sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Crônicas e cronistas


O Encontro Folha de Jornalismo, realizado em 18/2 no Museu da Imagem e do Som em São Paulo, reuniu três grandes cronistas da imprensa brasileira, e a eles foi perguntado O que é crônica?
A atriz Fernanda Torres, colunista da Folha, ressaltou que aparentemente nenhum país dá tanta atenção à crônica como o Brasil. E aventou a possibilidade de que sejamos um país com tendência menos acadêmica, "um país do improviso e do sentimento pessoal em relação às coisas".
Luis Fernando Verissimo, que escreve em O Globo e O Estado de S. Paulo, lembrou que sempre tivemos escritores cronistas, começando por Machado de Assis. Afirmou que o gênero "dá uma liberdade que nenhum outro dá", e brincou: "Crônica é tudo aquilo que a gente disser que é crônica".
Ruy Castro, colunista da Folha e autor de biografias de Nelson Rodrigues e Garrincha, contou que fica "constrangido de passar a semana inteira falando abobrinha”.
Os três concordam quanto ao predomínio da crise política atual sobre os demais assuntos, e que "a realidade brasileira nos tornou a todos monotemáticos: Dilma, Lula, o que vai ser deles?"
Infelizmente o Louco não estava presente ao encontro entre as três celebridades, ele que aprecia tanto o gênero e procura cultivá-lo neste blog, sem a excelência daqueles mestres. Mas confesso que esperava uma definição mais apropriada do que vem a ser uma crônica.
Talvez o assunto não seja mesmo tão simples. Quando coloquei no Google o enunciado Definições de crônica, surgiram 427.000 resultados! Eis  uma definição mais geral, e que parece um bom começo de conversa:

“Crônica é uma narrativa histórica que expõe os fatos seguindo uma ordem cronológica. A palavra crônica deriva do grego "chronos" que significa "tempo". Nos jornais e revistas, a crônica é uma narração curta escrita pelo mesmo autor e publicada em uma seção habitual do periódico, na qual são relatados fatos do cotidiano e outros assuntos relacionados a arte, esporte, ciência etc.”

O nascimento da crônica, de autoria de Machado de Assis, de fato dá ênfase ao cotidiano mais mundano:

Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica.”

Um salto aleatório no tempo nos leva a Arthur da Távola, que publicou interessante definição, já em consonância com sua época, em O Dia, em 27/06/2001:

“A crônica é a expressão das contradições da vida e da pessoa do escritor ou jornalista, exposto que fica, com suas vísceras existenciais à mostra no açougue da vida, penduradas à espera do consumo de outros como ele, enrustidos, talvez, na manifestação dos sentimentos, idéias, verdades e pensamentos... É compacta, rápida, direta, aguda, penetrante, instantânea (dissolve-se com o uso diário), biodegradável, sumindo sem poluir ou denegrir, oxalá perfume, saudade e algum brilho de vida no sorriso ou na lágrima do leitor... Terna como a amamentação e insegura como toda primeira vez. Religiosa como a portadora do mistério e agnóstica como um livre pensador. A crônica nos obriga à síntese, à capacidade de condensar emoções em parágrafos-barragem. Faz-nos prosseguir, mesmo quando nos sentimos repetitivos. É, pois, a expressão jornalístico-literária da necessidade de não desistir de ser e sentir. A crônica é o samba da literatura.”
            
             Devemos admitir que Távola acrescenta ideias e conceitos sobre a crônica moderna, mais que um simples feixe de fofocas.
            Não podemos deixar de incluir nesta crônica sobre crônicas aquele que é considerado um verdadeiro mestre do ramo, Rubem Braga, nascido em Cachoeiro do Itapemirim, e que se notabilizou pelas crônicas de caráter poético. Eis um bom exemplo, em Meu ideal seria escrever... (1967):

“Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

            Há quem afirme que “o Brasil é um país de cronistas”, e isso é dito em tom francamente pejorativo, como se se tratasse de gênero menor, e que nossa literatura não passasse disso. Não posso concordar, nem com uma coisa nem com outra. Grandes escritores, grandes poetas, dedicaram-se também à arte da  crônica; Carlos Drummond de Andrade é um belo exemplo.
Penso que atualmente reina soberano no gênero o gaúcho Luis Fernando Verissimo. E sua afirmação de que "Crônica é tudo aquilo que a gente disser que é crônica" agrada muito ao Louco e o deixa mais tranquilo.
Paramos por aqui, que a crônica dever ser curta!