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quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
Suzete vira a página
Meu caro André,
escrevo-lhe com
certo constrangimento, com um pouco de vergonha mesmo, diante dos últimos
acontecimentos, resumidos por você como o Caso do Assassinato no Salão de
Beleza.
Quase
me arrependi de ter permitido que publicasse aqueles acontecimentos tão
funestos (acho que li esta palavra em Kafka, não estou certa), mas diante da
atenção que me dedicou, dos cuidados que me dispensou, fui obrigada a fazê-lo,
também por amor à literatura. Ficou bonito o conto policial!
Escrevo principalmente para dizer
que virei aquela página. Acho que todos nós vivemos algum drama ao longo de
nossas vidas, não necessariamente envolvendo um assassinato, ainda bem, mas
cada um sabe de si, das suas dores, e o drama de cada um é sempre doloroso,
seja por um amor desfeito, pela morte de alguém muito querido, pela derrocada
material, por uma grave doença, física ou mental (esta última parece ainda
pior), ou pelo fortuito envolvimento em um crime como ocorreu comigo. São
frustrações inevitáveis, próprias do viver. “Viver é muito perigoso.”
Diante do problema, onde a solução?
Há quem permaneça remoendo remoendo remoendo (isso aprendi com você, três
repetições sem vírgulas entre elas, na expectativa de que o leitor leia as
palavras rapidinho e sem interrupção), na esperança de que o problema se
resolva por ele mesmo, e não se resolve.
A sensação de vergonha a que me
referi no início desta carta pode ser vista como arrogância, pela dificuldade
em aceitar nossos próprios erros. Erramos. Pronto. Que novidade!
Mesmo fazendo votos de que o erro
não se repetirá, não há qualquer garantia sobre isso. Errar de novo também não
é novidade.
Bem, de minha parte, virei a página.
Virou conto policial em seu blogue, André. A troca de cadeira no salão é a perfeita
metáfora (nossa, nunca pensei que um dia usaria esta palavra!): muda-se, para
que nada mude. A vida prossegue, a fila anda. Continuo cortando cabelo de
homem.
Mudando de assunto, gostei muito do
que postou hoje, sobre o manifesto dos artistas franceses, contra o puritanismo
e a favor da “liberdade de importunar” (adorei esta expressão!). Também não
acho que as mulheres sejam essas “pobres indefesas”, vítimas da truculência
masculina.
Estupro
não. Agressão física ou psíquica não. Agora, tanto barulho por causa da mão no joelho,
isso também é exagero. Eu acho, André. Mas posso estar errada. Cada caso é um
caso, isso é verdade, e não estamos aqui para julgar.
São
ponderadas as considerações dos franceses. Vamos pensar sobre elas.
Acho
que a cartinha está de bom tamanho. Despeço-me com um beijo, renovando meus
agradecimentos pelo apoio que me dispensou.
Da
sempre sua
Suzete.
Limite para a Arte?
Obra da Exposição Queermuseu
No
último domingo (7 jan 18), a prova de redação da Fuvest 2018 apresentou a
questão "Devem existir limites para a arte?"
A
pergunta foi acompanhada por reportagens que tratavam do cancelamento da
exposição Queermuseu,
no Santander Cultural, em Porto Alegre (RS), em setembro. Na época,
uma onda de protestos dizia que as obras expostas, que abordavam a questão LGBT, promoviam blasfêmia
contra símbolos religiosos e apologia à zoofilia.
Parabéns
a Fuvest: o fato de tratar-se de assunto altamente controvertido não impediu
que fosse utilizado como tema de redação, obrigando os candidatos a pensarem
sobre ele.
Por
si mesma, esta é uma lição para ser aprendida por aqueles que se apegam a
dogmas, ao moralismo radical, ao conservadorismo, ao fundamentalismo religioso.
Infelizmente,
em pleno século XXI, o fenômeno não é exclusivo do nosso país. Recentemente
ocorreu a censura de um nu de Egon Schiele no metrô de Londres; foi solicitada
a retirada de um quadro de Balthus de uma mostra do Metropolitan de Nova York;
houve manifestações contra retrospectiva dedicada à obra de Roman Polanski em
Paris.
