quarta-feira, 31 de julho de 2013

Contos cariocas




Quando o livro é bom, não o largamos até que chegue à última página. Quando o livro é ótimo, leio-o bem devagar, aos bocadinhos, para que não chegue nunca a última página!
            Pois está a me acontecer com o Contos cariocas, de Artur Azevedo, em linda edição da Com-Arte e Edusp editoras, lançado em 2011, capa dura, cabeceado, sobrecapa, papel de boa qualidade, impressão primorosa. Esta segunda edição (a primeira data de 1928, póstuma, pois o autor publicava seus textos em periódicos) é fruto do trabalho de alunos das disciplinas Introdução à Ecdótica e Laboratório de Produção Editorial, do Curso de Editoração da ECA-USP.
            O texto, saborosíssimo! Artur Azevedo nasceu em São Luís, Maranhão, em 1855, e morreu no Rio de Janeiro, em 1908. Foi contemporâneo e amigo de Machado de Assis, colegas no serviço público e na Academia Brasileira de Letras. Cronista do Rio de Janeiro no final do século XIX e início do século XX, registrou nesses Contos cariocas o cotidiano carioca com finíssimo senso de humor. É considerado o “consolidador da comédia de costumes do Brasil, gênero inaugurado por Martins Pena (1815-1848)”, segundo Bruno Tenan, responsável pela biografia do autor ao final do volume.
            Em todos os contos há curiosas notas de rodapé dos editores, referentes às palavras cujo uso decaiu com o tempo, àquelas consideradas mais eruditas, aos epônimos variados, às gírias principalmente. Alguns exemplos: folgazão, pelintra, escoima, quimera, apareceste ao pintar, dar um passeio à burra, borracheira, tocar leques por bandurra, meter-se de gorra, bicho-careta, melúrias, obtemperar, landau, gaudério, enfarado, lambujem, candongas, integérrimo, piabar, toleirão, e por aí vai o autor. Mas a que eu gostei mesmo foi de ... bilontra.
Se o leitor deste blog não conhece algum destes termos, leia o livro, e há de me agradecer para sempre! Além de dar boas gargalhadas!
Eu, com o coração partido, vou ler agora o último conto, intitulado João Silva. O que é bom dura pouco...

terça-feira, 30 de julho de 2013

Équidna-de-bico-curto

A foto do dia.



A foto é de um filhote de équidna-de-bico-curto (Tachyglossus aculeatus), espécie nativa da Austrália e Nova Guiné.


Equidna (do grego Ἔχιδνα, a víbora), criatura da mitologia grega, com tronco de uma bela mulher (ou ninfa) e cauda de serpente em lugar dos membros. Era gigante, como um titã. Por isso era a única capaz de se unir ao horrendo Tifão. Vivia numa caverna no Peloponeso ou na Síria.
Segundo Hesíodo era filha de Fórcis e Ceto, e portanto neta de Ponto e Gaia. Em outras versões seria descendente de Tártaro e Gaia ou ainda de Crisaor e Calírroe.
Equidna, em função da própria monstruosidade, casou-se com o horrendo gigante Tifão, tornando-se a "mãe de todos os monstros".
Seus filhos com Tifão foram: Cérbero, o cão de três cabeças, que guardava o Hades; Ortros, o cão de guarda de Gerião, de duas cabeças; a Hidra de Lerna; a Quimera, morta por Belerofonte; Ladão, o dragão de cem cabeças; Cila, monstro da lenda de Odisseu, também considerada sua filha com Tifão.
Do seu filho Ortros, Equidna concebeu: o Leão da Nemeia; Fix (ou Sfix), a Esfinge de Tebas, derrotada por Édipo.
Segundo uma lenda do Ponto Euxino, ela se uniu a Héracles numa passagem do herói pela Cítia, concebendo desta união: Agatirso, Gélon, Cites, que deu origem aos Citas.
A descendência de Equidna ainda incluía: o dragão da Cólquida, que guardava o velocino de ouro; o dragão que guardava o jardim das Hespérides; Ethon, a águia que comia o fígado de Prometeu.
Equidna, assim como suas crias, possuía uma natureza terrível e adorava devorar viajantes inocentes. Veio finalmente a ser morta por Argos Panoptes, o monstro de cem olhos, que a surpreendeu adormecida.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Equidna

