Mostrando postagens com marcador História. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador História. Mostrar todas as postagens

domingo, 5 de junho de 2022

D. Pedro I e o primeiro estetoscópio do Brasil



Estetoscópio usado por Laennec

 

“A chegada do primeiro estetoscópio no Brasil ainda é motivo de polêmica. Nascimento e Silva (1866-1951) sugeriu que ele foi trazido da França por João Fernandes Tavares (1795-1874), futuro Visconde de Ponte Ferreira.

Este aparelho desde 1896 se acha no museu Nacional de Medicina, e o uso que dele fazia o Dr. Tavares mereceu-lhe do povo o cognome de Doutor Canudo.

René Laennec foi inventor do estetoscópio, em 1816, em Paris. Essa descoberta tornou-o um dos fundadores da medicina moderna.

Dr. Tavares foi médico e amigo de D. Pedro I. O estetoscópio deve ter sido usado para avaliar a evolução da fatal tuberculose do Imperador. Ele realizou uma necropsia e assinou o atestado de óbito em 28/09/1834. 

Retornou ao Brasil e fundou o primeiro curso de Medicina Legal. Na Faculdade de Medicina do RJ, foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o primeiro presidente do Imperial Instituto Médico Fluminense (Niterói) em 1867.

 

Referências: Nascimento-Silva A. João Fernandes Tavares, visconde da Ponte Ferreira. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Anais do 2º Congresso de História Nacional (7-14 de abril de 1931). Imprensa Nacional. Rio de Janeiro. 1942: III: 279-290.”

 

 

Texto postado hoje no Twitter pelo Dr. Leopoldo dos Santos Neto, meu dileto amigo, e que reproduzo aqui com sua autorização. Professor da Universidade de Brasília, ele se destaca pelo profundo conhecimento médico e da História da Medicina, além de ser um humanista.

 

quarta-feira, 27 de abril de 2022

A educação de Montaigne




Michel de Montaigne 


 

O caderno Ilustríssima, da Folha de S. Paulo publicou no último fim de semana (23 abr 2022) texto reproduzindo a aula magna proferida pelo empresário Luiz Frias, Publisher da Folha, no último 7 de abril, Dia do Jornalista, na Faap. A aula é magnífica, mas destaco aqui apenas o trecho em que Frias fala da educação recebida por Montaigne. O tema há de interessar a todos nós.

 

“Planejei comentar três sugestões/palpites práticos para a formação de futuros jornalistas e profissionais de mídia e comunicações e terminar com algumas considerações sobre tecnologia, a abundância e a disponibilidade de informações propiciadas pela rede, algumas palavras sobre fake news e sobre a importância do jornalismo profissional daqui para a frente.

Gostaria de começar falando um pouco sobre Montaigne. Não a avenida luxuosa e famosa de Paris, mas o pensador renascentista francês Michel de Montaigne. Ele nasceu em 1533 e morreu em 1592, vivendo, portanto, 59 anos. Sua existência transcorre no auge do Renascimento e num mundo recém-transformado pelas grandes navegações e pelo descobrimento das Américas.

Como referência, Montaigne estava a dez dias de completar 31 anos quando Michelangelo Buonarroti morreu. E nasceu quase 14 e 13 anos após as mortes de Leonardo da Vinci e Raphael (Sanzio), o pintor, respectivamente. Teve grande influência sobre numerosos autores do Ocidente, como Shakespeare, Descartes, Voltaire, Darwin, Marx, Emerson, Foucault, Nietzsche e Freud, entre outros. De família próspera, seu avô fez fortuna como comerciante de arenque, e seu pai foi prefeito de Bordeaux.

Mas o que gostaria de destacar é a educação sui generis de Montaigne, planejada e executada em detalhe por seu pai. Logo que nasce, é levado para uma pequena cabana, onde vive seus primeiros três anos exclusivamente na companhia de uma humilde família camponesa, de modo a, nas próprias palavras de Montaigne, "atrair o menino para perto das pessoas, e das condições de vida dessas pessoas, que necessitam de nossa ajuda".

Após esses três primeiros anos de vida espartana, Montaigne é levado de volta para o château do pai. Dos 3 aos 6 anos, a educação do menino é atribuída a um tutor alemão, especialmente contratado pelo pai, um doutor que não falava uma palavra em francês, mas fluente em latim, com o objetivo de fazer dessa língua seu primeiro idioma.

O pai também admitiu outros dois auxiliares que falavam latim, com ordens estritas para apenas se dirigirem à criança nessa língua. A mesma regra era respeitada pelos pais da criança e pelos funcionários que ali trabalhavam. Só a partir dos 6 anos é que Montaigne começa a falar e estudar o francês.

