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quinta-feira, 26 de maio de 2022

Homenagem a Nise da Silveira




Nise Magalhães da Silveira (Maceió, 1905 — Rio de Janeiro, 1999) foi uma médica psiquiatra brasileira. Reconhecida mundialmente por sua contribuição à psiquiatria, revolucionou o tratamento mental no Brasil. Foi aluna de Carl Jung.

          Dedicou sua vida ao trabalho com doentes mentais, manifestando-se radicalmente contra as formas que julgava serem agressivas em tratamentos de sua época, tais como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque, insulinoterapia e lobotomia.

          Nise ainda foi pioneira ao enxergar o valor terapêutico da interação de pacientes com animais.” 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Nise_da_Silveira

 


          O não reconhecimento da importância de Nise da Silveira pelo presidente da república por si mesmo já é uma grande homenagem a esta mulher. Ao longo da vida, ela esbanjou empatia. Não poderia mesmo ser homenageada por que não sabe o que tal sentimento significa.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

A arte de Aurora Cursino

Pintura sem título e sem data de Aurora Cursino

Coleção: Museu de Arte Osório Cesar. Cortesia: 

Complexo Hospitalar do Juquery 

e Prefeitura de Franco da Rocha.

Foto: Gisele Ottoboni/ Prefeitura de Franco da Rocha.

 

 

Publicação a ser lançada na próxima quarta-feira, Dia da Luta Antimanicomial: biografia "Aurora: Memórias e Delírios de Uma Mulher da Vida", de autoria da historiadora Silvana Jeha e do psicanalista Joel Birman. 

“A dupla reconstrói a vida dessa anti-heroína com base em documentos de diversos arquivos, notícias de jornal e nos próprios escritos da artista, intercalando o texto com pinturas dela e sugerindo conexões dos quadros com fatos da vida de Cursino.” 

"Puta, louca e finalmente artista, ela condensa em sua obra algo que diz respeito a todas as mulheres", escrevem os autores na introdução do livro. "Sobretudo, o que ela pinta é o patriarcado. Os quadros dela são basicamente um ataque do patriarcado à mulher. Se alguém desenhou para mim o que é o patriarcado, foi a Aurora", afirma Jeha, em entrevista. A autora acrescenta que muitos temas tratados nos quadros da artista viriam a aparecer décadas mais tarde na arte feminista, engajada.”

“Cursino aprendeu a pintar na Escola Livre de Artes Plásticas do Juquery, onde a pintora Maria Leontina deu aulas durante alguns anos. Suas telas a óleo misturavam personagens das ruas do Rio de Janeiro, autoridades do governo e representações de si mesma e dos filhos que teria tido com escritos que davam dicas sobre as situações retratadas. Suas frases não eram muito claras e ela tratava a palavra como imagem, afirma Raphael Fonseca, um dos organizadores da exposição "Raio que o Parta", em cartaz agora em São Paulo, no Sesc 24 de Maio.”

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/05/quem-foi-aurora-cursino-artista-lobotomizada-que-pintou-a-submissao-feminina.shtml

 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Algumas respostas de Boris Cyrulnik


BorisCyrulnik em sua casa em La Seyne-sur-Mer.
Grégoire Bernardi (Hans Lucas)


 

 

“Boris Cyrulnik: “Os adolescentes mais afetados pela pandemia terão depressão crônica quando adultos”. Neuropsiquiatra francês, filho de judeus que morreram no Holocausto, cientista e divulgador, é o criador do conceito de ‘resiliência’. Publica agora um novo livro no qual afirma que o ambiente esculpe o cérebro.”Entrevista concedida a Marc Bassets para El País (31 out 2021), em conversa sobre a pandemia de covid-19.

Cyrulnik acaba de publicar PsicoecologíaEl entorno y las estaciones del alma (Psicoecologia ― O ambiente e as estações da alma). 

 

P. Tenho a impressão de que o senhor passou a vida tentando responder à pergunta sobre como é possível ter sobrevivido e superado as condições muito adversas da sua infância.

R. Acima de tudo, me perguntava como foi possível o nazismo. Os alemães eram o povo mais culto da Europa e foi na casa deles onde aconteceu um crime imenso contra os judeus, contra os poloneses, contra os russos, contra quase toda a Europa. Mais tarde, quando já trabalhava como médico e a assistente social dizia às crianças: “Olha de onde você veio, nunca poderá seguir em frente, nunca poderá estudar, não tem família”..., me lembrava do que me diziam quando eu era criança. Por isso disse a mim mesmo que trabalharia para ajudar aquelas crianças a seguir em frente.

