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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Seu Afonso, Sérgio Rodrigues e o anglicismo

 


Houaiss

 

De pouca gente me lembro com tanta afeição e carinho quanto de meu antigo professar de Português, Seu Afonso, como era chamado. Estávamos no final dos anos 50 e a escola era o renomado Instituto de Educação “Conselheiro Rodrigues Alves”, em Guaratinguetá, SP. 

            Seu Afonso era de um rigor insuperável. Somava, em sua caderneta, décimos e centésimos de pontos atribuídos ao desempenho dos alunos em atividades como leitura mensal de livro, o decorar semanal de um poema, as temidas redações, o comparecimento à sessão do Grêmio Literário, até chegar à nota final. (No início do curso ginasial ele me prestou o favor de me deixar em segunda época; no exame final, fui aprovado.)

            Aprendi com ele que não se devia fazer uso de anglicismos, ou de estrangeirismos de qualquer espécie. Ai de quem...

            Hoje voltei ao Houaiss, só para confirmar o uso de anglicismo: “acepção de determinada palavra de nossa língua que é exótica, em relação às acepções vernáculas registradas durante a sua evolução no português, por ter sido tomada recentemente de empréstimo ao inglês (p.ex.: dramático, no sentido de grande, assombroso, incrível, notável  [alterações dramáticas]; assumir, no sentido deter como certo, imaginar, admitir, supor, calcular, crer  [assumi que já havia conseguido o emprego]; realizar, no sentido de dar-se conta de, perceber [só então realizei o engano em que incorrera] etc.)”.  

            Até hoje gosto desse uso ‘purista’ da língua portuguesa, que Seu Afonso me ensinou a amar. Gostava. Hoje aprendi com Sérgio Rodrigues, mestre da Língua Brasileira, que as coisas não se passam bem assim. Em sua crônica Testei positivo para anglicismo, para a Folha de S. Paulo (12 jan 2022), ele afirma: 

 

“O fenômeno teve início alguns anos antes, mas a pandemia de Covid deu o empurrão que faltava para espalhá-lo pelo mundo, língua atrás de língua: a construção "testar positivo (ou negativo)", com essa sintaxe importada do inglês, é mais contagiosa do que a ômicron. Eu já sabia disso em tese, mas só depois de testar positivo para Covid, domingo passado, compreendi melhor a questão. Dar a notícia a um monte de gente – por escrito ou por telefone, meu isolamento é total – me fez ver que, entre outros parangolés como o imperialismo linguístico, está em jogo a economia expressiva. Ah, o abismo entre "testei positivo" (construção decalcada do inglês) e "fiz um teste e o resultado foi positivo" (construção respeitosa da sintaxe portuguesa) não parece tão grande?”

            

            E Sérgio (me considero íntimo dele, de tanto que o leio, daí este tratamento tipo assim “meu chapa”) arremata:

 

“... a funcionalidade de uma fórmula sucinta como "testar positivo" vai além da oralidade – a ponto de, como parece ser o caso, acabar falando mais alto do que o impulso de conservação das estruturas vernaculares. ...estamos em terreno difícil –mais do que polêmico, o tema é escorregadio, movediço. No fundo há uma única diferença entre o modismo estrangeirista bocó e o estrangeirismo que, maneiro e fecundo, logo deixa de ser percebido como tal: este pegou, aquele não.”

 

            Seu Afonso que me perdoe, mas quando a palavra “pega”, pega mesmo!    

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergio-rodrigues/

 

sábado, 18 de dezembro de 2021

A palavra Demenciação

 

Em setembro do ano passado este blog inaugurou o marcador Diário da Demenciação, com postagem que leva o mesmo nome. (https://loucoporcachorros.blogspot.com/2020/09/diario-da-demenciacao.html#comment-form)

            Desde então foram publicados mais cinco textos sobre o tema. Foi então que o autor, por curiosidade, amor às palavras, ou falta do que fazer, resolveu consultar o dicionário sobre o exato significado da palavra ‘demenciação’. Para sua surpresa, consulta após consulta, nos mais diferentes dicionários, físicos e virtuais, a palavra não foi encontrada.

            Encontra-se em todos eles a palavra ‘dementação’: s.f. ato ou efeito de dementar ou dementar-se; enlouquecimento, demência. (https://www.meudicionario.org/dementação)

            O Houaiss registra ‘dementação’: s.f. ato ou efeito de dementar. Nada de ‘demenciação’. A fotografia do dicionário físico comprova tal afirmação.

            



            O próprio VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, registra apenas a forma ‘dementação’. (https://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario)

            Aulete digital: dementação, s.f. ato de dementar. Nada de ‘demenciação’. (https://www.aulete.com.br/dementação)

            Não reproduzo aqui toda a obsessiva busca para não maçar ainda mais meu eventual leitor. A palavra ‘demenciação’ não existe. Até mesmo o Dicionário inFormal, que prima pela largueza de conceitos, bem além dos dicionários tradicionais, não a registra.

