terça-feira, 27 de julho de 2021

Fotografia – meio de sobrevivência psíquica


 

 

Morava em Londres fazia poucos meses, nos idos de 1980, quando comprei uma máquina fotográfica Minolta, último modelo, foco automático – uma novidade à época. Comprei no impulso, sem pensar e com o dinheiro que eu não tinha. Uma extravagância! E saí fotografando tudo, gente, parques, gramados intermináveis, paisagens, muros cobertos de hera, árvores, cães, monumentos, ruas vazias e ruas repletas de gente, obras de arte, a arquitetura repetitiva e sem imaginação dos bairros mais pobres da cidade, fachadas imponentes de museus, tudo que impressionava minhas retinas estrangeiras eu fotografava.

            Filmes coloridos Kodak eram baratos, a revelação mais ainda. Na Unidade de Fígado em que eu trabalhava, no King`s College Hospital, na tentativa de me comunicar, mostrava minhas fotografias a quem cruzasse meu caminho. Elas faziam sucesso em meio a um ambiente emocionalmente muito pobre; eram todos inteligentíssimos, cientistas de ponta, emocionalmente pobríssimos. Eu, exótico, meio doido, gritava com minhas fotografias.

            De início não percebi do que se tratava; com certeza eles também não sabiam.  Até que atinei, era por causa da minha sofrível comunicação verbal; todos os pesquisadores estrangeiros que chegavam à Unidade, falando mal a língua nativa, eram vistos como deficientes mentais, eu inclusive. A sensação era de menos valia, bem desagradável para dizer o mínimo. A única saída era a produção científica, só então a pessoa mereceria respeito daquela comunidade. Enquanto eu não produzia nada, falava através das imagens.

            Agora, passados quase 40 anos, quando a dificuldade de comunicação volta a atormentar (as razões são outras, o resultado é o mesmo), quando a “poda neuronal” torna-se implacável, volto a me comunicar nesse blog através da fotografia.

            São passarinhos, gatos, flores, o jardim, as árvores, a fonte, sobretudo meus cães que afetuosamente falam por mim; é o fotominimalismo que procura reduzir o ruído; é a fotoabstração que tenta preservar a capacidade de fantasiar; a análise de uma boa fotografia é exercício para o espírito; meus quadros prediletos propiciam o lugar da arte.

            Até quando haverá de permanecer em mim a necessidade de comunicação com o outro? 

            

Memórias que enganam


Lugar de Fala é um espaço destinado aos leitores no site da Revista Cult. Os artigos podem ser enviados mensalmente pelos leitores, obedecendo a um tema específico determinado pela revista. O assunto do mês de julho de 2021 é “Memória”.


(Clique para ler o regulamento: https://revistacult.uol.com.br/home/lugar-de-fala-cult/)

 

Este blogueiro contribuiu com o texto Memórias que enganam. Clique para ler: 

https://revistacult.uol.com.br/home/memorias-que-enganam/


Borba Gato incendiado

 

Funcionários fazem limpeza da estátua do Borba Gato

incendiada por manifestantes no último sábado

Eduardo Anizelli/Folhapress

 

 

Hélio Schwasrtsman pergunta: “Vale tacar fogo no Borba Gato?”; para a Folha de S. Paulo de hoje (27.jul.2021). 

Ele responde: “Qualquer que seja a razão para odiar a estátua, incendiá-la é péssima ideia." 

... “Meu furor preservacionista tem uma explicação histórica. Sempre que grupos imbuídos de certezas morais se tornam majoritários, não hesitam em apagar as marcas da ideologia anterior, causando grandes prejuízos para as artes e a historiografia. Foi o que fizeram recentemente o Taleban e o Estado Islâmico ao destruir sítios arqueológicos de culturas pré-islâmicas. Foi o que fizeram cristãos nos primeiros séculos do primeiro milênio, ao vandalizar templos e esculturas e queimar livros pagãos. Como desconfio de certezas, prefiro manter as estátuas intactas, ainda que relegadas a parques dos enjeitados ou escondidas nos porões de museus.”

 

O assunto não sai de pauta, com gente querendo derrubar (ou incendiar!) estátuas e monumentos, enquanto outros desejam preservá-los. Sou a favor de preservar a memória de um país, de um povo, de uma cultura, mesmo que isso seja discutível. Debater ideias é sempre saudável; demolir, não! Os argumentos de Schwartsman são fortes.

Não desisto de bater na mesma tecla: a leitura de Escravidão (volumes 1 e 2), de Laurentino Gomes, ajuda muito na compreensão do problema.

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/07/vale-tacar-fogo-no-borba-gato.shtml