P. A resiliência.

R. Sim, um processo familiar, amistoso e cultural que lhes permita recuperar um bom desenvolvimento apesar do traumatismo.

 

P. O cérebro não é algo isolado e imutável, como afirma em Psicoecologia.

R. Quando eu estudava medicina, diziam-me que o cérebro estava na caixa craniana, separado do mundo, e que chegávamos com um armazém de bilhões de neurônios e que todos os dias perdíamos alguns. Agora constatamos, graças à neuroimagem e à neurobiologia, que acontece exatamente o contrário. O ambiente esculpe o cérebro, molda-o. [Grifo meu.]

P. O cérebro é uma escultura?

R. Quando uma criança é privada da alteridade, seus dois lobos pré-frontais atrofiam, o circuito límbico desaparece e as tonsilas rinoencefálicas ficam hipertrofiadas. O cérebro se torna disfuncional porque não há ambiente, não há alteridade. Isso se fotografa, é muito fácil ver. Mas quando se reorganiza o ambiente, e desde que não tenhamos deixado a criança sozinha por muito tempo, vemos que os lobos pré-frontais e o circuito da memória se desenvolvem novamente e as duas tonsilas desligam. Ou seja, quando agimos sobre o ambiente, modificamos a escultura cerebral.

 

P. O que exatamente é o ambiente?

R. Existem três ambientes. O primeiro é o ambiente imediato do bebê: o líquido amniótico, a química. O segundo é o afetivo: a mãe, o pai, a família, a vizinhança, a escola. E o terceiro é o ambiente verbal: os relatos, os mitos. E esse ambiente também participa da escultura do cérebro.

 

[Digo eu: interessante a expressão “ambiente verbal”. Refere-se à força da palavra, da linguagem, alimento indispensável para o desenvolvimento do espírito. Penso que a leitura faz parte desse ambiente, e deve ser cultivada ao longo de toda a vida, o que haverá de modificar constantemente a “escultura cerebral”, no dizer de Cyrulnik.]

 

P. Por que os adolescentes são os mais afetados?

R. Na adolescência ocorre uma poda de neurônios. O cérebro funciona melhor com menos neurônios, com menos energia. Os adolescentes têm dois ou três anos para aprender a aprender, para se orientar em uma direção. Se por um conflito familiar ou porque os meninos preferem jogar futebol, esses dois anos são perdidos, depois lhes custa voltar aos eixos. Na escola ou faculdade, você ri, concorda ou discorda de um professor, seu cérebro está ativado. Diante de uma tela, o cérebro fica entorpecido.

P. Quais são as consequências de tal situação para esses adolescentes quando adultos?

R. Estarão em depressão crônica. Terão pequenos ofícios que não os interessarão. Aprenderão que a sociedade se encarregará deles. Perderam um período sensível do seu desenvolvimento. Para se reconectar, terão de trabalhar 10 vezes mais.

 

P. Eu vejo o senhor pessimista.

R. Sim e não. Isto não foi uma crise. Em uma crise de epilepsia a pessoa fala, cai, tem convulsões, se levanta e acaba a frase. As coisas voltam a ser como antes. E agora as coisas voltarão, mas não como antes. A palavra adequada agora não é crise: é catástrofe. Depois das guerras e das epidemias houve revoluções culturais. A formação profissional, a universidade, a relação entre homens e mulheres, a velhice, tudo isso já está sendo repensado. Vamos repensar nossa maneira de viver juntos.

 

            Ótima entrevista. Vale a pena lê-la por inteiro.

 

 

https://brasil.elpais.com/internacional/2021-10-31/boris-cyrulnik-os-adolescentes-mais-afetados-pela-pandemia-terao-depressao-cronica-quando-adultos.html

 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Sobre os Noturnos de Chopin


 

“E, porque estava quente, eu me encostara num local de sombra. Ouvi a música que acompanhava a entrada do par na igreja. E a melodia do órgão tinha algo de pungente, algo um tanto avesso àquele ritual, que deveria ser alegre. Contudo, não me emocionou.” 