            

O próprio Dicionário inFormal se define como: “O dicionário de português gratuito para internet, onde as palavras são definidas pelos usuários. Uma iniciativa de documentar on-line a evolução do português. Não deixe as palavras passarem em branco, participe definindo o seu português!”

            Mil vezes escrevi nesse blog que uma sugestão minha – a palavra Avencário – foi aceita por este dicionário, do que muito me gabo, bobo que sou de amor às palavras. Pois resolvi sugerir Demenciação.

            Alguém, não sei informar se uma ou mais pessoas, se uma comissão, analisa a sugestão e envia a resposta, depois de algumas semanas.

            Hoje, ao acessar o site, encontrei: 




Clique para acessar:

https://www.dicionarioinformal.com.br/demenciação/


Significado de Demenciação Por André Vianna (DF) em 26-11-2021.


      Incluindo o emprego da palavra, sugerido por mim, e por experiência própria:

 

"Aos 70 anos de idade, ele pode identificar em si próprio o processo de demenciação."


 

            Ganhei meu dia! Como se diz em Minas Gerais, mais vale um gosto que um caminhão de abóboras.

 

 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Cristianização

 

 

Cristiano Machado



Centrão aposta em 'cristianização' de Bolsonaro após pesquisa mostrar rejeição de 55%.”

            Adianto ao meu eventual leitor que não estou nem um pouco interessado no fato político em questão. O que me chamou a atenção, quando o vi pela primeira vez – grudei mesmo na palavra –, foi o termo “cristianização”!

            Pensei pensei pensei, busquei alguma associação com o cristianismo, a influência religiosa na política está em alta no momento, talvez algum tipo de doutrinação; mas nada, não encontrei solução para o que parecia um mistério para mim.

Até que deparei hoje com o texto de Gerson Camarotti, para o g1 (15 dez 2021): “No jargão eleitoral, termo 'cristianização' é usado quando candidato é abandonado pelos próprios aliados”.

Afirma o comentarista político: “Pesquisa caiu como uma bomba sobre avaliação do governo Bolsonaro. Lideranças de partidos do Centrão ouvidas pelo blog já trabalham com o cenário de "cristianização" da candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, diante da rejeição recorde do governo.”

 E Camarotti explica: “Trata-se de uma referência aos anos 1950, quando o então candidato à Presidência Cristiano Machado foi traído pelos companheiros de PSD, que optaram por apoiar Getúlio Vargas, do PTB.” 

            Fui conferir na Internet e encontrei que “Cristiano Monteiro Machado (Sabará, 1893 - Roma, 1953), filho de Virgílio Machado e de Marieta Monteiro Machado, formou-se Bacharel pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro em 1918. Foi prefeito de Belo Horizonte de 1926 a 1929 e concorreu à Presidência da República em 1950 pelo PSD. As principais chapas concorrentes foram as de Eduardo Gomes - Odilon Braga, da UDN, e Getúlio Vargas - Café Filho, da aliança PTB-PSP.”

O Partido Social Democrático acabou apoiando Getúlio Vargas. Cristiano Machado insistiu em se candidatar, mesmo sem o apoio do partido, o que deu origem ao termo "cristianização", quando o candidato é abandonado pelo seu próprio partido para apoiar outro nome de maior peso.

Em 1953 Machado foi nomeado embaixador do Brasil no Vaticano, mas faleceu um pouco depois, em Roma.

 

Ao término desta crônica, fico com a impressão que somente eu não conhecia essa história. Santa ignorância!

 

 

https://g1.globo.com/politica/blog/gerson-camarotti/post/2021/12/15/centrao-aposta-em-cristianizacao-de-bolsonaro-apos-pesquisa-mostrar-rejeicao-de-55percent.ghtml

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cristiano_Machado

 

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Mais uma narrativa



“Palavras em voga na língua, em detrimento 
de outras até há pouco usuais” - Ruy Castro

 

 

Poucas coisas são tão vivas quanto a língua que falamos. Ela muda com velocidade de um raio, e basta um raio para que surjam palavras novas, para que palavras velhas ganhem novos significados, sem contar a inevitável intromissão das línguas estrangeiras, sempre tentando furar nosso teto linguístico.

            Os mais jovens criam com naturalidade e sem-cerimônia novos usos para as palavras; os mais velhos, os rabugentos, possuídos pela ‘missão de preservar a pureza da língua’, reagem vociferando em vernáculo puro. De nada adianta reagir.

            Foi o que aconteceu recentemente com a palavra ‘narrativa’. (Tenho a impressão de que a CPI da Covid, realizada pelo Senado Federal, acabou por selar a mudança, depois da narrativa ser empregada milhões de vezes em cada sessão.) Bom rabugento que sou, tomei por ela pavorosa ojeriza. 

            O grande Ruy Castro escreveu sobre o assunto hoje na Folha de S.Paulo, com a precisão de sempre. 

