segunda-feira, 5 de março de 2018

Primeira frase

             
            Aqueles que escrevem, mesmo que não se considerem escritores, embora o sejam, sabem do problema da primeira frase. O tiro de partida, o princípio de uma história, se começa mal há de terminar pior, teme aquele que escreve, e se tive bom começo há de se desenvolver bem e terminar ainda melhor.
            Há que se concentrar na primeira frase, uma espécie de tudo-ou-nada para o início de um texto. Tanto que, para alguns, e não são poucos, a história nem começa, travada empacada obstruída por algum enrosco na cabeça do escritor, que impede a partida e não se desenvolve nunca. Perde-se no tempo uma história. A frustração daquele que escreve então é monstruosa devastadora deprimente.
            Resolvi colecionar algumas primeiras frases, talvez como estímulo aos que escrevem. Começo com Luiz Ruffato, com o conto O dia em que encontrei meu pai (página 45), do livro A cidade dorme (Companhia das Letras, 2018). http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2018/03/a-cidade-dorme.html
            Eis a frase:

“Minha mãe não acreditou quando eu disse que havia encontrado com meu pai.”

            Sua simplicidade é notável, o narrador fala na primeira pessoa. A história tem início com duas palavras-chave: “minha mãe”. Em seguida, uma negativa forte: [ela] “não acreditou”.
Tem início a descrição da relação entre filho e sua mãe, pois o filho conta alguma coisa – “quando eu disse” – e a mão ouve, dá valor, leva em consideração; pode-se supor a partir daí uma boa relação entre ambos, pois eles conversam.
            O narrador, talvez um menino ainda, ou adolescente, informa à mãe que “havia encontrado”, sugerindo tratar-se de um fato extraordinário, improvável e imprevisto, o que leva às alturas a emoção contida até então na frase, antes mesmo de seu término.
            E esta introdução ao conto – a primeira frase – termina “com meu pai”, o que completa o sentido de toda uma ideia. O narrador não disse que encontrou o pai, mas sim “com” o pai. Houve um encontro de fato.
E por que a mãe não teria acreditado? Que pai é esse? Onde esteve durante todo esse tempo a ponto de tornar o encontro com o filho algo inacreditável? O que conversaram durante tal encontro, se é que conversaram? Que suspense criado por uma única frase!
            Não desejo e nem é conveniente antecipar aqui o desenrolar da história, mas posso afirmar que toda ela está contida nesta primeira frase. A partir daí Ruffato desenvolve sua história magistralmente, digna de figurar nas melhores antologias.
            Resta uma questão a ser respondida, pelo menos na curiosa mente deste blogueiro. Teria o autor de fato utilizado esta frase como ponto de partida para o conto, ou ela surgiu ao final, a história já composta, durante a edição tão necessária para o aprimoramento do texto? A menos que perguntemos para o autor, nunca saberemos. De qualquer modo, a frase é ótima!