terça-feira, 16 de maio de 2017

Amós Oz e o bom leitor


            Todos que se interessam pela Literatura algum dia já enfrentaram a questão: o que é um bom leitor? E, em oposição, um mau leitor, o que é?
            Pois Amós Oz, em seu magnífico livro De amor e trevas (Companhia das Letras, 2005), trata do assunto logo no quinto capítulo, e de uma forma brilhante, intensa, arrebatadora, violenta mesmo.

“O mau leitor é um tipo de amante psicopata que pula em cima e rasga a roupa da mulher que cai em suas mãos. E quando ela já está completamente nua, ele continua em sua sanha e arranca sua pele, impaciente, joga fora sua carne e, por fim, quando já está chupando seus ossos com os dentes grosseiros e amarelados, só então é que se dá por satisfeito: Cheguei. Agora estou dentro, bem dentro. Cheguei.”

            Mais adiante, Oz explica melhor do que se trata:

“Quem procura a essência de um conto no espaço que fica entre a obra e o seu autor comete um erro: é muito melhor procurar não no terreno que fica entre o escritor e sua obra, mas  justamente no terreno que fica entre o texto e seu leitor.”         

            Oz alerta que, de fato, há também o que procurar entre a obra e o autor; além da pesquisa biográfica, há o que ele chama de “valor mexerical agregado”; afirma que a “fofoca é a prima pobre da literatura”.
            Porém, ele destaca que a essência da leitura se processa entre a obra e o leitor, daí a ideia de que cada leitor lê seu próprio livro. É isso que torna a Literatura este universo tão vasto, quase infinito.
            Tal conceito justifica plenamente – ou vice-versa – a afirmação de Antonio Candido, recentemente falecido, de que “a literatura é, ou ao menos deveria ser, um direito básico do ser humano, pois a ficção/fabulação atua no caráter e na formação dos sujeitos”.
            O que pensar então de um país como o Brasil, com aproximadamente 14 milhões de analfabetos absolutos e 35 milhões de analfabetos funcionais? Segundo o IBOPE (2005), o analfabetismo funcional chega a tingir 68% da população. O censo de 2010 revelou que uma entre quatro pessoas é analfabeta funcional. Na Região Nordeste a taxa chega a 30,8% da população.
            A quantas anda o caráter e a formação desta população? Como esperar que exerçam satisfatoriamente o direito de votar, para escolher seus representantes políticos, dirigentes da nação?
Assim, para onde vamos?


Paula fotógrafa

A foto do dia


Na Grande Barreira de Corais, Austrália

Foto: Paula Vianna, abr 2017.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

De crônicas e cronistas

            
            Quando surge um novo cronista nos jornais de grande circulação  pergunto logo Será que emplaca? Quero dizer, será que o cara é bom?, vai dar conta do recado?, escrever semanalmente não é fácil, escrever bem, semanalmente, é mais difícil ainda, ou vai durar umas poucas semanas, substituído por alguém mais competente?
            Leio esses novatos com interesse e genuína curiosidade, além de exercer o pobre espírito crítico de que disponho. Admito desde já meu sentimento de inveja, pois gostaria de estar no lugar deles e enfrentar o desafio eu mesmo.
            Desta vez me refiro a Marcius Melhem, ator e humorista, agora colunista do caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo, aos domingos. Que responsabilidade, meu deus!
            Pois a crônica de hoje (14 mai 17), Dia das Mães, intitulada Vó Eduarda, pareceu-me ótima! Melhem escreve com correção, o que é fundamental, mas tem boas histórias para contar, o que o torna, até agora, um bom cronista.
            Não é fácil escrever sobre questões familiares (memorialista era o Pedro Nava, que já morreu), além do que tais histórias são limitadas. Mas a da Vó Eduarda vale a pena conferir.
            Vó Eduarda, com cinco filhos, o mais novo com dois meses, moradora de Nilópolis, Rio de Janeiro, nos idos de 1930, separou-se do marido para viver um grande amor: foi morar com Olga, com quem viveu grande paixão durante 40 anos.
            Que história! O leitor não precisa de mais nada para ensolarar sua manhã de domingo.
Parabéns, Marcius Melhem.






sábado, 13 de maio de 2017

Empatia projetada

Há pouco mais de um mês este blog tratou de tema de grande interesse, sob o título Empatia em xeque. (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2017/03/empatia-em-xeque.html)
O psicólogo canadense Paul Bloom (Professor de Psicologia na Universidade Yale) fez afirmação bombástica, a de que a “Empatia piora o mundo”.  
            Agora surge o texto de Ferran Ramon-Cortés (diplomado em Administração de empresas e especialista em Comunicação) no El País (6 - mai - 2017), Os riscos da empatia projetada, a falsa sintonia que pode machucar. Ele inicia com o pertinente relato de caso:

“Tenho um amigo que foi operado do coração um ano atrás. Era uma cirurgia simples e de pouco risco, realizada com o uso de um cateter, sem necessidade de nenhuma intervenção maior. Algumas semanas antes do procedimento, ele contou o fato a uma amiga em quem confia muito. Ela, fortemente consternada, lhe disse que imaginava que ele estivesse preocupado (“coração é coração, nunca se sabe”, disse ela), mas ele, com um sorriso, respondeu que não, que, embora uma cirurgia no coração sempre cause forte impacto, aquela era muito simples e quase sem riscos.
Um dia antes da internação, a amiga lhe telefonou.
-- Amanhã será a cirurgia. Como você está?
-- Tudo bem. Preparado – respondeu o meu amigo.
-- Estou perguntando porque, quando você me contou, senti que estava muito preocupado... – acrescentou ela.”

Ramon-Cortés chama o episódio de “erro empático”. A tal amiga, sempre preocupada com tudo e com todos, com a melhor das intenções, expressou o que ela estava sentindo, diante do risco de uma operação cardíaca. A isso o autor chamou de “empatia projetada”, o que não ajuda em nada no relacionamento com o outro, que sentirá que não o entendemos.
Afirmo que, diante do outro, (a) é desejável que possamos perceber suas expressões emocionais; e (b) que o nosso próprio julgamento não contamine aquilo que estamos captando.
A capacidade de percepção pode ser aprendida e aprimorada, o que haverá de influenciar nosso relacionamento com as pessoas. (No exercício da Medicina, o desenvolvimento desta qualidade é considerada fundamental para a boa Relação Médico-Paciente.)
Os julgamentos perturbam nossa capacidade de percepção da realidade alheia e vemos apenas aquilo que queremos ver. De igual modo, é preciso aprender e desenvolver a capacidade de ouvir sem julgar, o que não é fácil.
A análise pessoal pode ser de grande auxílio nesse mister, pois nos apresenta a nós mesmos antes que olhemos para o outro: somos todos humanos, imperfeitos, seres ainda em desenvolvimento, arraigados em muitos aspectos na infância da humanidade. O fundamentalismo religioso talvez constitua-se no maior obstáculo para ouvir sem julgar: a existência de dogmas, o moralismo, o preconceito, impedem nossa isenta percepção da realidade.
Continuemos, pois, pensando a Empatia.




sexta-feira, 12 de maio de 2017

Cândido aforismo


Antonio Candido afirma que “a literatura é, ou ao menos deveria ser, um direito básico do ser humano, pois a ficção/fabulação atua no caráter e na formação dos sujeitos”.