 

                                           Marçal Aquino

 

O trecho acima faz parte do conto intitulado Num dia de casamento, de Marçal Aquino, publicado em Famílias terrivelmente felizes, na edição primorosa da Cosac Naify (2003). Me chamou atenção a última frase: “Faz muito tempo que uma música não me emociona de verdade.” Há três dias ela não me sai da cabeça. 

A história parece singela: um homem sai de casa num sábado de nuvens pesadas, “calçando sandálias e um pouco magro”, para assistir de longe a um casamento. A música não o emociona. Na saída na igreja, um detalhe da noiva dá sentido ao episódio: 

 

“Uma mecha de cabelo soltara-se do arranjo na cabeça e pendia em sua testa. Como um ponto de interrogação de cabeça para baixo. Talvez a mesma mecha que, alguns anos antes, eu vi balançando no vento que entrava pela janela do ônibus em que viajávamos, depois de deixar um hotel à beira da estrada.”

 

Ao voltar para casa o homem pensou em enviar um telegrama ao amigo analista: “MERDA VG MEU CARO PT”.

            Voltemos à frase sobre a música que não emociona. Penso em duas possibilidades quando a música deixa de emocionar: ou o homem ouve música ruim, de um tipo que definitivamente não agrada, de mau gosto para aqueles ouvidos, ou o ouvinte está tomado por depressão. Não me refiro a episódio de tristeza, por mais intenso que seja; não, falo de depressão doença.

            Quem está triste pode sentir algum alívio a ouvir uma música que o emocione. Os Noturnos, de Chopin, podem exercer tal efeito. Para quem sofre de depressão, qualquer música significa atordoamento, provoca confusão, chega a produzir dor psíquica, seja peça de um Bach, de um Mozart, de um Chopin.

            Faz tempo que nosso homem que vai ao casamento não se emociona com a música. Ao final do conto ele pede socorro ao “amigo analista”, o que pode sugerir que esteja mesmo doente.

            Quem estará doente? O protagonista do conto? (Se verdadeiro, o autor saberá disso?) O próprio autor do livro, cujo título exprime o oxímoro ‘felicidade terrível’? Ninguém está doente? A pergunta também poderá ser dirigida ao próprio leitor: por quê uma frase aparentemente simples de um conto despretensioso permanece três dias na mente do leitor, que chegou a interromper a leitura para pensar em possível significado oculto?

            O leitor não sofre de depressão, porém utiliza-se de experiências anteriores, suas e de outrem, para pensar sobre o efeito dos Noturnos de Chopin em nosso espírito. 

            

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Melhor legenda

 

 Presidente Jair Bolsonaro arrisca corrida

em pista de atletismo em Cascavel (PR)

Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República

 

 

Este blog mostrou ontem a fotografia do presidente de república (sempre com minúsculas) correndo aparentemente de forma alucinada em uma pista de atletismo; o marcador da postagem foi Política Sem Palavras.

            Em seguida fui surpreendido pela notícia de que a Folha de S. Paulo havia desafiado seus leitores para que colocassem legenda na alucinada foto.

Eis o ranking das melhores legendas:

 

1. Leite condensado te dá asas! 

Ronan Wielewski Botelho, 35, filósofo, Londrina (PR)

 

2. Campeão dos sem nexos rasos. 

Julião Villas, 43, artista, Nova Lima (MG) 

 

3. Bolsonaro inaugura nova modalidade no atletismo, os 230 mil mortos sem barreiras. 

Marcelo Vieira Fernandes, 43, professor, São Paulo (SP)

 

4. Corre que a vacina vem aí! 

Edson de Oliveira, 46, cozinheiro e empresário, Passo Fundo (RS)

 

            Eu poderia acrescentar:

 

# Mãêêê!!!!

 

            São todas legendas engraçadas, de fato. Ainda prefiro minha postagem inicial: Sem Palavras.

Enquanto muitos da plateia riem, o que vemos é um homem ensandecido; sua expressão facial me sugere misto de desespero, euforia, sofrimento, talvez dor pelo esforço físico, a busca infindável por aprovação, medo de que isso não ocorra, e tantos outros sentimentos que não consigo imaginar. É um retrato da Loucura, onde prevalece o narcisismo patológico.