Outra curiosidade engendrada pelo pai foi acordar a criança todos os dias com música tocada ao vivo. Diz Montaigne no ensaio "Sobre a Educação das Crianças": "Quanto ao grego, meu pai tencionou que eu o aprendesse metodicamente. Mas de um jeito novo, de forma de brincadeira. Ele fora aconselhado a me fazer apreciar a ciência, mas sem forçar minha vontade, meu desejo; e a educar minha alma com doçura e liberdade, sem rigor nem coação. Alguns pretendem acordar crianças de manhã aos sobressaltos e com violência perturbar seu tenro miolo, meu pai chegou a mandar me acordar ao som de um instrumento, e nunca fiquei sem alguém que me prestasse esse serviço".

Ter como primeira língua o latim facilitou a Montaigne, leitor voraz, ler os clássicos gregos e romanos e colocou a sua disposição a maior biblioteca disponível na época. E nos leva a especular se Montaigne, sem essa peculiar formação, poderia ter escrito os "Ensaios", sua única obra, de três volumes e aproximadamente mil páginas.

Aos 38 anos (lembrando que naquela época poucos ultrapassavam os 40), resolve afastar-se de seus compromissos públicos e delega a administração de seus bens a terceiros. Dentro de uma torre de sua propriedade no château que herdara do pai, Montaigne instala sua impressionante biblioteca e seu quarto. Ali trancado a maior parte do tempo, dedica seus últimos 20 anos de vida à leitura de livros e à redação dos ensaios.

"Nunca viajo sem livros, seja em tempos de paz ou de guerra. Livros, creio, são a melhor provisão que um homem pode levar na jornada de uma vida." Com essa frase de Montaigne, elenco minha primeira sugestão na formação de qualquer jovem e, em particular, daquele que almeja ser um jornalista ou trabalhar no mundo das comunicações. Leia muito. Leia tudo o que possa despertar seu interesse. Não há como aprender a escrever bem sem escrever, mas ler ajuda muito a escrever bem. Em mais de 40 anos nesse negócio, nunca vi ninguém escrever bem, com inteligência, clareza, objetividade e estilo, que não fosse um leitor compulsivo. Escreva sempre e muito, mas leia muito mais do que escreva.  (Grifo meu.)

E, se for em português, leia Machado de Assis, aconselhava Cláudio Abramo, grande jornalista brasileiro, talvez um dos mais influentes jornalistas, tanto na história da Folha como na do Estado de S. Paulo.”

 

            No início de século XVI, o pai de Montaigne sabia como educar uma criança. Os resultados comprovam a eficácia de seu método. E hoje, o que sabemos sobre isso? O que praticamos sobre isso? Vale a pena refletir.

 

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/04/apartidarismo-e-base-para-jornalismo-critico-e-independente-diz-publisher-da-folha.shtml

 

terça-feira, 5 de abril de 2022

Budapeste

 Cidades


Duas cidades em uma, Buda e Peste, ambas belíssimas, cortadas pelo Danúbio, um rio que conta a história da Europa. 

segunda-feira, 21 de março de 2022

Jargão ondiniano?

 



A crônica do erudito Mario Sergio Conti para a Folha, no último sábado, trata do novo livro de Roberto Pompeu de Toledo, O Espelho e a Mesa. “O livro traz as memórias de infância de, como ele se descreve, um "rapaz singelo", nascido em 1944: o autor.” Parece muito interessante.

Conti prossegue: “... o ser singelo pertence à classe média oriunda de migrações europeias. Mas foi essa gente dura e orgulhosa, provinciana e com fumos de cosmopolitas, que construiu as atitudes associadas à condição paulista — dos caipiras aos modernistas.”

E chega ao ponto em que provoca em mim enorme surpresa, uma grande descoberta: “O livro está cheio de expressões desse meio: há males que vem para bem, "bocca chiusa", o barato sai caro, bater perna, o que não tem remédio remediado está, USP, não se faz isso na mesa, revolução constitucionalista.”

            O cronista segue falando do livro e seu autor, eu estaquei por aqui.

            Há muitos anos que eu e meu irmão Paulo conversamos – e rimos muito – das expressões utilizadas por nossa mãe, já falecida. São incontáveis modos de falar, expressões que ouvimos desde a infância até a idade adulta, e que julgávamos fossem criadas por ela, uma espécie de jargão ondiniano, cheio de humor, às vezes ácido, provocador, absolutamente único e pessoal. 