Interessante
notar que o cancelamento da exposição em Porto Alegre, bem como o impedimento
da mostra no Rio de Janeiro pelo prefeito Marcelo Crivella, fizeram com que
reação oposta ao conservadorismo se desencadeasse, tornando o debate sobre o
tema inevitável. Daí para tema de redação de vestibular foi um pulo.
É como a definição de maré: fluxo e refluxo das águas do mar...
Manifesto francês
Artistas e
intelectuais francesas criticam 'puritanismo' de campanha contra o assédio.
Manifesto defende a
'liberdade de importunar' dos homens, que consideram 'indispensável para a
liberdade sexual'.
Cem artistas
francesas contra o “puritanismo” sexual em Hollywood.
Manifesto assinado
por atrizes como Catherine Deneuve defende que série de denúncias de assédio
vai na contramão da liberação sexual.
Estas são manchetes
de alguns dos principais jornais de hoje (09 Janeiro 2018), quando cerca de cem
artistas e intelectuais franceses lançaram manifesto no qual criticam o
"puritanismo" da campanha
contra o assédio surgida por conta de casos envolvendo o produtor Harvey
Weinstein. Eles defendem a "liberdade de importunar" dos
homens, que consideram "indispensável para a liberdade sexual". O
manifesto, publicado no jornal francês "Le Monde", afirma que homens
devem ser "livres para abordar" mulheres.
A
divulgação do manifesto ocorre dois dias depois da cerimônia do Globo de Ouro, tomada por
protestos contra a onda de assédios: atrizes se vestiram de preto e
a apresentadora Oprah Winfrey, homenageada da noite, fez um discurso contra o
machismo.
“O estupro é crime. Mas o flerte
insistente ou desajeitado não é um delito, nem o cavalheirismo uma agressão
machista", disseram Catherine Deneuve, a escritora Catherine Millet, a
editora Joëlle Losfeld e a atriz Ingrid Caven.
As artistas disseram que
"não se sentem representadas por esse feminismo que, além das denúncias
dos abusos de poder, adquire uma face de ódio aos homens e sua
sexualidade", em alusão ao movimento #MeToo, que surgiu para
denunciar nas redes sociais casos de abusos
machistas.
As artistas reconhecerem que o
caso Weinstein deu
lugar a uma "tomada de consciência" sobre violência sexual contra as
mulheres no contexto profissional; lamentam que agora sejam favorecidos os
interesses dos inimigos da "liberdade sexual" e dos extremistas
"religiosos". “Mas esta liberação da palavra se transforma no
contrário: nos intima a falar como se deve e nos calar no que incomode, e os
que se recusam a cumprir tais ordens são vistos como traidores e cúmplices”,
argumentam as signatárias, que lamentam que as mulheres tenham sido convertidas
em “pobres indefesas sob o controle de demônios falocratas”.
O manifesto prega que as mulheres
deveriam se unir contra outro oponente, os "inimigos da liberdade
sexual", como extremistas religiosos e reacionários.
O manifesto alerta ainda para as
repercussões que este novo clima poderia
ter na produção cultural. “Alguns editores nos pediram [,,,] que
façamos nossos personagens masculinos menos ‘sexistas’, que falemos de
sexualidade e amor com mais comedimento ou que convertamos ‘os traumas sofridos
pelas personagens femininas’ em mais explícitos”, denunciam as signatárias,
opondo-se também à recente censura de um nu de Egon Schiele no metrô de
Londres, ao pedido de retirada de um quadro de Balthus de uma mostra do
Metropolitan de Nova York e às manifestações contra uma retrospectiva dedicada
à obra de Roman Polanski em Paris.”
“O filósofo Ruwen Ogien defendeu
a liberdade de ofender como algo indispensável para a criação artística. Da
mesma maneira, nós defendemos uma liberdade de importunar, indispensável para a
liberdade sexual”, subscrevem as cem signatárias do manifesto.
Sem
qualquer tomada de posição, penso que o manifesto francês é oportuno e traz o
contraditório, ampliando assim o campo de discussão.
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