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2021/02/que-legenda-voce-daria-para-essa-foto-de-bolsonaro-correndo.shtml

 

 

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Trabalhando no Adolescentro




Tendo em vista a polêmica instituída com o programa de prevenção da gravidez em adolescentes, baseado na abstinência sexual, vamos dar voz a quem sabe das coisas. Cecília Vianna é médica, formada pela Universidade de Brasília, com qualificação em Ginecologia da Infância e Adolescência, e trabalha no Adolescentro de Brasília. 
          Dra. Cecília afirma:

“O Adolescentro é uma unidade de saúde referência do Distrito Federal especializado no acolhimento e tratamento de adolescentes e suas famílias. Os mais de quatro mil atendimentos mensais refletem o impacto do serviço prestado aos usuários da rede pública de saúde.
Em 21 anos de existência, o órgão atendeu adolescentes com depressão, ansiedade, transtornos alimentares e de aprendizagem, vítimas de automutilação ou tentativa de suicídio. Uma das grandes vantagens da unidade é utilizar a abordagem biopsicossocial, incluindo os responsáveis pelos jovens na compreensão e na solução das questões trazidas. 
Destaca-se entre os serviços oferecidos o Grupo de Diversidade, que  cuida de jovens nas questões relacionadas às diversidades sexual e de gênero. Ou seja, cuida das especialidades da sexualidade LGBTI, serviço agraciado com as Boas Práticas em Atenção Psicossocial, trabalho apresentado em Montevidéu para países do Mercosul.
        Desde a sua criação, em setembro de 1998, o Adolescentro vem colhendo prêmios de reconhecimento por seu trabalho. O mais recente foi o Selo de Qualidade, distinção para serviços diferenciados a adolescentes em várias frentes de atuação. Em 2017, foi agraciado com o prêmio Boas Práticas em Atenção Psicossocial, na categoria de Infância e Juventude.
O Adolescentro presta atendimento individual e em grupo para adolescentes de 10 a 18 anos de idade, nas modalidades listadas a seguir:
1. Programa Biopsicossocial (BPS) – acompanha o crescimento e desenvolvimento de jovens, com ênfase em transtornos mentais.
2. Programa de Atenção a Adolescentes com Vivência de Violência Sexual (PAV) – integra a rede de assistência a pessoas em situação de violência no DF.
3. Assistência e tratamento em psiquiatria e neurologia a adolescentes com demandas específicas.
Oferece aos adolescentes já acompanhados no serviço (bem como aos seus familiares e/ou responsáveis) atendimento ambulatorial nas seguintes áreas: Pediatria com atuação em Adolescência; Psiquiatria; Neurologia; Ginecologia; Psicologia; Terapia Ocupacional; Fisioterapia; Fonoaudiologia; Enfermagem; Nutrição; Serviço Social; Odontologia; Práticas Integrativas em Saúde (Hatha Yoga e Reiki).
        Realiza testagens (detecção rápida de gravidez, HIV, sífilis e hepatites virais) em adolescentes em situações indicadas, in loco. Oferece atendimento às vítimas de violência sexual: atendimento individual realizada por equipe multidisciplinar, atendimento a pais e/ou responsáveis com dificuldade no limite e autoridade.
        A área da Ginecologia da Adolescência possui papel necessário e crucial para a evolução do bem estar das adolescentes. Essa especialidade atua no Adolescentro para dar suporte nas áreas da sexualidade, proteção para gravidez na adolescência e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).  
O Adolescentro lida com uma população de adolescentes com risco aumentado para comportamento sexual, o que inclui, início precoce de relação sexual, relacionamento com parceiros mais velhos, múltiplos parceiros, dificuldade de adesão ao preservativo e aos métodos contraceptivos. Outro fator que aumenta o risco de gravidez nesse grupo é o desejo fantasioso de uma gravidez. O trabalho do ginecologista consiste em assegurar a proteção imediata, com inicio de método contraceptivo eficaz, associado a orientações constantes com incentivo ao uso do preservativo.  Aí sim, gradativamente, construir junto à adolescente objetivos de vida e perspectivas para o futuro, que são os melhores elementos de prevenção da gravidez precoce. 
Dessa forma, em concordância com a literatura mundial, o Adolescentro preconiza cada vez mais o uso dos Contraceptivos Reversíveis de Longa Ação (LARCs) para adolescentes.”

