Ilana Feldman, ao publicar
a crítica sobre “O
irrepresentável no filme "Filho de Saul” (Folha de S. Paulo, 28/02/2016), ainda não sabia que ele foi mesmo o ganhador de
melhor filme estrangeiro no Oscar de 2016. A moça (37, doutora em cinema pela ECA-USP),
inicia sua belíssima crônica do jeito que o Louco gosta, superlativa: “Não
seria exagero afirmar que "Filho de Saul", filme de estreia do
húngaro László Nemes, é um dos maiores acontecimentos cinematográficos das
últimas décadas.”
Prossegue Ilana: “É da guerra das
imagens que se trata: é possível e moralmente aceitável representar um
evento-limite, terrível e singular como o Holocausto? É possível e tolerável
espetacularizar aquilo que há de mais extremo e obsceno na vida humana, o
momento de sua morte?”
Este blog havia já se ocupado deste
grande filme: http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2016/02/o-filho-de-saul.html
Repito aqui um trecho da postagem anterior, que
coincide com a crítica de Ilana: “Porque a câmera
está permanentemente grudada em Saul, a profundidade de campo torna-se
limitadíssima, pois só importa o que ele vive em cada momento. O segundo plano
é mostrado quase sempre fora de foco, o que haverá de gerar grande desconforto
em alguns expectadores, especialmente naqueles que desconhecem certos detalhes
do que foi a vida num campo de concentração como o de Auschwitz. Parece que o desejo do diretor foi mesmo
este, de indicar que é impossível construir uma visão total e completa daquilo
que foi um desses campos. Primo Levi (1919-1987), autor do monumental É
isso um homem?, haveria de concordar.”
Afirma Ilana: “Recusando
a banalidade realista e a indecência do melodrama no contexto do extermínio,
Nemes opta por uma linguagem rigorosa, de uma parcialidade radical: assim como
o protagonista, não vemos "o" campo, não temos acesso a nenhuma forma
de totalidade do que se passa. ... Para o espectador, ainda pior do que estar
lá, é imaginar.”
A tese de Ilana Feldman é a de não
aceitar a “banalidade realista”, e que um “evento-limite” como o Holocausto é
irrepresentável, sob pena de transformá-lo em “indecente melodrama”.
Aqui, o Louco discorda frontalmente. O
filme de László Nemes só existe, só foi possível concebê-lo, porque houve uma
série de filmes anteriores a ele, revelando aquela realidade impossível de ser
revelada completamente. "Kapò", de Gillo Pontecorvo (1961),
"Shoah", de Claude Lanzmann (1985), "A Lista de Schindler",
de Steven Spielberg (1993), e tantos outros são exemplos de tratamento realista
do tema. A denúncia daqueles crimes exigia que fossem mostrados cruamente, como
Primo Levi fez em seus livros, sem que estes fossem rotulados de
melodramáticos.
Ao sairmos do cinema, minha mulher
ouviu a conversa de três mulheres e uma delas dizia, em alto e bom som: “Alguém
pode me explicar este filme?” Suponho que ela desconhecia a realidade de um
campo de extermínio como o de Auschwitz-Birkenau. O filme de László Nemes, com toda a sua arte, não
foi capaz de revelar a ela a extensão da insanidade nazista.
Por isso, afirmo que O filho de Saul,
ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2016, repito, é mesmo “um dos
maiores acontecimentos cinematográficos das últimas décadas”, como escreve Ilana
Feldman, porém como a maioria dos feitos humanos, “vem montado nos ombros de
gigantes”!