sábado, 10 de fevereiro de 2018

Genocídio em Mianmar




Dez muçulmanos rohingya são vistos ajoelhados e com mãos amarradas ao lado de membros das forças de segurança de Mianmar em Inn Din
(Reuters)

Deu na Folha de S.Paulo (10.fev.2018): “Dez muçulmanos da etnia rohingya assistiram a seus vizinhos budistas cavarem uma cova. Logo depois, na manhã de 2 de setembro de 2017, os dez foram executados. Ao menos dois, a golpes de facão. Os demais foram mortos a tiros por soldados de Mianmar, disseram duas pessoas que ajudaram a cavar a cova.”
"Uma cova para dez pessoas", disse Soe Chay, 55, soldado reformado da comunidade budista de Inn Din, que testemunhou as execuções. "Alguns ainda emitiam ruídos quando eram enterrados. Os outros estavam mortos."
Aproximadamente  690 mil rohingyas cruzaram a fronteira para Bangladesh desde agosto. Em outubro, não restava nenhum dos 6.000 rohingyas que um dia viveram em Inn Din.
A ONU diz que o Exército pode ter cometido genocídio, e os EUA definiram as ações das Forças Armadas como limpeza étnica. Mianmar diz que o que ocorreu foi uma "operação de limpeza", em resposta legítima a ataques de insurgentes rohingyas.
Até agora, os relatos sobre a violência em Rakhine vinham apenas das vítimas. A reconstituição da Reuters incorpora entrevistas com budistas, que confessaram ter incendiado casas dos rohingyas e matado muçulmanos.
“Um assistente médico, Aung Myat Tun, 20, disse que participou de várias operações. Era fácil incendiar as casas dos muçulmanos por causa dos tetos de palha. Bastava atear fogo à beirada, disse. "Os líderes das aldeias enrolavam trajes de monges em um bastão, como uma tocha, e o embebiam em querosene. Não podíamos levar celulares. A polícia dizia que nos mataria se apanhasse algum de nós tirando fotos."
Depois que os rohingyas fugiram, os budistas roubaram seus animais. Bens mais valiosos, como motos e gado, foram recolhidos pelo 8º Batalhão de Polícia de Segurança e vendidos, disse Chay.”
Os militares apontaram as armas para os rohingyas e ordenaram que se agrupassem. "Ordenaram que meu marido e outros homens se aproximassem", disse Rehana Khatun, 22, mulher de Nur. "Disseram que tinham de ir a uma reunião. Pediram que os outros voltassem à praia." Os soldados encarceraram os rohingyas em uma escola. Uma foto mostra os dez ajoelhados na grama. Naquela noite, eles receberam uma última refeição, com carne bovina, e roupas limpas. Em 2 de setembro, eles foram levados a um descampado perto de um cemitério budista. De joelhos, foram fotografados de novo e interrogados sobre o desaparecimento de um agricultor budista local chamado Maung Ni.
Soe Chay disse que os filhos de Maung Ni foram convidados a desferir os primeiros golpes. O primeiro decapitou Malik. O segundo atingiu outro prisioneiro no pescoço. "Depois que os irmãos os retalharam, o pelotão de fuzilamento disparou. Dois a três tiros em cada um."

            Buda e Deus, onde estavam?
           
REUTERS     





O Ventre, obra prima




            Depois do delicioso Quase memória – que li e reli – confesso que não esperava livro ainda melhor, do já saudoso Carlos Heitor Cony (1926- 2018).
Ao tomar conhecimento pela abundante crítica literária produzida após a morte do escritor de que O Ventre é o seu melhor romance fui correndo ao livro.
            E o livro é mesmo espetacular! Foi publicado pela primeira vez em 1958, escrito sob a influência do existencialismo francês – segundo o próprio Cony. O narrador é ao mesmo tempo protagonista e anti-herói, de uma amargura que chega a doer, a reproduzir a falta de sentido da vida que se repete eternamente.
            O estilo é magistral, verdadeiro “romance de formação”. Eis uma pequena amostra também do lirismo presente no romance:

“Fumei um cigarro na janela. A lua derramava uma luz indecente em cima do vale. O rio brilhava, bicho de escamas que, em alguns pontos, refletia o luar.
Pulei a janela. O calor era intenso, o chão devolvia o mormaço do dia.
Na margem do rio me deu vontade. Tirei a calça do pijama. Mergulhei num lugar que sabia fundo, nadei de um lado para o outro, sentindo-me bem. Explorei as grotas. Havia maiores do que a minha, talvez dessem mais peixe, não custaria explorá-las, mergulhava até onde podia, encontrava raízes de árvores, não, não dava traíras.
Depois das pedras o rio se abria num largo trecho sem obstáculos. A correnteza era então mais forte. Experimentei os músculos. Fui à outra margem e voltei, saindo quase no mesmo lugar. Boa forma física, os anos em cima dos caminhões, a rudeza da estrada, os imprevistos da solidão haviam temperado o corpo, eu estava bem de músculos, para minha idade estava ótimo.”

            Em resumo: leitura obrigatória!

            Em tempo: minha edição é de 1998, da Companhia das Letras, com capa de Victor Burton (exibida acima). (O livro permaneceu em silêncio durante muitos anos na estante de minha casa, até que resolvesse tomá-lo para a leitura. Não é preciso ler imediatamente todo livro que compramos. Eles podem esperar.)
            A mais recente edição saiu pela Nova Fronteira, em 2016, com a capa exibida abaixo. Deixo ao leitor a melhor escolha. Eu, prefiro a primeira, pela sutileza.






Caça às Bruxas?


O cineasta austríaco Michael Haneke
Foto: Eric Gaillard/Reuters

O austríaco Michael Haneke, um dos maiores cineastas da atualidade, duas vezes vencedor da Palma de Ouro em Cannes, considera que o movimento #MeToo, de denúncia de abusos sexuais, se tornou uma "caça às bruxas" e que gera um novo "puritanismo".
            Ele afirma: "Me preocupa este novo puritanismo, impregnado de ódio aos homens, que nos chega no rastro do movimento #MeToo".
"Enquanto artista, começamos a confrontar o medo ante esta cruzada contra qualquer forma de erotismo".  Segundo ele, O Império dos Sentidos, de Oshima, um dos filmes mais profundos sobre sexualidade, "não poderia ser filmado hoje".
"É claro que qualquer forma de estupro ou abuso sexual deve ser punida. [O grifo é meu.]  Mas esta histeria e as condenações sem julgamento que assistimos hoje me parecem repugnantes".
“Para o diretor de A Fita Branca (Palma de Ouro em 2009) e de Amor (Palma de Ouro e um Oscar em 2012), que não foi objeto de nenhuma acusação, "cada 'shitstorm' (enxurrada de críticas) que essas 'revelações' geram, inclusive nos sites de jornais sérios, envenena o clima no seio da sociedade. Na realidade, no que se refere ao abuso sexual, este ambiente de "caça às bruxas" pode "tornar cada vez mais difícil" um debate "sobre este tema tão importante".

Este blog procura revelar as opiniões mais distintas e divergentes, para que possamos pensar melhor sobre o assunto. Minha admiração por Michael Haneke (e sua A fita branca, um dos melhores filmes que já assisti!) faz com que registre aqui o ponto de vista dele.