sábado, 30 de março de 2019

Saramago e a arte contemporânea



De Paris, em 1997, Eduardo Prado Coelho fez quatro perguntas a José Saramago. A segunda delas foi a que me interessou: “Como vês as artes plásticas contemporâneas?”
            Ao que o autor do Manual de pintura e caligrafia respondeu:

“Salvo as exceções (que não são muitas), vejo-as com uma desagradável impressão de aborrecimento. Curiosamente, porém, interessa-me o que se costuma designar por “instalações”, talvez pelo que haja nelas de... arquitetura. Meia dúzia de pedras dispostas no chão, quatro tábuas armadas no ar, podem impressionar-me muito mais que um quadro de Mondrian.”

            Esta é a opinião de um homem que conhece profundamente a arte de escrever. A arte contemporânea causa-lhe aborrecimento, mas aprecia instalações.
            O que pensa o leitor sobre arte contemporânea?


P.s: Pergunta e resposta estão no Último caderno de Lanzarote, em 29 de março, p. 82 (Companhia das Letras, 2018).
            

Depois de Auschwitz





Depois de Auschwitz não há teologia:
das chaminés do Vaticano sai fumaça branca,
sinal de que os cardeais elegeram o seu papa.
Dos crematórios de Auschwitz sobe uma fumaça negra,
sinal de que Deus ainda não decidiu sobre a escolha
do povo eleito. Depois de Auschwitz não há teologia:
os números nos antebraços dos prisioneiros do extermínio
são os números do telefone de Deus,
números dos quais não há resposta,
agora eles estão cortados, um por um.

Depois de Auschwitz há uma nova teologia:
os judeus que morreram na Shoá
tornaram-se semelhantes ao seu Deus
que não tem forma nem corpo.
Eles não têm imagem nem corpo.


                                   Yehuda Amichai
                                   In Terra e paz – antologia poética
                                   Tradução: Moacir Amâncio