 

“Narrativa, até há pouco, era uma narração, uma história, um conto. "Os Lusíadas", de Camões, era uma narrativa poética; "Dom Casmurro", de Machado de Assis, uma narrativa de ficção; "Os Sertões", de Euclides da Cunha, uma narrativa histórica. Mas a palavra caiu para a 2ª divisão. Narrativa é agora uma história fabricada, que se tenta impor como verdade, e assim a tratam os políticos. Quando um deles é acusado de roubar ou mentir, diz que isso é uma "narrativa". Claro que essa resposta também é uma "narrativa".

 

            Narrativa virou sinônimo de mentira! Adotaram o novo significado políticos, comentaristas de política e, por que não, cronistas e desocupados... E salve salve a língua brasileira! 

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/12/chovendo-pacas-nao-o-bicho.shtml

 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Linguagem neutra 2

 

Há dois dias postei nesse blog texto sobre a linguagem neutra. A certa altura, escrevi: Agora Começo A Ficar De Orelha Em Pé! Nunes Marques é o relator; a AGU é contra; o Ministério da Educação também é contra; melhor pensar sobre o assunto. Não deu outra!

http://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/12/linguagem-neutra.html

 

            Leio hoje em O Estado de S.Paulo que “Kassio Nunes suspende julgamento sobre linguagem neutra nas escolas”, matéria de Weslley Galzo. 

      O ministro Kassio Nunes Marques retirou o julgamento do plenário virtual, para ser votado presencialmente na Corte. Com o recesso do Poder Judiciário no próximo dia 17, o tema só deverá ser analisado em 2022.   

      Informa Galzo: “a pauta insufla o discurso do presidente Jair BolsonaroLing, que nesta terça-feira, 7, afirmou que o vocabulário neutro “dos gays” “vai estragando a garotada”. 

      “A chamada 'linguagem neutra' ou ainda 'linguagem inclusiva' visa a combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro. A sua adoção tem sido frequente sobretudo em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais”, afirmou Fachin. “Sendo esse o objetivo da linguagem inclusiva, é difícil imaginar que a sua proibição possa ser constitucionalmente compatível com a liberdade de expressão”, completa.  “Sem liberdade de ensino e de pensamento não há democracia”. 

 

      Fiz bem em manter a orelha em pé!

 

 

https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,kassio-nunes-suspende-julgamento-sobre-linguagem-neutra-nas-escolas-entenda-a-discussao-no-stf,70003920502

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Linguagem neutra

 

 

Em postagem de julho último comentei o texto do Museu da Língua Portuguesa, convidando "todas, todos e todes os falantes, ou não, do nosso idioma", para a auspiciosa abertura do Museu. Meu comentário à época foi: para mim, todos ainda representa todos.

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2021/07/todes-contra-ou-favor.html

            Leio hoje (7 dez 2021) matéria de Arthur Leal, André de Souza e Pâmela Dias em O Globo, com o título 'Linguagem neutra': o dialeto de não-binários que professores querem debater em sala de aula, e Resolvi Pensar Melhor Sobre O Assunto.

            Os autores destacam que, antes mesmo que as escolas pudessem discutir a questão, uma enxurrada de projetos surgiu em todo o país, contra o uso de linguagem neutra, o que sugere forte preconceito. O tema já está no Supremo, a pedido de professores, “para que não haja interferência externa nos debates acadêmicos”, e já teve parecer favorável do ministro Édson Fachin.

Segundo o artigo, “para especialistas, a língua portuguesa não sofre ameaça e a possibilidade de inclusão pela linguagem não pode ser ignorada. A tese é defendida na ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) apresentada no Supremo contra um projeto do governo de Rondônia, que proíbe o tema nas unidades de ensino, e pode vir a orientar a forma como ele passará a ser tratado daqui para frente.” 

O voto apresentado por Fachin afirma: “A chamada linguagem neutra ou ainda linguagem inclusiva visa a combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro”.

Ainda no Supremo, o PT questionou um decreto de Santa Catarina que “proíbe novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas”, nos concursos públicos e documentos oficiais. O ministro relator Nunes Marques solicitou parecer da PGR e AGU. A AGU defendeu o decreto catarinense, citando manifestação do Ministério da Educação também contrária. “As modificações da linguagem neutra, por serem alheias ao uso corrente da língua, são alheias ao cotidiano de crianças, jovens e adultos”, alegou a AGU.

Agora Começo A Ficar De Orelha Em Pé! Nunes Marques é o relator; a AGU é contra; o Ministério da Educação também é contra; melhor pensar sobre o assunto.

O professor Gilson Reis, diretor da Contee, afirma que “leis como a de Rondônia têm mais a ver com questões políticas e ideológicas. Sabemos que, na prática, a linguagem neutra é algo profundamente difícil de ser implementado, porque teria, por exemplo, de flexionar todas as palavras já existentes.” 

Para Rodrigo Borba, linguista coordenador do programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ, “a linguagem neutra não representa risco ao português. É uma forma de demonstrar respeito a pessoas que não se identificam com o gênero masculino ou feminino. Funciona como se fosse uma gíria, mas que é importante para demonstrar pertencimento e respeito a um grupo. Mudar a língua é um processo histórico, que não vai acontecer tão cedo.”

