Manuelão fazia jus ao nome: negro de quase dois metros de
altura, ombros largos, braços e pernas de puro músculo, o tronco um verdadeiro
jacarandá. Mas o que impressionava mesmo nele eram as mãos – mãos de Portinari
–, cada dedo um martelo de quebrar pedras.
Tirador de
leite de profissão, apesar da brutalidade física, Manuelão nunca maltratou as
tetas leiteiras do rebanho de vacas holandesas, compradas a peso de ouro pelo
dono da fazenda. Jeitoso, tirava o leite com amor e arte, as vacas mais
enfezadas amansavam nas mãos dele.
Na hora do
almoço, lá pelas onze da manhã, Manuelão era recebido na cozinha da sede da
fazenda para a principal e invariável refeição do dia: arroz, feijão, macarrão,
frango, carne de porco e mandioca. O monumental prato de comida caía como uma
luva na mão espalmada de Manuelão, sempre a esquerda, que ele manejava a colher
com a direita.
Em menos de
dez minutos o prato estava vazio. Repetia a dose, apenas uma vez,
sistematicamente. Espreguiçava-se na cadeira, arrotava baixo, discreto, bebia
um copo de água fresca e esperava pelo cafezinho, servido numa canequinha de
lata.
Naquele dia
a casa recebia visitas de certa cerimônia, e ajuntavam-se todos na enorme
cozinha, pelo encanto do fogão de lenha com o crepitar da madeira, e pelo
perfume da comida da Maria, a cozinheira. Manuelão não mudou seus hábitos.
Comeu em silêncio respeitoso os dois pratarrões de sempre, bebeu o copo dágua,
arrotou discretamente, esperou pelo cafezinho.
Comeram
todos, os donos da casa e as visitas, na longa mesa de madeira maciça, com os
dois longos bancos de cada lado da mesa. Chegou a hora do cafezinho, depois das
sobremesas de doces de frutas e compotas de todas as variedades, acompanhadas
do queijo tradicional, Tudo é daqui da fazenda, orgulhava-se o dono da propriedade. O café,
também colhido e moído em casa, era filtrado em coador de pano, como recomenda
a boa tradição mineira.
Porque o
dia era de festa, o café foi servido em xícaras de porcelana inglesa, utilizada
apenas naquelas ocasiões especiais. Manuelão recebeu de Maria a delicada
porcelana, coisa nunca vista, e segurou-a como se tivesse nas mãos a teta de
Dália, sua vaca predileta. Bebeu o café, esforçando-se para não fazer barulho.
Quando terminou, chamou Maria num canto da cozinha e perguntou:
– Maria,
pra que serve esse pratinho debaixo da xícara?
Maria não
soube responder.