19. O que dizer aos pais que perderam seus filhos?


Para começar a conversa, devo dizer que não sei o que dizer aos pais que perderam seus filhos. É sempre uma conversa muito difícil, quanto a isso não resta dúvida.
Nas ocasiões em que me vi em tal situação, a primeira coisa que me ocorreu dizer foi que, não tendo vivido aquela experiência, a de perder um filho, tinha muito mais a aprender do que ensinar. Isso parecia imprimir um tom de realidade, porque verdadeiro, à conversa que se iniciava, e trazer alguma segurança a ambos os interlocutores. Como se eu dissesse, Você sabe mais do que eu e está em melhores condições para se ajudar a si mesmo. Porém, deixava claro que, mesmo em desvantagem, minha disponibilidade para ajudar era total.
Num momento como esse, a pergunta “o que é ajudar?” ganha enorme dimensão! Sei que “solucionar o problema para o outro” não significa ajudar, mesmo porque constitui missão impossível. Então, cabe uma outra pergunta, aparentemente singela mas de difícil resposta, Como posso ajudar? Quem ouve esta pergunta atentamente e pode pensar sobre ela inicia um processo de autoajuda, com o auxílio do interlocutor/terapeuta. É como se perguntasse a si mesmo, O que posso fazer por mim?
Voltemos à questão inicial, o que dizer aos pais que perderam seus filhos? Embora tenha já confessado que não sei o que dizer, talvez possa ajudar o fato de que sei o que NÃO dizer.

1. Jamais digo Sei o que você está sentindo. Pela simples razão, exposta acima, de que não posso saber o que nunca experimentei. Esta mentira “sei o que você está sentindo” é ofensiva àquele que sofre. Em nada conforta. Demonstra apenas que o interlocutor/terapeuta não dispõe de empatia para aquele com quem conversa. Em outras palavras, Ele não sabe o que está dizendo. Talvez esteja apenas tentando aplacar seu próprio sofrimento, diante da enorme impotência por não saber.

2. Nunca digo Deus sabe o que faz. Ou Deus escreve certo por linhas tortas. Ou Devemos aceitar os insondáveis desígnios de Deus. Ou Tenha fé em Deus. Isso é tudo que um pai ou uma mãe não precisa ouvir nesse momento, pois, dirão, É esta a infinita bondade de Deus!?  Talvez eu possa explicar que, nessas circunstâncias, blasfêmia não é pecado. (O que é o pecado?) O ódio, bem como o amor, são sentimentos humanos, e é com eles que devemos trabalhar, depois de reconhecê-los em nós.

3. Não posso dizer Tenha paciência, isso vai passar. Mas quando?, haverão de perguntar os pais imersos em insuportável sofrimento. Eles desejam o alívio imediato, pois aquela dor é mesmo insuportável. Como então ter paciência?
Talvez possam admitir que o tempo, que passa, ajuda, mas a questão é o que fazer enquanto o tempo passa!

4. Não digo Você precisa consultar um psiquiatra, que lhe prescreverá um antidepressivo e um ansiolítico. Luto não é depressão. Por mais impiedoso que possa parecer, viver e sofrer a tristeza do luto são necessários para a superação do próprio luto. Tristeza não é depressão, portanto não precisa ser medicada.
Porém, luto pode transformar-se em depressão. Então, é possível que seja necessária a ajuda do psiquiatra.

5. Se os pais apegam-se fervorosamente a uma religião ou seita num momento como este, não me cabe condená-los, por mais que aquela seita ou religião contrariem minhas próprias convicções. A ilusão, muitas vezes, é o recurso possível, e fazemos isso desde que nascemos, diante das dificuldades que vamos encontrando.

6. Não faço promessas que não poderei cumprir, como garantir a eficácia de qualquer forma de tratamento ou terapia. Não pode haver qualquer garantia com relação ao que o outro vai pensar, sentir ou fazer.

7. Se não sei o que dizer, permaneço em silêncio. Talvez seja esta a regra fundamental, e a mais difícil de ser praticada. Ouvir não é pouco.

Há muitas outras coisas que posso ou devo dizer, e que não posso nem devo dizer aos pais que perderam seus filhos. Sempre digo que se trata de algo antinatural, pois o natural é que os pais morram antes dos filhos. 

Sansevieria trifasciata




em sua dureza afiada
a espada-de-são-jorge
floresce delicada

Foto: Mercêdes Fabiana, Brasília, 2013.