Brune Medeiros, 23, que começou a se reconhecer como uma pessoa trans não-binária em 2016, “acredita que não existe uma separação marcada somente pelo masculino e feminino que contemple a forma como se enxerga no mundo. Na Faculdade de Letras da UFRJ, Brune descobriu a oportunidade de contribuir para o debate da linguagem neutra, uma proposta de adaptação da língua portuguesa para que as pessoas não binárias se sintam representadas. Assim, “amigo” ou “amiga” virariam “amigue”, segundo uma das propostas. Ela difunde o conceito de que “a proposta da linguagem neutra não é mudar o português, mas permitir que pessoas como ela se sintam representadas”.

 

            Depois de identificar o preconceito em mim, registrado na postagem anterior, concluo: não sofro de qualquer influência política ou ideológica ligada o tema; gosto da ideia de que a língua portuguesa, pátria de todos nós, não estará ameaçada; a linguagem neutra parece estranha (“alheia ao cotidiano”), mas penso que podemos aprendê-la; respeito as pessoas autodenominadas não-binárias; se a linguagem neutra faz bem a elas, tudo bem para mim. 

      Reescrevo, portanto, a frase da postagem anterior: 

      – Espero que todes estejam representados e satisfeitos. Ups!, ou devo dizer, representades e satisfeites?

 

https://oglobo.globo.com/brasil/linguagem-neutra-dialeto-de-nao-binarios-que-professores-querem-debater-em-sala-de-aula-25308322

 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Paulina Chiziane ganha o Camões


Paulina Chiziane

Foto: Otávio de Souza/Wiki Commons

 

 

Prêmio Camões 2021 vai para a moçambicana Paulina Chiziane (Publishnews, Redação, 21 out 2021).

A escritora moçambicana Paulina Chiziane, 66 anos, é a primeira mulher africana a vencer o prêmio, e leva para casa 100 mil euros. Ela também é reconhecida como uma das pioneiras da literatura de seu país.

O anúncio foi feito pela Biblioteca Nacional no início da tarde da última quarta-feira (20). 

“A importância que Chiziane dá em seus livros aos problemas da mulher moçambicana e africana e seu trabalho recente de aproximação aos jovens foi lembrado pelos jurados.”

“Paulina é hoje uma das vozes da ficção africana mais conhecida internacionalmente, sendo também a primeira mulher a publicar um romance por lá, a obra Balada de amor. Por aqui, a Dublinense lançou em 2018 O alegre canto da perdiz, que aborda a situação precária das negras em Moçambique, e a Companhia das Letras lançou este ano, uma nova edição de Niketche: Uma história de poligamia, que conta a história de uma mulher que decide procurar as outras mulheres de seu marido, depois de descobrir que elas existem.”

Precisamos ler Paulina Chiziane!  

 

https://www.publishnews.com.br/materias/2021/10/21/premio-camoes-2021-vai-para-a-mocambicana-paulina-chiziane

 

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Dicionário Histórico do Português do Brasil



Dicionário Histórico do Português do Brasil


Maria Tereza Camargo Biderman (in memoriam)
Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa

 

Disponível em: 

http://dicionarios.fclar.unesp.br

 

 

 




Interessantíssimo! Vale a pena conhecer.


quinta-feira, 26 de agosto de 2021

África e a Língua Portuguesa




 

Para os que amam as palavras, eis um fragmento de Escravidão, de Laurentino Gomes, que não me canso de elogiar:

 

“Provavelmente nenhum outro aspecto da civilização brasileira foi tão afetado pela presença africana quanto a própria língua portuguesa. Em um dos trechos mais inspirados do seu Casa-grande & senzala, ao tratar da africanização dos hábitos e costumes do Brasil colonial, incluindo o próprio idioma, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre perguntava:

 

Que brasileiro, pelo menos do Norte, sente algum exotismo em palavras como caçamba, canga, dengo, cafuné, lubambo, mulambo, caçula, quitute, mandinga, moleque, camundongo, moganga, cafajeste, quibebe, quengo, batuque, banzo, mucambo, banguê, bozô, mocotó, bunda, zumbi, vatapá, caruru, banzé, jiló, mucama, quindim, catinga, munguzá, malungo, berimbau, tanga, cachimbo, candomblé? [...] São palavras que correspondem melhor que as portuguesas às nossas experiências, ao nosso paladar, aos nossos sentidos, às nossas emoções.”

 

 

In Escravidão, volume II

Laurentino Gomes, 

Globo Livros, 2021, p. 258. 

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Museu reaberto!

 


“Nos lares de Goa, na Índia, ou Macao, nas escolas do Timor Leste, nas ruas de Angola e Moçambique, nas praias do Brasil e em tantos outros lugares ressoa a cadência — por vezes mais aberta, em outras, mais anasalada — do português, uma das poucas línguas do mundo que é oficial em algum país de quase todos os continentes, com exceção da Antártida e Oceania. 

           Não à toa, o documentarista Victor Lopes abre seu filme Língua: vidas em português (2001) com a seguinte constatação poética: “Todas as noites, 260 milhões de pessoas sonham em português”. 