            Agora encontro na crônica de Conti os mesmos termos por ela empregados, segundo ele provenientes da classe média oriunda de migrações europeias, ... essa gente dura e orgulhosa, provinciana e com fumos de cosmopolitas”. A descrição não podia ser melhor!

É a Dona Ondina falando! Mais importante do que isso, é este o ambiente em que fomos criados, eu e meu irmão Paulo, nascidos em 1947 e 1949, vivendo entre caipiras e modernistas. Vou ler o livro.

 

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mariosergioconti/2022/03/roberto-pompeu-de-toledo-retrata-sao-paulo-de-novo-em-o-espelho-e-a-mesa.shtml

 

quinta-feira, 17 de março de 2022

A medalha

 


 

Assim tem início É isto um homem?, de Primo Levi (Ed. Rocco, 1988). Penso que ninguém descreveu com tanta perfeição o que se passou a denominar Processo de Desumanização, executado pelos nazistas em seus campos de concentração. Os alemães perceberam que era mais fácil matar um animal, ou mesmo uma coisa, do que matar um ser humano. O trauma (porque havia um trauma) era bem menor entre os próprios soldados alemães.

            A luta por um pedaço de pão levava aquele que desejava sobreviver a subtrair o pão de seu semelhante, mesmo que isso lhe causasse dor em si mesmo. Sobreviver a todo custo, esta era a ordem. E isso também fazia parte do Processo de Desumanização.

 

            Esta foi a associação de ideias que me ocorreu com a notícia de ontem. Bolsonaro e alguns de seus asseclas, incluindo o ministro da justiça que outorgou a honraria a si mesmo, foram condecorados com a medalha do mérito indigenista.

            Durante mais de dois anos ouvimos o presidente desmoralizar os povos indígenas, tentar apagar a cultura deles, apoiar a evangelização dos povos ainda isolados, desaparelhar a Funai, incentivar desmatamento e mineração em terras indígenas, acabar com a fiscalização de atos ilegais na Amazônia, a lista de ações nocivas destruidoras perversas contra a população indígena é interminável.

            A maioria do povo brasileiro não concorda com tais atitudes. Agora, quando o presidente recebe uma medalha de mérito indigenista, sinto como se ele gritasse na minha cara:

 

“Veja como você é um merda mesmo, como você não vale nada, como sua opinião não vale nada. Eu piso nos índios e ganho uma medalha!

Eu não reconheço qualquer sentimento em você. Não me interessa o que você pensa sobre minha medalha, se gostou ou não gostou. Eu gostei, vou ganhar votos com isso.

Se não reconheço sentimentos em você, acho que você não pertence a mesma raça que eu. Acho que você não é humano.

Se você, povo brasileiro, é não humano, posso mentir à vontade, posso desdizer amanhã o que disse ontem, posso criar historinhas para desviar sua atenção daquilo que realmente importa. 

Você, povo desumanizado, adora historinhas: é a força avassaladora do Mito sobre a manada.

Para você, basta um Mito. Quem não é homem não pensa, não tem capacidade de crítica, acredita em minha medalha. Aquele desumanizado, eu faço dele o que eu quero, e ele não reclama, até acha bom!

Povo de merda... Coisa de merda...”

 

            Por associação livre, estes foram os pensamentos e emoções despertados em mim, pela condecoração do presidente da república com a medalha do mérito indigenista. Ao terminar esse texto, posso pensar, estou certo de que não sou uma coisa. Eu sou um homem.

 


terça-feira, 1 de março de 2022

Antigos territórios!

Eu amo mapas 



"Inspirado no discurso de Putin, a Itália reclama seus antigos territórios do Império Romano."

Twitter de Ardit Sinatra.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Göbekli Tepe

 


Göbekli Tepe, sítio arqueológico localizado na Turquia, construído há pelo menos 12.000 anos. Vale a pena pesquisar. 


domingo, 16 de janeiro de 2022

Fato mais importante da História para os brasileiros



Foto: Editoria de arte

 

Levantamento do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) traduz a percepção de entrevistados sobre fatos históricos no Brasil. A pesquisa revelou que a abolição da escravidão é fato mais importante da História do país para os brasileiros. Reportagem de Marlen Couto (9 jan 2022) para O Globo.

            Enfim, penso que isso seja um bom sinal.

