sábado, 29 de dezembro de 2012

Poesia hoje


...
– ele pensa que virou poeta...
– naquela idade?
– pois é, tá convencido!
– e presta?
– sei lá, tão complicado isso de poesia hoje.
– por quê?
– você tem lido a poesia de hoje?
– de fato, não.
– então leia; tão esquisita...
– como assim?
– feia, dura, seca, suja.
– me dê um exemplo.
– pega mal...
– então vai ver é isso, falta crítica.
– sabe que você pode ter razão!; não há mais crítica.
– se não desagradar a ninguém, todos ficamos contentes?
– acho que é por aí.
– então você acha que ele está se aproveitando da maré?
– mas ele até que escreve simplesinho...
– como assim?
– à moda antiga.
– e presta?
– sei lá, tão difícil isso de poesia hoje...
 ...

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Destino


Pensou em se aposentar, mas teve medo. Consultou amigos: 4 a favor, 4 contra. Continuou trabalhando. Morreu 15 dias depois.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

a metafísica perdida



às 6 da tarde, invariavelmente
o rádio tocava a Ave Maria de Schubert
o menino ouvia da mãe
esta é uma hora sagrada, meu filho
em que os anjos veem à Terra
para nos proteger do Mal
e o menino, crédulo, contrito
escutava a belíssima música

no Dia das Mães, invariavelmente
o menino ouvia da mãe
este é um dia sagrado, meu filho
em que os anjos veem à Terra
para proteger as mães e seus filhos
para que as famílias vivam em paz
e o menino ouvia, crédulo, contido
as sábias palavras da mãe

no Dia de Natal, invariavelmente
o menino ouvia da mãe
não há dia mais sagrado, meu filho
Jesus veio à Terra para nossa redenção
para perdoar nossos pecados
à medida que perdoamos nossos devedores
e o menino ouvia, crédulo, a mãe
protetora a que tudo sabia

o menino cresceu, inevitavelmente
e descobriu que o vespertino ângelus
variava segundo o fuso horário
o dia das mães não era o mesmo em cada país
muito menos o Natal, inexistente para tantos
e à medida que foi descobrindo o ledo engano
em que a mãe vivia, não deixou de amá-la
nem tentou dissuadi-la dos enganos

deixou de ser menino, finalmente
trocou o conforto das ilusões
pela crua realidade do mundo
descobriu que não ganhava com a troca
porém, fazer o quê, se as fantasias
já não lhe alimentavam a alma
e que o sentido da vida era apenas
tão somente a falta de sentido da vida

John Field, criador dos Noturnos




Antes de mais nada, convido o leitor a ouvir John Field:

http://www.youtube.com/watch?v=JxzJrjH7MEs

        Confesso que sou fanático pelos noturnos de Chopin (Zelazowa Wola, Polônia, 1810 –  Paris, 1849). Para alguns, são peças ditas menores; para mim, que não me considero um expert, primam antes de tudo pela originalidade. Ou primavam.

        Até que descobri John Field (Dublin, 26 de julho de 1782 —Moscou, 23 de janeiro de 1837), o irlandês que será sempre lembrado pelos seus 18 Noturnos, composições para piano que provavelmente exerceram influência sobre Frédéric Chopin...
         Criado em família protestante e tendo casamento católico, surgiram dúvidas quanto a sua fé. Reza a lenda que, em seu leito de morte, ao ser questionado por um padre sobre sua religião, respondeu: "Je suis claveciste".

Ref.: http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Field

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

instalação




há coisas que a gente vê
(em companhia do irmão)
não registra o nome
nem o autor
e nunca mais se esquece
as pequenas vasilhas brancas
de diferentes tamanhos
boiando num céu azul
estão cheias dágua
quando se tocam
produzem tinidos
de diferentes alturas
poesia na dureza
dos tijolos aparentes
da Pinacoteca do Estado

Fotos: A.Vianna e Paulo Sérgio, São Paulo, 2009.