edição da editora Antofágica, 2019, com ilustrações de Candido Portinari.