 



 

Época dos fatos mais lembrados:

 

1º - Aboliação da Escravidão, 1888

2º - Independência do Brasil, 1822

3º - Proclamação da República, 1889

4º - Redemocratização pós-Ditadura, 1985

5º - Impeachment Dilma Rousseff, 2016

6º - Operação Lava-jato, 2014-2021

7º - Implantação do Real, 1994

8º - Criação do Bolsa-Família, 2003

9º - Impeachment Fernando Collor, 1992

10º - Golpe de 1964 e o regime militar

 

“A pesquisa ouviu 3 mil entrevistados, de 19 a 27 de novembro de 2021, nas cinco regiões do país. A margem de erro é de 1,8 ponto percentual para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%.

O levantamento do Ipespe também mediu a percepção dos brasileiros sobre símbolos nacionais que melhor definem ou representam o país e sua população. A fé é apontada como a principal característica positiva dos brasileiros — para 30% dos entrevistados, é o primeiro traço citado em uma pergunta com múltiplas respostas. Já a natureza é citada como o aspecto que melhor define o Brasil.”

 

 

https://oglobo.globo.com/politica/pesquisa-inedita-mostra-que-abolicao-da-escravidao-fato-mais-importante-da-historia-do-pais-para-os-brasileiros-veja-lista-25346841?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newssemana

 

 

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Queimar Bernini?



O Rapto de Proserpina', de Bernini 
Foto: Galeria Borghese

 

Devemos queimar estátuas de Bernini? Quem pergunta é Leandro Karnal, em sua crônica de hoje para O Estado de S.Paulo (6 out 2021). 

Ele inicia falando da Galeria Borghese, em Roma, um palácio do século 17 construído para o cardeal Scipione Caffarelli-Borghese, onde se acumulam 

esculturas de Bernini (1598-1680), o genial napolitano que, “junto a Michelangelo e Rodin, forma uma das trindades sagradas dessa arte”. 

            Descreve Karnal: “O deus do mundo infernal raptou a bela Prosérpina (chamada de Perséfone pelos gregos). A estátua de Bernini mostra o momento em que ele acabou de emergir das profundezas e pegou a divindade feminina à força. As mãos do deus estão enterradas na coxa da pobre abduzida e fazem tanta pressão que o escultor mostra os dedos afundados no mármore como se fossem carne macia. Maravilha da técnica!”

Outra escultura: “Apolo persegue uma ninfa, Dafne, já que foi atingido pela seta do amor de Cupido. O filho de Zeus tenta agarrá-la à força. Ela roga ao pai, o deus-rio Peneu, que mude sua forma, transformando-a em uma árvore, um loureiro.” 

Karnal prossegue: “...as duas esculturas maravilhosas são cenas de um assédio, de uma tentativa de sexo forçado e de rapto. Foram esculpidas por um homem e voltadas a um público dominante masculino. São obras impactantes em mármore que destacam um ato, aqui, petrificado: os homens, mais fortes e ágeis, pegam à força aquilo que as mulheres recusam.” 

“Os valores, felizmente, mudam. As estátuas, hoje, seriam consideradas apologia ao estupro. Esculpidas por alguém no século 21, seriam atacadas. Continuam sendo obras-primas de outra época. O mundo mudou. A memória contida nas obras de Bernini deveria ser eliminada? Os jovens que passeiam pelas galerias e contemplam as peças ficariam tomados de ideias perversas de violência contra mulheres?”

Karnal conclui: “Toda obra de arte traz o espelho de uma sociedade. Ela é uma criação e, ao mesmo tempo, um documento. ...Eliminar documentos é algo inquisitorial, um gesto de poder.”

 

Embora este assunto tenha saído das primeiras páginas dos jornais, vez ou outra volta à baila. Sou visceralmente contra a destruição de monumentos, tenho defendido esta ideia no blog, mas não havia pensado no magnífico argumento agora lançado por Karnal. A Galeria Borghese é um dos lugares mais lindos que se pode visitar no mundo e, de fato, as esculturas de Bernini são o ponto alto do museu. Queimá-las? Nem pensar!

 

 

https://cultura.estadao.com.br/colunas/leandro-karnal

 

domingo, 29 de agosto de 2021

Para fazer-se um conde...




O último dos trinta e um capítulos do segundo volume de Escravidão, de Laurentino Gomes (Globo Livros, 2021), recebe o sugestivo título de O Presente. Eis um pequeno e significativo fragmento:

 

            “Em seus oito primeiros anos no Brasil, o príncipe regente outorgou mais título de nobreza do que em todos os trezentos anos anteriores da história da monarquia portuguesa. Desde sua independência, no século XII, até o final do século XVIII, Portugal tinha computado dezesseis marqueses, vinte e seis condes, oito viscondes e quatro barões. Ao chegar ao Brasil, dom João criou vinte e oito marqueses, oito condes, dezesseis viscondes e quatro barões. ... O príncipe atribuiu 4.048 insígnias de cavaleiros, comendadores e grã-cruzes da Ordem de Cristo, 1.422 comendas da Ordem de São Bento de Avis e 590 comendas da Ordem de São Tiago. “Em Portugal, para fazer-se um conde se pediam quinhentos anos; no Brasil, quinhentos contos”, escreveu o historiador baiano Pedro Calmon.”