                                                           Cecília Vianna 


quarta-feira, 5 de junho de 2019

Eutanásia aos 17 anos




“Adolescente de 17 anos, traumatizada por múltiplos estupros, morre após pedir eutanásia na Holanda.” Esta a manchete publicada hoje por El País, na reportagem de Isabel Ferrer, (Haya, 5 jun 2019).  Ainda não foi confirmado se ela recebeu ajuda médica para pôr fim à vida.
Noa Pothoven, adolescente holandesa de 17 anos vítima de transtorno de estresse pós-traumático, anorexia e depressão, morreu no último domingo em sua casa, em Arnhem, Holanda. 
Informa Ferrer: “A primeira agressão sexual contra Noa ocorreu quando ela tinha 11 anos, em uma festa escolar. Até então, tinha sido uma menina alegre e com boas notas na escola. Um ano depois, voltou a acontecer, desta vez em uma festa de adolescentes. Quando completou 14, foi estuprada por dois homens em um beco da sua cidade. Na época não contou a ninguém. Só depois denunciou, e sua mãe, Lisette, explicou que reviver o ataque foi demais para sua filha. Desde então, ela sofria de anorexia, e sua vida virou um entra-e-sai de hospitais e centros especializados. Ao comprovar seu estado emocional, os juízes a internaram à força em uma instituição durante seis meses: lá foi imobilizada e isolada para que não se lesionasse. “Nunca, nunca mais voltarei para um lugar assim. É desumano”, disse Noa, tempos depois.”
Ao sair dessa clínica, a anorexia piorou. Sua família denunciou a falta de lugares apropriados na Holanda para casos como o de sua filha, que acabou hospitalizada e com uma sonda nasogástrica.” 
Em 2018 ela publicou um livro, intitulado Ganhar ou Aprender, em que contava sua história. O livro ganhou um prêmio em março passado, e Noa, na época, comentou: “Não sei se continuarei escrevendo”.


 
Capa do livro de Noa Pothoven

“Noa solicitou a eutanásia porque não aguentava mais seu sofrimento. “Serei direta: dentro de dez dias terei morrido. Estou exausta após anos de luta, e parei de comer e beber. Depois de muitas conversas e de uma análise da minha situação, decidiram me deixar ir embora, porque minha dor é insuportável”. "Não vivo há muito tempo, sobrevivo, e nem isso", contou na sua mensagem final. “O amor é deixar ir embora. Neste caso é assim”, acrescentou, aproveitando seus últimos dias para se despedir da família e amigos.”

A eutanásia é legal na Holanda desde 2002, e maiores de 12 anos podem solicitá-la se sofrerem de enfermidades sem cura e padecimentos insuportáveis. Até os 16 anos, é necessária a autorização dos pais. Na Holanda a eutanásia não costuma ser solicitada por adolescentes ou jovens com dores psíquicas, como é o caso aqui relatado. 



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A casa que Jack construiu




Lars von Trier (Copenhague, 30 de abril de 1956) é um cineasta dinamarquês, vencedor de diversos prêmios de cinema, e que adora polêmicas. Não é um diretor fácil; pertence ao time daqueles que você ama ou odeia. Eu me enquadro na primeira categoria.
          Seu filme Europa (1991) é uma obra prima. Foi vencedor da Palma de Ouro com Dancer in the Dark (2000). Dogville (2003), seguido por Manderlay (2005), Antichrist (2009), Melancholia (2011) e Nymphomaniac (2013), todos foram bem recebidos pela crítica, nem tanto pelo público.
          Em 2018 dirigiu A casa que Jack construiu, com Matt Dillon e Bruno Ganz. É sobre ele que desejo comentar.
          Antes do festival de Cannes começar, o diretor artístico Thierry Fremaux proibiu o longa de participar da competição por ser “muito controverso”. Exibido fora da competição, muitos que compareceram à exibição não estavam preparados para a experiência e mais de 100 pessoas abandonaram a sala de projeção no meio do filme. Ainda assim, o diretor foi ovacionado no final da sessão.
          The House That Jack Built relata a história de um psicopata, interpretado por Matt Dillon, que comete cinco crimes violentos aleatórios, e que prefere matar mulheres. "Os homens já nascem culpados", enquanto "elas são sempre vítimas", ironiza Jack.
          Jack é um psicopata grave, delirante, anedônico, que descobre a certa altura da vida que pode sentir prazer ao matar. Além disso, sofre de transtorno obsessivo compulsivo, o popular TOC, o que acrescenta certa dose de humor à trama, porque depois de cometer um crime ele precisa voltar inúmeras vezes à cena, para conferir se não deixou alguma marca de sangue que não fosse rigorosamente limpa. 
          Em um descampado, ele constrói e em seguida destrói várias vezes os alicerces de uma casa ideal, sempre insatisfeito com o resultado. A metáfora refere-se à sua casa mental, imperfeita, inadaptada à vida social, incapaz de amar. 
          Mais que a morte em si, são as fotos que faz dos cadáveres em posições macabras que o satisfazem; em seus delírios, considera-se um artista.  
          O protagonista narra sua trajetória a um interlocutor, Verge (Bruno Ganz), inspirado em Virgílio, guia do inferno e do purgatório em “A divina comédia” de Dante.  



