domingo, 31 de maio de 2015

sexta-feira, 29 de maio de 2015

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Cadeados do amor



Engenheiros portugueses contratados para remover os cadeados das pontes de Paris avisaram: vai demorar; difícil encontrar as chaves no Sena!

quarta-feira, 27 de maio de 2015

O esconde-esconde de A origem do mundo



A Origem do Mundo

Gustave Courbet (1819 - 1877) foi um pintor francês da escola realista, especialista em retratar a vida camponesa.

          A Origem do Mundo foi pintado por ele em 1866, a pedido do diplomata turco Khalil-Bey, colecionador de arte erótica. O diplomata, arruinado pelo jogo, vendeu sua coleção, e A origem do mundo foi comprado por um antiquário e escondido atrás de outro quadro de Courbet.
          No início do século XX foi adquirido por Émile Vial, cientista e colecionador de arte japonesa.
          Por volta de 1910, o barão François de Hatvany, aristocrata e colecionador húngaro, adquiriu-o e levou-o para Budapeste. Parte de sua coleção foi roubada pelo exército russo durante a II Guerra Mundial, mas o quadro foi recuperado pelo proprietário.
          A pintura acabou na casa de campo do psicanalista francês Jacques Lacan, e permanecia escondido por trás de uma pintura de madeira. Parece que, ocasionalmente, Lacan o mostrava a amigos.
Após a morte da viúva de Lacan em 1994, o quadro foi doado ao Estado francês, para solucionar problemas judiciais. Em 1995 a tela foi exposta publicamente pela primeira vez no Museu d’Orsay, onde se encontra até hoje.

          Em junho de 2014, a artista plástica Deborah de Robertis expôs seu sexo diante do quadro, à maneira retratada por Courbet, numa  performance intitulada “O espelho da origem”.  O que pode ser visto aqui pelos interessados, testemunhando o reboliço causado na sala do museu: https://www.youtube.com/watch?v=Z0Gt_31vUmY
          A representação explícita da genitália feminina, como mostrada na pintura de Courbet, parece despertar um certo efeito perturbador sobre as pessoas, algo que não se pode evitar. Ao menos em público.
          Ao visitar a sala que hoje recebe o nome de A origem do mundo, no Museu d ‘Orsay, onde o quadro reina majestoso, pudemos observar por vários minutos, a reação dos visitantes. As pessoas entravam na sala, olhavam para a direita, onde há dois quadros expostos, e em seguida, quando se deparavam com a obra de Courbet, desviavam o olhar imediatamente, dando meia volta e deixando a sala rapidamente. A cena repetiu-se incontáveis vezes diante de nós, não restando qualquer dúvida sobre o desconforto experimentado pelos expectadores.

          As causas deste comportamento não estão bem esclarecidas. Freud fala da chamada “cena primária”, assim definida por Laplanche e Pontalis:

“Cena de relação sexual entre os pais, observada ou suposta segundo determinados índices e fantasiada pela criança, que é geralmente interpretada por ela como um ato de violência por parte do pai.”

          Laplanche e Pontalis, em Vocabulário da Psicanálise (Martins Fontes, 2001) complementam esta ideia:

“Além da discussão sobre as partes relativas do real e do fantasístico na cena originária [ou primária], o que Freud parece ter em vista e querer sustentar..., é a ideia de que esta cena pertence ao passado – ontogênico ou filogenético – do indivíduo e constitui um acontecimento que pode ser da ordem do mito, mas que já está presente, antes de qualquer significação introduzida a posteriori.”

          (O excelente filme Anticristo, do diretor dinamarquês Lars von Trier, tem início com uma cena de sexo explícito entre o casal (Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg) e observada pelo filho pequeno, que se suicida em seguida. Não há quem permaneça indiferente à cena.)

          É preciso ir a Paris para conhecer A origem do mundo.

Foto: A.Vianna, maio 2015.



Luigi Pampaloni

Fillette aux tourterelles (1830)




Luigi Pampaloni: Florença 1791 - 1847.

Belíssima escultura exposta no Museu Jacquemart-André, em Paris.

Fotos: A.Vianna, maio 2015.

terça-feira, 26 de maio de 2015

A pintura de Chaïm Soutine

O viajante que visita o Museu Orangerie, em Paris, após extasiar-se com as Waterlilies, de Claude Monet, entra num longo corredor, repleto de quadros dos mais famosos impressionistas franceses. Tudo é muito bonito. De repente, porém, ele alcança uma sala dedicada exclusivamente a Chaïm Soutine, com 22 pinturas do artista russo (a maior coleção de toda a Europa), e o susto é inevitável! Aquilo já não pode ser chamado de bonito, mas é Arte na mais pura expressão da palavra. E faz com que alguns quadros de Renoir se pareçam com desenhos infantis.
Eis uma pequena amostra:



Le Village


Arbre couchê


Les maisons


Nature morte au faisan



Chaïm Soutine (Smilavichy, 1893 – Paris, 1943) foi um pintor expressionista da Escola Francesa.  
Nasceu na Lituânia, à época pertencente a Rússia. Em 1909 mudou-se para Minsk, onde recebeu as primeiras lições de arte. Em 1913 mudou-se para Paris, estabelecendo-se em Montparnasse. Nessa época conheceu Modigliani, de quem se tornou amigo.
Em 1923 o colecionador norte-americano Albert Coombs Barnes comprou um grande número de obras do pintor, o que melhorou sua condição financeira. Em 1937 algumas de suas obras foram apresentadas na Exposição de Artistas Independentes, honra raramente concedida a um pintor estrangeiro.
O início da Segunda Guerra Mundial propiciou seu declínio; Soutine, que era judeu, refugiou-se numa pequena cidade perto de Tours. Agravados seus problemas de saúde, em 1943 foi acometido de úlcera perfurada, morrendo na mesa de operações. Foi sepultado em Montparnasse.