 

In Escravidão, volume II

Laurentino Gomes, 

Globo Livros, 2021, p 459. 

 

Termino assim a leitura do segundo volume dessa obra monumental chamada Escravidão. Os quatro últimos capítulos, A liberdade é brancaQuebrando grilhõesO naufrágio e O presente, trazem o tema central para os dias atuais, permitindo assim que o leitor possa compreender melhor o Brasil de hoje.

Aguardemos, pois, o terceiro volume!

 

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Trabalho e escravidão

 

 


“No Brasil colonial, trabalho e escravidão caberiam no mesmo verbete de um dicionário. Eram sinônimos. “Sem negros não pode haver ouro, açúcar nem tabaco”, afirmava, em 1739, o vice-rei André de Melo e Castro, conde de Galveias. Nas minas e garimpos de ouro e diamantes, nas fazendas e lavouras de cana-de-açúcar, os cativos submetiam-se a jornadas longas, pesadas e perigosas. A labuta começava antes ainda do nascer do sol e ia até o anoitecer. Nos engenhos, durante a safra, as caldeiras ferviam noite adentro sobre fornalhas que os escravos iam alimentando de lenha, expostos a temperaturas altíssimas. Tarefas como construir e reparar cercas, abrir valetas, roçar as áreas em volta das casas e preparar a farinha de mandioca exigiam ainda jornadas extras, de mais três ou quatro horas de trabalho, sem qualquer outra contrapartida que não o esgotamento físico e o encurtamento da vida útil dos cativos.”

 

In Escravidão, volume II

Laurentino Gomes, 

Globo Livros, 2021, p.295. 

 

Ainda hoje, vez em quando, vemos na mídia a notícia de “trabalho escravo”, quer em zona rural, quer nas cidades grandes. No Brasil colônia, segundo Laurentino Gomes, a expressão era um tremendo pleonasmo! E subsiste.

 

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Do fanatismo





 

“Donald Trump foi vaiado por seus eleitores 

após recomendar a vacinação contra a covid-19 durante um comício em Cullman, no Alabama, ontem à noite (uol).”



 Esta notícia acaba de ser veiculada no Twitter pelo Blog do Noblat, nessa manhã de segunda feira (23 ago 2021). Penso que podemos aprender alguma coisa com ela.

            A notícia trata de dois polos distintos: do líder e de seus seguidores, e da maneira que eles muitas vezes interagem. Comecemos pelo líder, que movido pelo firme propósito de se eleger Presidente dos Estados Unidos, utilizou-se durante a campanha de todos os argumentos possíveis, os verdadeiros e os falsos, com ênfase nos últimos, pois percebeu que eles eram bem mais convincentes para uma boa parte da população de seu país. 

            O ex-presidente mentiu, mentiu diariamente, mentiu até não poder mais, e foi eleito. Depois de eleito, continuou mentindo, pois passou a creditar no método. Governou sob a égide da mentira, mas foram tantos os estragos durante seu mandato que não conseguiu se reeleger. Então pensou (ele não é completamente desprovido de inteligência), Preciso mudar de estratégia.

            O resultado da vacinação em massa nos EEUU é inconteste, até para o pior cego – aquele que não quer ver. O ex-presidente viu, pois deseja voltar ao poder, nunca se conformou em perdê-lo. Então, juntou seguidores em um comício e passou a recomendar a vacinação, como informa Noblat. 

            O novo ex-presidente foi vaiado. Suponho que tenha ficado surpreso com o gesto de seus seguidores. Como assim? Vocês não estão vendo os resultados da imunização? São fatos, e agora são verdadeiros! Por que não acreditar neles?