           Essa vasta e diversa comunidade de lusófonos está contemplada no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, que finalmente reabre as portas neste fim de semana depois de ficar fechado desde 2015, quando um incêndio destruiu parte de sua estrutura. Uma reabertura que traz esperança na sobrevivência do patrimônio cultural brasileiro dias depois de que as chamas ameaçaram outro precioso acervo do país, o da Cinemateca Brasileira.”

 

           Que acabe logo a pandemia para que possamos todos visitar o Museu da Língua Portuguesa!


https://brasil.elpais.com/cultura/2021-08-01/mil-e-uma-maneiras-de-falar-portugues-o-idioma-dos-sonhos-de-260-milhoes-de-pessoas.html

 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

É hoje!

 



Em comemoração ao dia de hoje, publico a primeira página do Grande Sertão: Veredas, do grande João Guimarães Rosa. É o livro mais lindo que já li, reli, tresli, e nunca deixo de me espantar! Mas, "pão ou pães, é questão de opiniães..."



segunda-feira, 3 de maio de 2021

Dia Mundial da Língua Portuguesa 2

 

Inicío hoje minha homenagem à Língua Portuguesa, nossa verdadeira pátria. Para tal, escolho o texto que mais me impressiona, já registrado em nosso idioma. Cada um pode escolher seu preferido, bons autores não nos faltam.










Dia Mundial da Língua Portuguesa


 

O Dia Mundial da Língua Portuguesa será celebrado no próximo dia 5 de maio. 

“A data foi criada como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a 20 de julho de 2009, por resolução da XIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da CPLP, decorrida na cidade da Praia, Cabo Verde.

Posteriormente, em 25 de novembro de 2019, a data foi instituída pela UNESCO como Dia Mundial, tornando o idioma português o primeiro no mundo a ter uma data oficial reconhecida pelo órgão da ONU. 

O português é língua oficial de nove países (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste), além da Região Administrativa Especial de Macau (China), e estima-se que seja falado por mais de 265 milhões de pessoas, sendo o idioma mais utilizado do hemisfério sul. A criação da data faz parte de uma estratégia de internacionalização da língua adotada pela CPLP, e busca aumentar o interesse pelo idioma também em áreas não-lusófonas.”

Vamos comemorar!

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Mundial_da_L%C3%ADngua_Portuguesa

 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Ponto e vírgula

 




Ponto e vírgula é legal; não é? Este o título da ótima coluna de Sérgio Rodrigues para a Folha de ontem (14 abr 2021). 

Afirma ele: “O ponto e vírgula (;) é, como se sabe, sujeito singular, apesar do disfarce desse “e” no meio; um sinal de pontuação que vem a ser uma cópula de sinais, ponto em cima, vírgula em baixo; meio a meio, e inteiramente fora de moda. ...Na vida real, o ponto e vírgula que Machado de Assis amava — o que basta, óbvio, para garantir sua imortalidade enquanto o português brasileiro existir — não foi muito bem tratado pelo século 20. O estilo modernista deu início à sua rejeição, identificando-o com afetações bacharelescas; e na segunda metade do século a língua objetiva e direta da imprensa moderna completou o serviço, condenando-o ao relativo ostracismo de hoje.”

Pois eu uso e abuso do ponto e vírgula, é só prestar atenção à maioria dos textos desse blog. Eu adoro! Penso que foi a praga das frases curtas popularizada por Ernest Hemingway que colaborou decisivamente para o sumiço deste sinal; impossível utilizá-lo no estilo literário que denomino escrever aos soluços. Reconheço que a leitura fica mais fácil, mas perde em qualidade literária.

Talvez a perda seja cultural, como assinala Rodrigues; como abr em vez de abraço; bj em vez de beijo; tbm em vez de também; vosmecê nem pensar, agora é vc; a lista é interminável. A implacável lei do menor esforço? Talvez, mas com isso vamos perdendo as verdadeiras palavras. (Fico pensando se quem assim escreve, também pensa assim, abreviadamente. Não me sinto abraçado com um abr.)

Sem falar dos emogis! É polegar para cima, polegar para baixo, cara séria, riso discreto, gargalhada, chororô, mãozinhas batendo palmas. Por que não aplaudir com palavras?! (Quem pensa através dessas figurinhas, pensa de maneira pobre, ou nem pensa.)

Estou por fora, ou fora de moda? Machado de Assis está fora de moda? Temos poucas coisas tão preciosas quanto nossa língua; por quê abrir mão dela em troca de quase nada?

      Rabugices do velho blogueiro?


 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergio-rodrigues/2021/04/ponto-e-virgula-e-legal-nao-e.shtml

 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Um dia chegarei a Sagres: outra crítica


 

Miguel Sanches Neto escreve a resenha do Um dia chegarei a Sagres, de Nélida Piñon, para a Edição 249 (jan 2021) de O Rascunho. Destaco pequeno trecho, que comento em seguida.