Ref.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Chaïm_Soutine

Fotos: A.Vianna, Paris, maio 2015.

domingo, 24 de maio de 2015

Tunga penetrans


            Alvarinho possuía muitas virtudes, exceto a da humildade. Alguns amigos chegavam mesmo a acusá-lo de arrogante, penso que injustamente. Ele não fazia por mal, era antes a manifestação de um espírito exuberante, entusiasmado pela vida, quase um falastrão, do que genuína arrogância. Além do que não se preocupava com o que pensassem ou dissessem a respeito de si próprio, continuava contando suas lorotas com naturalidade e bonomia.
            Pois aconteceu que um mês antes de certa viagem de férias a Paris Alvarinho iniciou as tais bravatas, Vou à exposição das obras de Gustave Klimt na Pinacothéque de Paris, Não posso perder a retrospectiva de Pierre Bonnard no Musée d’Orsay, A mostra sobre Velazquez no Grand Palais será magnífica, No Petit Palais ainda Les bas-fonds du barroque, talvez o ponto mais alto da viagem! Ah!, e os concertos na Sala da Radio France e na Filarmônica de Paris!
Os amigos ouviam em silêncio, pacientes, acostumados com aquele pedantismo congênito de Alvarinho. Até que chegou o dia da partida e o alívio foi geral.
Que alívio que nada! Choviam mensagens e fotografias de Paris, enviadas pelo WhatsApp, retratando as belezas da cidade, os passeios pelo Sena, as visitas aos museus, os pratos mais requintados da comida francesa.  
Até que, pelo quinto dia de viagem, nosso homem emudeceu. Assim de repente. Nem mais uma notícia sequer. Os amigos começaram a se preocupar. O que teria havido com Alvarinho?
            Passados dez dias da partida, os amigos receberam extensa mensagem, explicando, com detalhes, o acontecido. Reproduzo-a na íntegra, verdadeiro atestado de sofrimento e humildade.

Caríssimos amigos,

antes de tudo, espero que esta mensagem os encontre bem de saúde física e mental. Como puderam perceber pelas mensagens anteriores, nossa viagem transcorria na santa paz de deus, gozando que estávamos, eu e minha mulher, das delícias parisienses. Até que fui acometido de grande infortúnio, que não posso deixar de compartilhar com vocês, de quem espero compreensão, apoio, compaixão, e acima de tudo, discrição.
Em nossa quinta noite em Paris, ao regressar de lauto jantar – escargots, ostras e confit de cannard – já no quarto do hotel, fui tomado por excruciante dor no hálux direito, bem junto à unha, dor esta que, além de intensíssima, tinha caráter latejante, sugerindo-me que o dedo estava prestes a explodir.
Solicitei a prestimosa ajuda de minha esposa, que se levantou, acendeu as luzes do aposento, e examinou cuidadosamente o órgão doente. Seu diagnóstico foi instantâneo, peremptório, inapelável, definitivo. E cruel:
– É bicho-de-pé!
– O quê?!!! 
– Isso mesmo que você ouviu, Alvarinho. Bicho-de-pé, também conhecido como batata baroa, bicho, bichô, bicho-de-cachorro, bicho-de-porco ou bicho-do-porco, bicho-boco, bicho-do-pé, bitacaia, chique, chitacaia, dengoso, espinho-de-bananeira, esporão, jatecuba, matacanha ou bitacaia, djigan, moranga, nígua, olho-branco, olho-de-pinto, pique, piolho-de-faraó, pitxoca ou pitxoka, pulga-da-areia, pulga-de-bicho, pulga-do-porco, pulga-penetrante, sico, taçura, taçuru, tatarné, tuçuru, tunga, tunguaçu, vitacaia, xiquexique, xíquia, zunga, zunge, zunja. Quer também o nome científico? Tunga penetrans.
Nem perguntei como é que ela sabia aquilo tudo; mas sabia que ela foi criada na roça, e que devia estar falando por experiência própria.
Sem qualquer outro comentário, Efigênia, minha mulher, tomou de uma agulha de costura, dessas fornecidas pelos hotéis para rasgões imprevistos e queda de botões, e começou a escarafunchar meu dedo sem piedade.
– É preciso tirar a batata.
– Batata? Que batata?
Ela não se deu ao trabalho de responder nem interrompeu a operação, continuou escarafunchando – perdoem-me os amigos, mas não há termo melhor que possa descrever aquela função – até que exclamou, após intermináveis minutos:
– Saiu! Veja a batata!
Claro que eu não quis nem olhar. Porém, o latejamento desapareceu como que por encanto, restando-me no dedão uma enorme cratera!
– E onde foi que eu peguei isso, Efigênia?
– Então não estivemos na fazenda do meu avô dois dias antes de viajar, criatura?
É verdade, tínhamos estado na roça. Mas o problema agora era o pavor de que meus amigos ficassem sabendo deste infortúnio – melhor chamar logo, deste vexame.
Claro que ficariam sabendo. Efigênia haveria de contar às amigas, e a notícia logo se espalharia como rastilho de pólvora.
Então decidi contar eu mesmo, implorando pela misericórdia de vocês, meus queridos amigos, para que não espalhem a notícia: Alvarinho Foi A Paris E Precisou Ser Operado De Bicho-De-Pé!
Oh! miséria de vida.

            Dois meses após o sucedido, Alvarinho já havia perdido o verniz de humildade adquirido com a traumática experiência, retomando a gabolice de sempre. Pau que nasce torto...