Tenho um amigo inteligentíssimo
que diz, em tom de mofa troça galhofa – e com isso ele deseja diminuir a
importância da literatura nacional –, que o Brasil é um país de contistas. A
canadense Alice Munro, recém ganhadora do Nobel de Literatura, é considerada
uma especialista: ao que me consta, publicou quinze livros de contos, e com
eles foi laureada!
Vai longe a discussão sobre a importância/relevância do
conto e a do romance na Literatura. Quando se trata de um cânone como Machado
de Assis, fica fácil tecer os mais rasgados elogios a um e outro gênero. O
homem era um mestre em ambos. Mas quando se fala, por exemplo, em Dalton
Trevisan (que salto no tempo!), fica claro que estamos a falar de um contista,
também um mestre no gênero dos curtos.
Desde logo advirto, não sou especialista, sou apenas um
apaixonado leitor, de tudo que é bem escrito, especialmente em língua
portuguesa. (De alguns anos para cá, raramente leio uma tradução.) E como
amador irresponsável, vejo com ótimos olhos a contemporânea publicação de
contos em nossa literatura. Não é à toa que proliferam as antologias dos “melhores”
contos brasileiros. (Infelizmente, muitas vezes fica evidente apenas o
interesse comercial em tais publicações.)
Nelson de Oliveira compilou os escritos da Geração 90 –
manuscritos de computador (Boitempo, 2001). Gente de peso, como Marçal Aquino,
Fernando Bonassi, Rubens Figueiredo, Marcelino Freire, Marcelo Mirisola, Luiz
Ruffato, para citar alguns deles. Em seguida, este antologista publica Geração 90 – os transgressores (Boitempo,
2003), com textos especialmente escritos para esta antologia.
Mais
recentemente, o mesmo Nelson publicou Geração zero zero – fricções em rede
(Língua geral, 2011), incluindo os ficcionistas que surgiram na primeira década
do século 21: João Filho, Andréa del Fuego, Daniel Galera, Lourenço Mutarelli,
José Rezende Jr, muitos deles postando sua produção na Internet, de onde se tornaram conhecidos antes mesmo da publicação em livro. Em tempo, José
Rezende Jr. publicou o interessantíssimo Estórias mínimas (7 letras, 2010),
coletânea de microcontos cabíveis no Twitter. (O autor deste blog nutre particular predileção pelos microcontos, e os cultiva sempre que uma boa ideia lhe surge no bestunto.)
Em 2012, o
número 9 da prestigiosa revista Granta (em português), consagrada
internacionalmente, teve como título Os melhores jovens escritores brasileiros
(Ed. Objetiva), trazendo nomes como Michel Laub, Laura Erber, J.P.Cuenca, Luisa
Geisler, Ricardo Lísias, Tatiana Salem Levy.
Há três
autores, nem tão conhecidos assim, que gostaria de citar individualmente, pela
qualidade excepcional de seus textos: Ronaldo Cagiano, com Dicionário de
pequenas solidões (Língua geral, 2006); Cesar Cardoso, com As primeiras pessoas
(Oito e meio, 2012); e Paulo Sergio Viana, com Fica limpo! – quase heresias
(Perse, 2012).
A lista de
antologias e de autores avulsos que se dedicam ao cultivo do conto é interminável, mas não posso deixar de citar a
minha preferida: Mar de Histórias – antologia do conto mundial, de Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai (Nova Fronteira, a primeira edição em
1945, e a terceira em 1980). No prefácio, os autores levantam a questão:
“Que é, afinal, o conto? A etimologia da palavra
sugere de pronto a primeira resposta: o que se conta. Mas nem tudo o que se
conta é conto.”
Aurélio e
Rónai buscam uma definição para o conto, no intuito de diferenciá-lo do
romance, da novela, e concluem:
“Em razão de sua indefinibilidade, suas flutuações
constantes, suas possibilidades inesgotáveis, sua incessante diferenciação, o
conto é, pois um gênero típico que se renova sem cessar.”
Melhor
conceito não pode haver! E, penso eu, a produção da literatura brasileira
contemporânea atesta essa constante renovação. Se chegamos ao Nobel ou não,
esta é uma outra história.