            O discurso do ex-presidente, agora racional, fruto de observação científica, agora não surte mais efeito, e ele continua a receber vaias. Os seguidores explicam ao atônito ex-presidente: Certa feita o Senhor disse que vacina era bobagem, nos convenceu de que vacina era bobagem, acreditamos no Senhor, e Sua palavra continua valendo mais que tudo para nós, Sua palavra é a Verdade, portanto não pode ser negada: Vacina Não Presta

            Estupefacto, o ex-presidente volta para casa envolto em pensamentos – porque ele pensa, ao passo que os seguidores apenas creem. O que devo dizer para ser reeleito? – porque ele continua com o firme e bem definido propósito, o de se reeleger. Ao passo que os seguidores apenas repetem: Nosso Presidente – eles continuam acreditando que ele ainda é o Presidente dos EEUU – não está num bom dia hoje. Para os seguidores a vida é mais fácil, eles não precisam pensar.

            Não estou certo de que a notícia do jornalista seja verdadeira, nem fui investigar; isso não importa. Importa, se pudermos aprender alguma coisa com ela.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Paulo Sergio não derruba estátuas

 


Paulo Sergio Viana comentou Borba Gato incendiado 2, texto desse blog postado em 28 de julho próximo passado. A opinião é de pessoa por quem tenho profunda admiração e respeito, homem educado, cultíssimo, poeta, ponderado, um livre pensador. Aprendo sempre com ele. Por isso registro aqui seus comentários.

 

“Também não acho adequado queimar monumentos, como se isso, simplesmente, corrigisse erros. Até porque teremos que queimar muitas memórias. Vamos apagar Tiradentes, que tinha escravos? Vamos execrar José de Alencar, que era contra a abolição? Vamos queimar os sermões do Pe. Vieira, que convencia os negros a se sujeitar à escravidão, para ganhar o Céu? E tem mais. Se não fosse a ação selvagem e violenta dos bandeirantes, o Brasil seria um país muito diferente do que se tornou, talvez dividido em muitos. É fato histórico. Vamos apagá-lo?”

 

 

 

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/07/borba-gato-incendiado-2.html#comment-form

Claudia Costin leu Escravidão

 

Mais uma voz se levanta contra a destruição de estátuas: Claudia Costin, Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial. Na Folha de S. Paulo de hoje (29.jul.2021). 

Escreve a educadora: “Em uma obra menos conhecida de Ievtuchenko, "Não Morra Antes de Morrer", o poeta russo relata uma cena ocorrida em seu país, em que uma turba entusiasmada com o fim do império soviético passa a derrubar estátuas de líderes anteriormente admirados, até que decide derrubar as de escritores consagrados, como Púchkin. A cena descrita é forte e nos faz pensar em quanto de ressentimento descontrolado estaria presente no momento em que, a um poeta da primeira metade do século 19, pôde ser imputada a culpa coletiva de ter sido derrubada, em 1917, uma autocracia para colocar outra no lugar. Lembrei-me da cena ao ler sobre o ataque à estátua de Borba Gato.”

Costin justifica seu ponto de vista: “Algo que me chama a atenção nesse linchamento de personagens históricos é o fato de que isso acontece desconsiderando o espírito de época em que viveram, dentro do grupo social em que estavam inseridos. (O grifo é meu.) Assemelha-se, em certo sentido, a críticas a Monteiro Lobato, todas pertinentes, afinal seus textos são claramente racistas, mas que tentavam vetar suas obras para leitura infantil. No fim, chegou-se à conclusão de que professores podem, certamente, trabalhar com as crianças esses livros e usar suas falhas para com elas discutir as questões éticas subjacentes.

Grifo essas palavras porque apresentei a mesma argumentação em postagem anterior: “Penso que, através da educação, mãe de todas as coisas, todos ficarão sabendo que Borba Gato existiu e que não foi flor que se cheire! Basta ler Escravidão, de Laurentino Gomes (Globo Livros). Esquecê-lo, jamais!

...De fato, Borba Gato exemplifica bem a violenta colonização sofrida pelo Brasil, e por isso sua memória deve ser preservada: em vez de enaltecê-lo, a História deve ser reescrita e apresentada às crianças logo no ensino fundamental. Falsos heróis merecem ser desmascarados para que nunca sirvam de exemplo.”

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/07/borba-gato-incendiado-2.html

            Outro ponto de identificação para com Claudia Costin se verifica quando ela cita o segundo volume de Escravidão, de Laurentino Gomes: [Então] “pude ter, mais uma vez, a dimensão clara do que Borba Gato significou na história do Brasil. Sim, ele nos levou a conhecer o Brasil "profundo", ainda inexplorado pelo colonizador. No caminho, porém, escravizou índios, levou negros escravos, estuprou mulheres, matou quem a ele se opôs. E, em 1962, uma estátua dele, criada por Júlio Guerra, foi instalada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, como uma homenagem não merecida aos nossos olhos de hoje. Borba Gato evidentemente não se compara a Púchkin ou a Lobato. Faz sentido então queimar a estátua? Não creio. Preferia uma destinação melhor a ser debatida com a população: colocá-la num museu onde se pudesse ensinar às crianças o real significado das entradas e bandeiras. Como fizeram, aliás, outros países com seus heróis destronados.”