Bruno Ganz e Matt Dillon.  Foto: Divulgação.
            
Em cenas lentas e monótonas, Jack discorre sobre a alma humana, sobre o papel da arte, fala de uma sociedade indiferente ao gritos de pedido de socorro do ser humano que sofre.  
            Lars von Trier retrata os extremos em seus filmes. Nunca, em minha opinião, um serial killer foi tão bem retratado no cinema, com requintes repugnantes para alguns, como nesse último filme do diretor. A descrição da personalidade psicopática grave é perfeita. 
            Se meu eventual leitor deseja ver o filme, esta é uma pequena preparação. Bom filme.

domingo, 28 de outubro de 2018

Treinar para ouvir




Ao folhear o jornal de sábado, atormentado com tantas e tão disparatadas notícias da política nacional, uma certa manchete despertou-me curiosidade, publicada na sessão Saúde da Folha de S. Paulo (26 out 2018), reportagem de Cláudia Collucci:

“Treinar médicos para ouvir pode reduzir ansiedade e depressão na população.”

            Minha primeira impressão , antes mesmo de ler a matéria, foi a de que se tratava de mais uma crítica aos médicos, que cada vez ouvem menos seus pacientes. A recomendação pareceu-me apropriada, na era do prontuário eletrônico, o paciente escondido atrás da tela do computador. Há muito que a chamada relação médico-paciente vem se deteriorando; há publicações em revistas médicas de peso chamando a atenção para o problema; e um dos problemas é mesmo a dificuldade do médico para ouvir seu paciente.
            Enganei-me, não era este o enfoque. A reportagem traz interessante proposta para o tratamento de pessoas que necessitam atendimento psiquiátrico, em países onde o número desses especialistas é reduzidíssimo. (No Zimbábue há dez psiquiatras para uma população de 13 milhões de pessoas.)
            Diz a reportagem: “O treinamento de profissionais da atenção primária, como médicos de família e enfermeiros, combinado com iniciativas que envolvam a comunidade pode ser o caminho para aumentar a oferta de tratamento de transtornos mentais como a depressão e a ansiedade.”
Quem faz tal afirmação é o psiquiatra Shekhar Saxena, 62, professor do departamento de saúde global de Harvard e ex-diretor de saúde mental da OMS.
Saxena é um dos autores de recente relatório publicado na revistaThe Lancet, com  severas críticas aos tratamentos de saúde mental e subfinanciamento por parte dos governos.
Vem ganhando apoio internacional o “friendship bench” (banco da amizade, numa tradução livre), desenvolvido pelo professor Dixon Chibanda, da Universidade do Zimbábue. “Chibanda treinou avós para ouvir e orientar pessoas com depressão e ansiedade. Um estudo publicado no Jama(Jornal da Associação Médica Americana) mostrou que aqueles que sentaram no banco e contaram seus problemas para as avós tiveram maior redução de sintomas da depressão e da ansiedade do que aqueles que não tiveram essa escuta.”
Os bancos foram inicialmente testados no Zimbábue e atualmente estão sendo usados no Malaui, em Zanzibar e até em Nova York, em bairros como Bronx e Harlem. 
            Relata ainda a reportagem: “A atenção primária varia muito de país para país. Em alguns, os serviços são gerenciados por médicos e enfermeiros, em outros por mais profissionais da saúde. Todos podem ajudar, mas de diferentes maneiras. Médicos e enfermeiras podem ser treinados para identificar e tratar pessoas com as desordens mentais mais comuns como depressão, ansiedade e problemas com álcool e drogas. Eles podem ajudar de 60% a 70% das pessoas. Algumas vão precisar ser encaminhadas a um especialista, mas será a minoria. A maioria pode ser cuidada em uma atenção primária bem treinada.”
            A proposta, na realidade, chama nossa atenção para as relações interpessoais, algo que está acima da relação médico-paciente. Não há nada a nos surpreender, pois a ação terapêutica de uma conversa bem dirigida (pessoas treinadas para ouvir) há muito está estabelecida. A questão se resume em saber ouvir, esta a grande dificuldade do ser humano.