 

“Narrado em primeira pessoa masculina, o romance se constrói a partir de retomadas constantes de fatos da infância do narrador e da História, que se misturam. O recurso de uma espécie de estribilho narrativo marca toda a obra, que se afasta dos meios da prosa para se aproximar dos meios da poesia. É em uma língua portuguesa excessivamente literária, que se quer maior do que os fatos, em uma épica contemporânea, sem deixar de cair no caricaturesco, que Nélida explora a identidade portuguesa enquanto idioma. A preferência pelos pronomes em posição de ênclise, o uso desbragado de metáforas e o tom heroico das frases buscam dar ao livro uma monumentalidade para evocar o valor textual da tradição camoniana. Assim, os capítulos se sucedem com um pequeno avanço do conflito, preso a passagens já narradas, que retornam constantemente. Com isso, percebemos que a viagem de ida é uma viagem de volta pela memória, e o que se afasta é também aproximação.”

 

            Confesso que ainda estou com o livro de Nélida na cabeça, um mês depois de terminada a leitura. Há coisas boas e coisas não tão boas no livro, penso; ao mesmo tem não me julgo capaz de uma crítica bem fundamentada. Por isso busco opiniões diversas, como esta que aqui apresento.

            Destaco no trecho de Sanches Neto a frase: “É em uma língua portuguesa excessivamente literária, que se quer maior do que os fatos”. Se compreendi bem, concordo plenamente; a escrita é tão importante que parece não necessitar da história, da narrativa do protagonista feita na primeira pessoa.

              Outra observação interessante de Sanches Neto: a escrita “se afasta dos meios da prosa para se aproximar dos meios da poesia”. Em outras palavras: nem prosa, nem poesia. Não há dúvida de que em alguns momentos surge o que se denomina prosa poética, e em grande estilo; em outros momentos, excesso de palavras.

            Mateus sai do norte de Portugal e para em Lisboa, onde nada acontece; apenas a língua “excessivamente literária” permanece. Em Sagres, pouca coisa acontece. No retorno a Lisboa é preciso terminar o livro, já com 500 páginas, e então a narrativa se adensa, ganha corpo, apresenta algo de concreto, mesmo que se trate de sentimentos.   Concordo que a autora abusa dos “pronomes em posição de ênclise”.

Mais não reencontrei na boa resenha de Sanches Neto que valha a pena comentar.

 

 

 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Epítetos presidenciais

 

A assunto tem sido recorrente neste blog, tanto mais que o blogueiro adora listas. Refiro-me ao costume que se difundiu amplamente, o de xingar o presidente; além de enriquecer o vocabulário do leitor, serve para extravasar nossa indignação diante dos desmandos, da insanidade, de tanta incompetência. Quando o casal presidencial inaugurou a exposição pública dos trajes usados na posse, este blog apresentou a lista de epítetos cabíveis.

https://loucoporcachorros.blogspot.com/2020/12/qual-melhor-legenda.html

            Hoje quem traz sua lista é o grande Ruy Castro, para a Folha de S.Paulo: Novos xingamentos contra Bolsonaro - A pecha de corruptor, covarde e traidor se junta às outras para definir o pior presidente do país (26 jan 2021). Ruy escreve:

 

“Desde sua posse, Jair Bolsonaro já foi chamado de cretino, grosseiro, despreparado, irresponsável, omisso, analfabeto, homófobo, mentiroso, escatológico, cínico, arrogante, desequilibrado, demente, incendiário, torturador, golpista, racista, fascista, nazista, xenófobo, miliciano, criminoso, psicopata e genocida. Os autores dessas desqualificações são cidadãos comuns que escrevem mensagens para os jornais, produzem memes e entopem as redes sociais. Está tudo registrado e seria divertido ver o governo processar tal multidão.”

 

            Ruy acrescente: “Mas é inútil, porque nada ofende Bolsonaro. Ele se identifica com cada desaforo. Afinal, foi quem rebaixou o Brasil ao nível de estrebaria de quartel... Nos últimos dias, Bolsonaro ganhou dois novos epítetos populares. Um, o de covarde, ao jogar a culpa por seus crimes nos ministros que ele mesmo escolheu e doutrinou. Outro, e que só agora começa a ser percebido por seu próprio público, o de traidor, ao se pôr de quatro diante dos países, pessoas e instituições que ele ordenou odiar.”

            E a lista cresce sem parar!

            

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/01/novos-xingamentos-contra-bolsonaro.shtml

 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Machado para adolescentes


Antonio Candido

Felipe Neto provocou rebuliço nas redes sociais neste sábado (23 jan 2021), ao utilizar a corrente “Crie uma treta literária e saia”, no Twitter, para afirmar que “indicar livros clássicos como os de Álvares de Azevedo e Machado de Assis nas escolas contribuiu para que muitos adolescentes tenham aversão à leitura.”
          Ele acrescenta: “Forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis não são para adolescentes! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco.”

A postagem teve mais de 32 mil curtidas e 11 mil comentários, com participação de “especialistas em linguística concordando com o youtuber e muitos leitores revoltados com os argumentos usados por ele na discussão.” 