            Há que se considerar esta última proposta de Costin. Derrubar, não!

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudia-costin/2021/07/estatuas-e-historia.shtml

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Borba Gato incendiado 2

 

Estátua de Borba Gato em chamas.

Foto: Thais Haliski

 

 

Com o título Borba Gato incendiado, postei ontem nesse blog minha opinião contrária à destruição de estátuas e monumentos, amparado por argumentos de Hélio Schwartsman, articulista da Folha de S. Paulo, a quem muito admiro.  http://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/07/borba-gato-incendiado.html

            Também ontem, El País publicou texto de Vladimir Safatle, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo: Do direito inalienável de derrubar estátuas.

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-07-26/do-direito-inalienavel-de-derrubar-estatuas.html

            (Peço ao meu eventual leitor o obséquio de ler o texto de Safatle antes de prosseguir no meu arrazoado. Ou não.)

            Logo abaixo da manchete do jornal, Safatle escreve: “Um bandeirante é, acima de tudo, um predador.” O verbo está no presente do indicativo – um bandeirante é. Parece que, para o autor, Borba Gato vive, e por isso deve ser punido. Mas o professor não é ingênuo; ele justifica: “Quem controla o passado, controla o futuro”. E informa que a frase está em 1984, de George Orwell, e “é uma das mais importantes lições a respeito do que é efetivamente uma ação política. Toda ação política real conhece a importância de compreender o passado como um campo de batalhas. Ela compreende que o passado é algo que nunca passa por completo.”

            O passado pode até não passar completamente, mas pode ser ressignificado; podemos dar outro sentido ao passado, especialmente quando há aspectos negativos envolvidos. O passado não precisa repetir-se indefinidamente, tanto nos campos social e político quanto na esfera pessoal.

Safatle prossegue: “O “agora” é apenas uma forma, politicamente interessada, de bloqueio do presente. Pois quem luta pela liberação do passado, luta pela modificação do horizonte de possibilidades do presente e do futuro.”

“Liberação do passado” é uma boa expressão! Parece claro que ela não representa a destruição do passado. Liberação ou libertação são palavras que exemplificam bem o processo de ressignificação.

Prossegue Safatle: “Os apóstolos do esquecimento deveriam lembrar que foi assim que criamos o país da compulsão contínua de repetição. País que se acostumou a ver militares agindo como se estivessem em 1964, no qual uma política catastrófica de anistia permitiu que as Forças Armadas preservassem seus responsáveis por crimes contra a humanidade até que eles voltassem a ameaçar a sociedade. O esquecimento é uma forma de governo.”

Surge aqui um paradoxo! Safatle é contrário ao esquecimento, porém propõe a destruição de estátuas que lembram um passado ruim. Penso que, através da educação, mãe de todas as coisas, todos ficarão sabendo que Borba Gato existiu e que não foi flor que se cheire! Basta ler Escravidão, de Laurentino Gomes (Globo Livros). Esquecê-lo, jamais!

O professor é ainda mais enfático: “Pois uma estátua não é apenas um documento histórico. Ela é sobretudo um dispositivo de celebração. Como celebração, ela naturaliza dinâmicas sociais, ela diz: “assim foi e assim deveria ter sido”. 

O argumento é fraco: nem sempre o que foi, deveria ter sido; o Holocausto é “celebrado” em todo o mundo com a edificação de museus, uma infinidade de livros e filmes, para que nunca seja esquecido e para que nunca mais se repita.

Continua Safatle em sua pregação: “Destruir tais estátuas, renomear rodovias, parar de celebrar figuras históricas que representam apenas a violência brutal da colonização contra ameríndios e pretos escravizados é o primeiro gesto de construção de um país que não aceitará mais ser espaço gerido por um Estado predador que, quando não tem o trabuco na mão, tem o caveirão na favela, tem o incêndio na floresta, tem a milícia.” 

De fato, Borba Gato exemplifica bem a violenta colonização sofrida pelo Brasil, e por isso sua memória deve ser preservada: em vez de enaltecê-lo, a História deve ser reescrita e apresentada às crianças logo no ensino fundamental. Falsos heróis merecem ser desmascarados para que nunca sirvam de exemplo.