segunda-feira, 28 de maio de 2018

Eutanásia para doentes mentais

Holanda tem aumento de eutanásia em pacientes com doenças mentais, é o título da matéria publicada na Folha de S.Paulo (28.mai.2018) por João Perassolo (Amsterdã).
O documentário “A Dignified Death”vem sendo exibido na Holanda, estimulando ainda mais a discussão sobre eutanásia no país.
Cada vez mais pacientes com transtornos mentais como depressão, bipolaridade, psicose, transtorno obsessivo compulsivo e estresse pós-traumático solicitam o suicídio assistido. 
Segundo dados do RTE, órgão que regula a prática, a Holanda registrou 83 eutanásias em pacientes psiquiátricos em 2017, um crescimento em relação aos 60 casos de 2016 e mais que o dobro em comparação a 2010. Os números parecem pequenos em relação ao total de mortes por eutanásia na Holanda –6.585 em 2017 –, mas o crescimento chama a atenção.
“Para o psiquiatra Johan Huisman, membro do Conselho Médico da ONG NVVE (Sociedade Holandesa pelo Direito de Morrer, na sigla em holandês), dois fatores são responsáveis pelo aumento. Primeiro, a comunidade médica está cada vez mais aberta em relação ao suicídio assistido de pacientes com distúrbios mentais. O segundo fator é de ordem prática. “Há mais psiquiatras trabalhando para a Clínica do Fim da Vida”, afirma Huisman. Fundada em 2012, a instituição é a responsável pela maioria das eutanásias aplicadas em doentes mentais na Holanda – ano passado, levou a cabo 78% das mortes desse tipo.”
Em vigor desde 2002, a lei do Término da Vida Sob Pedido e Ato de Suicídio Assistido estabelece que um paciente pode solicitar a eutanásia a seu médico desde que passe por sofrimento insuportável e que sua enfermidade não tenha prospecto de melhora, uma vez esgotados os tratamentos possíveis. São os “critérios do devido cuidado”, segundo o site do governo. 
“A legislação não restringe sofrimento insuportável a doenças fisiológicas –como câncer terminal e problemas cardiovasculares, por exemplo. Isso abriu caminho para que, a partir de 2008, pessoas com distúrbios mentais começassem a exigir os mesmos direitos dos outros pacientes.”
Ponto de vista importante é expresso pelo professor Theo Boer, professor de ética na Universidades de Kampen e ex-membro do comitê revisor de eutanásia, que vê essa permissividade da lei como uma “falha legal”. Ele explica que, em alguns casos, o “desejo de morte de um paciente psiquiátrico é um sintoma da doença, e pode desaparecer com o tempo”. Além disso, diz que a opção do suicídio assistido pode desencorajar os pacientes a se engajaram em um processo terapêutico.
Recentemente, Boer publicou um artigo defendendo que a legislação seja revista e se torne mais restritiva, incluindo critérios objetivos para a aplicação de eutanásia –como a proximidade da morte, a exigência de cidadania holandesa e o pedido para que o paciente administre as drogas letais em si próprio. 
         O assunto é extremamente polêmico, e por isso precisa ser debatido.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/05/holanda-tem-aumento-de-eutanasia-em-pacientes-com-doencas-mentais.shtml