De antemão, me declaro incompetente para discutir o assunto. Só posso falar de minha experiência pessoal. Criamos, eu e meus irmãos, o hábito da leitura com Monteiro Lobato – leitura fácil, interessantíssima, a prender nossa atenção como se aquilo fosse realidade e não ficção, marca que perdurou pela vida inteira. No ginásio, tivemos o melhor professor de português possível, de nome Afonso, rígido, a cobrar a memorização de um poema por semana e a leitura de um livro (aprovado por ele) por mês. Líamos então Machado de Assis e Álvares de Azevedo.

Era chato? Às vezes era chato. Mas matemática, história, latim, música, e tantas outras disciplinas também poderiam ser enfadonhas em determinados momentos. Não deixamos de estudá-las por isso.

Entrar em contato com Machado já era importante, mesmo que não pudéssemos alcançar um cisco de sua genialidade.

Porém, minha experiência pessoal só vale para mim, não serve de argumento contrário ou a favor do tema em discussão. Me amparo em  autoridade no assunto: no ensaio “O Direito à Literatura”, Antonio Candido já explicava a importância do ensino curricular e democrático da literatura nas escolas:

 

“Por isso é que em nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. [...] Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.

 

        Nada a acrescentar. Mas um bom professor pode ajudar muito!

 

https://jovempan.com.br/entretenimento/famosos/felipe-neto-critica-indicacao-de-livros-classicos-para-adolescentes-e-gera-polemica.html

 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Prêmio Camões 2020

 


Vítor Aguiar e Silva, teórico português, é o vencedor

do Prêmio Camões 2020  Foto: Universidade de Coimbra

 

Vítor Aguiar e Silva, professor, teórico e escritor português foi o ganhador do Prêmio Camões 2020, anúncio feito pela ministra da Cultura de Portugal, Graça Fonseca. 

Vítor Aguiar e Silva é pesquisador da literatura portuguesa dos séculos 16 e 17, bem como da obra de Luís de Camões e das metodologias literárias. 

“A atribuição do Prêmio Camões a Vítor Aguiar e Silva reconhece a importância transversal da sua obra ensaística, e o seu papel ativo relativamente às questões da política da língua portuguesa e ao cânone das literaturas de língua portuguesa”, explica a ata do Prêmio.” 

 

https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,portugues-vitor-aguiar-e-silva-e-o-premio-camoes-2020,70003491036

 

 

O Prêmio Camões, criado em 1988, elege a cada ano um escritor de um país onde a língua portuguesa é oficialmente falada.

Adoro listas!

 

Lista de brasileiros ganhadores do Camões: 

 

João Cabral de Melo Neto (1990) 

Rachel de Queiroz (1993)

Jorge Amado (1994)

Antonio Candido (1998) 

Autran Dourado (2000) 

Rubem Fonseca (2003)

Lygia Fagundes Telles (2005)

João Ubaldo Ribeiro (2008)

Ferreira Gullar (2010)

Dalton Trevisan (2012)

Alberto da Costa e Silva (2014)

Raduan Nassar (2016)

Chico Buarque (2019)

 

De Portugal foram premiados: 

 

Miguel Torga (1989)

Vergílio Ferreira (1992)

José Saramago (1995)

Eduardo Lourenço (1996)

Sophia de Mello Breyner Andresen (1999)

Eugénio de Andrade (2001)

Maria Velho da Costa (2002)

Agustina Bessa-Luís (2004)

António Lobo Antunes (2007)

Manuel António Pina (2011)

Hélia Correia (2015)

Manuel Alegre (2017) 

 

Os escritores africanos:

 

José Craveirinha (Moçambique, 1991)

Pepetela (Angola, 1997)

José Luandino Vieira (Angola, 2006, recusou)

Arménio Vieira (Cabo Verde, 2009)

Mia Couto (Moçambique, 2013)

Germano Almeida (Cabo Verde, 2018) 

 

https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,vencedor-do-premio-camoes-sera-anunciado-nesta-terca-27-veja-quem-ja-ganhou,70003489623

 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Peso da palavra

 

Há poucos dias assistia um bom jornal de conhecido canal de tevê quando uma das comentadoras utilizou-se da palavra “denegrir”, e usou adequadamente, bem inserida no contexto em questão, que por sinal não se referia de modo algum a problemas raciais. Veio o intervalo, se não me engano, ou o comentário de outro jornalista, fato é que a primeira comentadora pediu a palavra e disse, muito constrangida, aproximadamente o seguinte:

         “– Acabo de receber aqui pelo ponto [o microfone inserido na orelha] a informação que utilizei a palavra denegrir. Foi um lapso [ou coisa parecida], erro meu, peço desculpas, às vezes a gente erra mesmo.”

         O mediador ou âncora do jornal ainda deu força à comentadora, “É isso mesmo, todo mundo de vez em quando erra”. Seguiram-se outras notícias, não se falou mais no assunto.

Desde então continuo matutando: estão quer dizer que a palavra denegrir está proscrita de nosso vocabulário! Proibidíssima!