Agora surge uma séria acusação por parte do professor Vladimir: “Quem faz o papel de carpideira de estátua acaba se tornando cúmplice dessa perpetuação. Só sua derrubada interrompe esse tempo. Essa ação é, acima de tudo, uma autodefesa.”

Devo admitir que gostei do termo “carpideira de estátua”, mas trata-se de pura retórica. Ninguém mais chora o bandeirante, faz tempo que ele morreu. Em pleno século XXI, podemos olhá-lo com outros olhos, não há mais necessidade do ódio, da represália, da vingança. Repito, a Educação ressignifica!

Safatle conclui: “Por isso, quando as estátuas começarem a cair, é porque estamos no caminho certo.”

O Estado Islâmico estava absolutamente certo do caminho que havia tomado quando dinamitou os monumentos da cidade histórica de Palmira, na Síria. Eles jamais serão ser reconstruídos – irreparável perda para a humanidade. As certezas são mesmo perigosas, inclusive as minhas.

Concluo meu ponto de vista com a analogia da queima de livros promovida pela Inquisição e pelo regime nazista. Livros, monumentos, estátuas, representam ideias. Podemos ser contrários a elas, apagá-las nunca. Melhor pensá-las, discuti-las e guardá-las na memória da humanidade.

 

terça-feira, 27 de julho de 2021

Borba Gato incendiado

 

Funcionários fazem limpeza da estátua do Borba Gato

incendiada por manifestantes no último sábado

Eduardo Anizelli/Folhapress

 

 

Hélio Schwasrtsman pergunta: “Vale tacar fogo no Borba Gato?”; para a Folha de S. Paulo de hoje (27.jul.2021). 

Ele responde: “Qualquer que seja a razão para odiar a estátua, incendiá-la é péssima ideia." 

... “Meu furor preservacionista tem uma explicação histórica. Sempre que grupos imbuídos de certezas morais se tornam majoritários, não hesitam em apagar as marcas da ideologia anterior, causando grandes prejuízos para as artes e a historiografia. Foi o que fizeram recentemente o Taleban e o Estado Islâmico ao destruir sítios arqueológicos de culturas pré-islâmicas. Foi o que fizeram cristãos nos primeiros séculos do primeiro milênio, ao vandalizar templos e esculturas e queimar livros pagãos. Como desconfio de certezas, prefiro manter as estátuas intactas, ainda que relegadas a parques dos enjeitados ou escondidas nos porões de museus.”

 

O assunto não sai de pauta, com gente querendo derrubar (ou incendiar!) estátuas e monumentos, enquanto outros desejam preservá-los. Sou a favor de preservar a memória de um país, de um povo, de uma cultura, mesmo que isso seja discutível. Debater ideias é sempre saudável; demolir, não! Os argumentos de Schwartsman são fortes.

Não desisto de bater na mesma tecla: a leitura de Escravidão (volumes 1 e 2), de Laurentino Gomes, ajuda muito na compreensão do problema.

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/07/vale-tacar-fogo-no-borba-gato.shtml

 

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Deu no que deu 2...




 “O exemplo de cima era seguido pelos de baixo. A historiadora Maria Helena P.T. Machado observou que, em um Brasil onde todo mundo roubavae trapaceava, era natural que o comportamento fosse abraçado pelos escravos, frequentemente acusados de furtar produtos estocados ou sobras, que eram consumidos às escondidas nas senzalas ou vendidos a donos de vendas e outros atravessadores nas vizinhanças.A justificativa poderia ser encontrada nessa quadrinha popular entre os africanos e seus descendentes no Brasil colonial, citada pelo antropólogo Arthur Ramos”:

 

                        “Nosso preto fruta galinha,

                        Fruta saco de fuijão;

                        Sinhô baranco quando fruta,

             Fruta prata e patacão.”

 

 

In Escravidão, volume II

Laurentino Gomes

Globo Livros, 2021, p. 160. 

 

 

            Deu no que deu...

domingo, 18 de julho de 2021

Deu no que deu




 “Infausto, desumano e violento, o sistema escravista português e brasileiro era corrupto e corrompido dos alicerces até o topo da pirâmide. Seu funcionamento dependia de suborno, extorsão, malversação dos recursos públicos, contrabando, sonegação de impostos, clientelismo e nepotismo, entre outras contravenções. Havia gente honesta no Brasil colonial? Obviamente, sim. Mas o exemplo que chegava de cima não contribuía para fixar essa imagem.”

 

                In Escravidão, volume II

                Laurentino Gomes, Globo Livros,

                2021, p. 151. 

 

       Deu no que deu.