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Não-sonhos


                O tema é momentoso, tanto que foi motivo da crônica de Hélio Schwartsman na Folha de hoje (11/08/2017), com o espalhafatoso título Epidemia mortal.
            Trata-se da gravíssima epidemia de abuso de opioides nos Estados Unidos. Em 2015 o país registrou 52,4 mil óbitos por overdose, dos quais 33.090 tiveram como agente causador opioides legais ou ilegais.
    Os números assustam quando é feita a comparação com mortes no trânsito (35 mil) e por armas de fogo (13,2 mil). A estimativa para 2016 é de um aumento de 19%.
A atual epidemia tem início nos anos 90, quando os médicos americanos começaram a prescrever opioides (drogas inteiramente sintéticas, o que as diferencia dos opiáceos) para reduzir todo tipo de dor, o que foi um sucesso. Porém, a oxicodona e a hidrocodona não eram seguras e geraram grande número de dependentes.
            Interrompo aqui a linha de pensamentos expressos na crônica de Schwartsman e passo a relatar experiência pessoal que acabo de vivenciar, com reflexões que condizem com o tema tratado pelo jornal. Diante de quadro de dor intensa, contínua, incapacitante, causada por doença articular de quadril, foi-me prescrita a oxicodona.
     Santo remédio!
            Além de quase que abolir a dor, a ingestão da droga à noite propiciou-me sono reparador; mais que reparador, acordei com sensação de felicidade indescritível, e relatei a experiência a familiares como tendo “acordado sorrindo”! Os sonhos que tive durante esta primeira noite foram algo inédito para mim, sensações de puro prazer, paz indizível, alegria inaudita, que perduraram até o despertar, sorrindo.
            Na segunda noite de uso da oxicodona, repetiram-se estas sensações, a dor quase que desapareceu, para minha mais completa perplexidade. Não sou usuário de drogas ilícitas e portanto não posso comparar esta minha sensação com o uso de heroína, cocaína ou qualquer outra droga, pois nunca as experimentei. Porém, a comparação pareceu-me inevitável, e pode ser resumida com uma palavra informal: um barato!
            Para minha surpresa, na terceira noite não tive sonhos, tive pesadelos, que se repetiram até o dia do procedimento cirúrgico, quando interrompi o uso da droga. Não estou certo quanto a chamá-los de sonhos: mais pareciam alucinações ou delírios. Melhor classificá-los como não-sonhos, de efeito desagradável e perturbador ainda ao despertar.
            Durante a operação, foi utilizada a morfina; no pós-operatório imediato, acidentalmente, fui acometido de intoxicação pelo uso excessivo de oxiconona  (embora não tão excessivo assim, talvez potencializado pela morfina), diante de dor intratável no membro operado.
            A experiência que procuro relatar aqui, embora fragmentada, foi por mim confrontada – com espanto! – com a crônica de hoje de Schwartsman, a Epidemia mortal. Coincidência?
            Coincidência ou não, é preciso cuidado com o uso da oxicodona, alerta que deve servir aos médicos e usuários. De minha parte, estou feliz por recuperar minha lucidez, a ponto de poder voltar a escrever neste blogue, embora com certa dificuldade, confesso.



terça-feira, 1 de agosto de 2017

História de dinossauro



A história é boa, vem da Inglaterra, e merecia fazer parte de algum filme que contasse a saga dessas crianças extraordinárias. Bem, de qualquer modo, foi assim que imaginei o acontecido.
Era uma sexta-feira, 21 de julho, quando a família, residente em Essex, resolveu fazer uma visita noturna ao grande Museu de História Natural de Londres, um dos mais famosos de todo o mundo. O pai, a mãe e os dois filhos, as crianças excitadas com a novidade.
Chegando ao magnífico prédio, a grande surpresa foi a presença de uma criançada sem conta, todos participando da chamada “caça aos dinossauros”! Apenas Charlie, com 10 anos, não se juntou ao grupo: dedicou-se a ler minuciosamente TODAS as legendas dos bichos em exposição.
Até que interrompeu sua empreitada, chamou os pais e disse:
– Isso aqui está errado.
– Como errado, meu filho, estamos no Museu de História Natural de Londres! Sabe o que isso significa?
– Mas está errado. Este dinossauro não é um oviráptor. Os oviraptores caminhavam sobre duas patas e não quatro, como mostra a imagem. Esse aqui é um protocerátopo.
         Os pais resolveram não teimar com Charlie, conheciam “bem” o filho que tinham. Em entrevista a BBC, a mãe afirmou: “Charlie adora paleontologia desde que era muito pequeno e começou a ler enciclopédias quando tinha uns três anos. Tem síndrome de Asperger e, por isso, quando gosta de um assunto tenta pesquisar tudo que pode sobre o tema”.
         E Charlie foi fundo na história dos dinossauros. Os pais alertaram os responsáveis pelo museu, que, dias depois, enviaram carta ao menino, agradecendo por ter apontado a falha e elogiando seus conhecimentos. “Um porta-voz explicou que a galeria tinha sido reformada várias vezes e que houve um erro”.
        

Foto: Stefan Wermuth / Reuters