quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Meu Kaminagai

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Tadashi Kaminagai

Coleção particular.

Luce

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Maximilien Luce

Morisot

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Berthe Morisot

Uma zona!



Ao chegar à zona, viu que sua predileta estava ocupada. Sacou do revólver e matou 6, contando com a dona do bordéu, de 70 anos de idade.

Suzete não morreu!

            Ao ler o nome da remetente no envelope que acabava de receber dos Correios meu espanto foi de bambear as pernas, perder o fôlego, coração saindo pela boca, barriga roncando, cabeça doendo, o corpo todo sentindo a pancada. Carta de Suzete!
            Mas eu não havia recebido a caixa com a correspondência dela, enviada pela mãe, Dona Osvaldina, dois anos após a morte da filha? Depois daquilo, nenhuma outra manifestação por parte dela. E agora esta carta. Sem maiores lucubrações, vamos a ela:

            “Caro Dr. Alberto,

antes de tudo, espero que esteja bem de saúde e que não vá se assustar com minha cartinha.
            Me perdoe a ousadia, mas precisava falar com você – é assim que vou tratá-lo daqui em diante, por você. Precisava dizer que

ESTOU VIVA!

            Você acredita? É que resolvi sumir do mapa, evaporar, deixar que pensem que fui abduzida, nem rastro deixei, tal qual índio velho matreiro.
            Minha mãe me ajudou. Quando ela lhe enviou aquela caixa com meus escritos, confirmou minha morte, estávamos conluiadas, ela entendeu minhas razões, espero que você também as compreenda. Foi um truque, e peço que me perdoe por isso. Foi o meio que encontrei de entrar em contato com você, mesmo estando “morta”. Mais precisamente, porque estava morta. (Gostei do uso que tem feito da minha correspondência, ao enviá-la para seu amigo dono do blog Louco por cachorros. Foi providencial.)
            Só não perdi as 3 manias: ler, escrever e cortar cabelo de homem. O que significa que continuo a mesma, mesmo depois de morta.
Saiba que você é meu cúmplice, pois concordou com a publicação do Folhetim em seu livro O mito do vaso partido, e o relato fez tanto sucesso na época que todos acreditaram mesmo na minha morte. Ambos sabemos que ficção e realidade se misturam o tempo todo nessa vida louca. Sofri mesmo tentativa de assassinato por parte de meu marido, o professor Afonso, de aparência tão pacata, tão inofensivo. Não fosse o socorro prestado por uma vizinha de nome Abigail, minha amiga do peito, corajosa, que acertou a nuca de Afonso com um rolo-de-abrir-massa-de-pastel, eu teria passado desta para a melhor, como se costuma dizer.
Afonso foi preso, passou apenas alguns meses na cadeia, afinal o crime não se consumou, e acabou solto por bom comportamento. (Ele fez um tremendo sucesso na Papuda, escrevendo cartas de amor para os colegas presidiários, lembra-se? Você relatou isso no Epílogo depois do fim, em seu livro. Aliás, gostei muitíssimo do Mito!, Alberto. Soube que escreveu outros dois livros, é verdade? Gostaria muito de lê-los.)
Pois foi só ele ser solto, e voltar a me atazanar, o Afonso. Eu já não queria nada com ele; pior que isso, nem podia ouvir o nome dele; e o homem atrás de mim que nem carrapato, uma perseguição dos infernos, ciumeira doida sem fim, até o dia em que me ameaçou de morte. Então resolvi sumir do mapa, evaporar, deixar que pensem que fui abduzida, sem deixar rastro.
Foi quando surgiu a ideia da minha própria morte, com a concordância de minha mãe. Aí então você entrou na história, Alberto. Pois fique sabendo que foi através do blog do seu amigo Louco por cachorros (que publicou o recebimento da caixa com minha correspondência) que o Afonso soube do meu falecimento. E não é que a coisa funcionou?
Pena que a tragédia – de fazer inveja a Shakespeare – não tenha parado por aí. Afonso suicidou-se em seguida.
De primeiro, foi um tremendo baque para mim. Depois, pensei, ele sempre foi depressivo, triste, melancólico, o ciúme exagerado fazia parte da doença mental, penso eu. E me curei da culpa.
O lado bom da história: estou livre daquela horrível perseguição, e você pode continuar enviando o que escrevo – até mesmo esta carta – para seu amigo Louco, isso se acharem ambos que vale a pena. Afinal, não é todo dia que aparece uma cabeleireira que gosta de ler e escrever (além de mim, alguém ainda escreve cartas hoje em dia?). E cortar cabelo de homem.
Pois é, continuo a mesma, mas vivi muita coisa nesses anos todos; esta cartinha é um resumo resumidíssimo dos acontecimentos mais importantes, mas há outros... Se lhe interessar, Alberto (que atrevimento não lhe tratar por doutor), vou contando aos poucos, para não cansar. Espero sua resposta. Caso não responda, vou compreender que perdeu o interesse nas minhas histórias, o que não me causará estranhamento, sou apenas uma cabeleireira, porém sentirei muito, muito mesmo, você que sempre foi meu mais estimado professor e correspondente.
De sua amiga e admiradora, 
                                           com um beijo,
                                                           
                                                                        Suzete.

(sem data)