Vejamos o que registra o Caldas Aulete Digital:

 

Denegrir:

1. Fig. Manchar ou infamar (a honra [de]); tornar (algo ou alguém) desacreditado; CONSPURCAR: Invejoso, vive a tentar denegrir o caráter do bom homem: "Revoltava-me ler o que dele se dizia, na ânsia de denegri-lo, a despeito de tudo quanto havia realizado." (Josué Montello, Sempre serás lembrada).

2. Fazer(-se) negro ou escuro: A poluição denigre as paredes: Com o tempo denigrem-se as pinturas.

[F.: de- + rad. pop. negr - (< negro) + -ir. Tb. denigrir (f. erudita).]

 

Vamos à etimologia: 

 

"Denegrir" vem do latim "denigrare", que por sua vez vem da junção das palavras "de" e "niger", significando "mais" e "negro". O significado original de "denegrir", portanto, seria "tornar escuro" ou "manchar". Por associação temos também, hoje, a significação "difamar". 

 

         É aí que as coisas começam a complicar: o sentido figurado de “difamar”, porque vem do escuro, do negro, gera a conclusão óbvia, porém “errada”, que denegrir significa difamar o negro, as pessoas de raça negra.

         A frase “denegrir significa difamar o negro” traduz uma ideia. Mas as palavras não encerram ideias, mas sim, significados, às vezes múltiplos. Para que uma palavra exprima uma ideia é preciso analisá-la dentro do contexto em que está sendo empregada. Considerar a palavra apenas por sua etimologia, fora de qualquer contexto, isso sim, gera preconceito. O dicionário registra: denegrir = fazer (-se) negro ou escuro. Apenas isso. Não há qualquer ideia nessa simples palavra.

O ramo da Linguística que estuda como as palavras se comportam dentro de um contexto é denominado Pragmática. “A Pragmática estuda a linguagem no contexto de seu uso na comunicação. A pragmática está além da construção da frase, objeto da sintaxe, ou do seu significado, objeto da semântica. A pragmática estuda essencialmente os objetivos da comunicação.” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Pragmática)

 

         Ora, se a jornalista utilizou “denegrir” dentro de um contexto adequado, sem qualquer ligação com ideias racistas, não há por que pedir desculpas. Talvez ela deva pedir desculpas à Língua Portuguesa.

         Reconheço, entretanto, que eventual leitor desse meu texto possa viralizar o denegrimento de minha pessoa, só porque amo as palavras.

         

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Considerações sobre a palavra arroubo

A palavra arroubo me intriga. Os mais diferentes dicionários registram que se trata de manifestação repentina de entusiasmo; êxtase, enlevo, manifestação ou expressão súbita de intensa êxtase; arrebatamento; expressão ou demonstração de êxtase, de enlevo ou de encanto; num arroubo de felicidade; sensação de contentamento causada por uma grande admiração ou felicidade.

            A etimologia da palavra parece ser obscura. O grande Deonísio da Silva não faz referência a ela em De onde vêm as palavras (Ed. Novo século). Antônio Geral de Cunha, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (Ed. Lexicon), registra o verbo arroubar, extasiar-se, enlevar-se, arrebatar-se; do castelhano arrobar, ligado a robar, roubar. 

Roubar o quê e de quem?

Já o bom Dicionário inFormal registra como Sinônimos de arroubo:  

 

arrebatamento anagogia encantamento enlevo entusiasmo 

excitação êxtase focagem furor ímpeto incandescência ira raiva 

rapto rompante transporte encanto amenidade atrativo beleza 

charme deleite deslumbramento fascinação graça imã magia 

mágica sedução suavidade tetéia ebriedade embevecimento 

embriaguez admiração espasmo condução translação trasladação delírio vôo suspensão

 

            Chamo a atenção do leitor para os sinônimos iraraivarompante. São eles que me interessam nessa pequena crônica. (Façamos o desconto necessário: sinônimos perfeitos não existem; cada palavra tem seu próprio e único significado.)

Sempre acreditei que a palavra arroubo carregasse uma boa porção de raiva e rompante, que surgem do inconsciente. Rompante implica reação. E reação muitas vezes como resposta inconsciente, automática, deflagrada por determinado estímulo sobre o qual não temos controle naquele momento em que ele é disparado. A tal resposta chamo de arroubo. 

            Passado o arroubo, podemos pensar sobre ele. Se arroubo significa tão somente manifestação repentina de entusiasmo, não há muito o que dizer sobre isso, é apenas enlevo, encanto. (O que não é pouco.)

            Quando é rompante, com raiva, furor e ímpeto, trata-se de algo oriundo do próprio sujeito, daquele que rompe, e não daquele que é atingido pelo arroubo. Entretanto, ambos podem tirar proveito do ocorrido, desde que possam pensar. O autor do rompante, se puder, fará então profunda autocrítica: por que reagir daquela forma? O alvo do arroubo poderá considerar tanto as razões do outro como sua própria maneira de ser, vítima de um rompante.

            O roubo, de que fala a etimologia, talvez se refira à capacidade de pensar: o ego é roubado da função fundamental que lhe cabe, a capacidade de pensar. Em vez de pensar surge o arroubo.

         Por que razão haverá de me intrigar a palavra arroubo?