Em postagem de julho último comentei o texto do Museu da Língua Portuguesa, convidando "todas, todos e todes os falantes, ou não, do nosso idioma", para a auspiciosa abertura do Museu. Meu comentário à época foi: para mim, todos ainda representa todos.
https://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/07/todes-contra-ou-favor.html
Leio hoje (7 dez 2021) matéria de Arthur Leal, André de Souza e Pâmela Dias em O Globo, com o título 'Linguagem neutra': o dialeto de não-binários que professores querem debater em sala de aula, e Resolvi Pensar Melhor Sobre O Assunto.
Os autores destacam que, antes mesmo que as escolas pudessem discutir a questão, uma enxurrada de projetos surgiu em todo o país, contra o uso de linguagem neutra, o que sugere forte preconceito. O tema já está no Supremo, a pedido de professores, “para que não haja interferência externa nos debates acadêmicos”, e já teve parecer favorável do ministro Édson Fachin.
Segundo o artigo, “para especialistas, a língua portuguesa não sofre ameaça e a possibilidade de inclusão pela linguagem não pode ser ignorada. A tese é defendida na ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) apresentada no Supremo contra um projeto do governo de Rondônia, que proíbe o tema nas unidades de ensino, e pode vir a orientar a forma como ele passará a ser tratado daqui para frente.”
O voto apresentado por Fachin afirma: “A chamada linguagem neutra ou ainda linguagem inclusiva visa a combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro”.
Ainda no Supremo, o PT questionou um decreto de Santa Catarina que “proíbe novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas”, nos concursos públicos e documentos oficiais. O ministro relator Nunes Marques solicitou parecer da PGR e AGU. A AGU defendeu o decreto catarinense, citando manifestação do Ministério da Educação também contrária. “As modificações da linguagem neutra, por serem alheias ao uso corrente da língua, são alheias ao cotidiano de crianças, jovens e adultos”, alegou a AGU.
Agora Começo A Ficar De Orelha Em Pé! Nunes Marques é o relator; a AGU é contra; o Ministério da Educação também é contra; melhor pensar sobre o assunto.
O professor Gilson Reis, diretor da Contee, afirma que “leis como a de Rondônia têm mais a ver com questões políticas e ideológicas. Sabemos que, na prática, a linguagem neutra é algo profundamente difícil de ser implementado, porque teria, por exemplo, de flexionar todas as palavras já existentes.”
Para Rodrigo Borba, linguista coordenador do programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ, “a linguagem neutra não representa risco ao português. É uma forma de demonstrar respeito a pessoas que não se identificam com o gênero masculino ou feminino. Funciona como se fosse uma gíria, mas que é importante para demonstrar pertencimento e respeito a um grupo. Mudar a língua é um processo histórico, que não vai acontecer tão cedo.”
Brune Medeiros, 23, que começou a se reconhecer como uma pessoa trans não-binária em 2016, “acredita que não existe uma separação marcada somente pelo masculino e feminino que contemple a forma como se enxerga no mundo. Na Faculdade de Letras da UFRJ, Brune descobriu a oportunidade de contribuir para o debate da linguagem neutra, uma proposta de adaptação da língua portuguesa para que as pessoas não binárias se sintam representadas. Assim, “amigo” ou “amiga” virariam “amigue”, segundo uma das propostas. Ela difunde o conceito de que “a proposta da linguagem neutra não é mudar o português, mas permitir que pessoas como ela se sintam representadas”.
Depois de identificar o preconceito em mim, registrado na postagem anterior, concluo: não sofro de qualquer influência política ou ideológica ligada o tema; gosto da ideia de que a língua portuguesa, pátria de todos nós, não estará ameaçada; a linguagem neutra parece estranha (“alheia ao cotidiano”), mas penso que podemos aprendê-la; respeito as pessoas autodenominadas não-binárias; se a linguagem neutra faz bem a elas, tudo bem para mim.
Reescrevo, portanto, a frase da postagem anterior:
– Espero que todes estejam representados e satisfeitos. Ups!, ou devo dizer, representades e satisfeites?
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