segunda-feira, 18 de julho de 2016

Homenagem em Nice

A foto do dia


Um minuto de silêncio em Nice hoje, em homenagem aos mortos pelo terror.

Freire toca Bach


            O novo CD gravado por Nelson Freire traz repertório exclusivo de Johann Sebastian Bach (1685-1750).
            Destacam-se a Partita No. 4 em ré maior, BWV 828 e a English suite No. 3 em sol menor, BWV 808.
           Grandes interpretações de nosso pianista maior. Em vários momentos, tem-se a impressão de que Nelson Freire toca um instrumento de época! Imperdível.
          Vejamos o que diz João Marcos Coelho, para O Estado de S. Paulo:

"Todo candidato a pianista começa martelando as invenções a duas vozes, passa pelas suítes francesas e inglesas e desembarca no Cravo. Todo pianista na plena maturidade sabe que conquista o público por meio do repertório romântico, mas tem consciência de que, para refazer as forças, é necessário revisitar Bach. Numa de suas mais emocionantes gravações, as ‘final sessions’ de 1991, Claudio Arrau gravou quatro das seis partitas.
Agora, é Nelson Freire que escolhe uma dessas seis partitas, a quarta, para abrir um CD inteiro a Bach. É como se o menino de Boa Esperança refizesse seu itinerário pedagógico. Do alto de seus 71 anos, Nelson promete – e entrega – o essencial. Sente-se isso em cada uma das 23 faixas. É uma sensação preciosa, que todo apaixonado por Bach busca e só encontra muito raramente."


Escola sem ideologia

A crônica de Marcelo Rubens Paiva deste domingo (18 Julho 2016) intituladaComo assim, escola sem ideologia?” pareceu-me indispensável! Vejamos o que ele diz:

“A escola sem um professor de história de esquerda é como uma escola sem pátio, sem recreio, sem livros, sem lanchonete, sem ideias. É como um professor de educação física sem uma quadra de esportes, ou uma quadra sem redes, ou crianças sem bola.
O professor de história tem que ser de esquerda. E barbudo. Tem que contestar os regimes, o sistema, sugerir o novo, o diferente. Tem que expor injustiças sociais, procurar a indignação dos seus alunos, extrair a bondade humana, o altruísmo.”

            Concordo plenamente, mas Paiva esqueceu-se de falar do papel fundamental do professor, o de desenvolver nos alunos o espírito crítico. Impossível que a escola não transmita uma ideologia, mas que os estudantes possam criticá-la com liberdade. Se não enquanto estudantes, mas certamente na vida adulta, quando forem capazes de pensar, e pensar com a própria cabeça.      

            E Marcelo R. Paiva conclui seu artigo com brilhantismo:

“A escola não cria o filho, dá instrumentos. O papel dela é mostrar os pensamentos discordantes que existem entre nós. O argumento de escola sem ideologia é uma anomalia de Estado Nação.
Uma escola precisa acompanhar os avanços teóricos mundiais, o futuro, melhorar, o que deve ser reformulado. Um professor conservador proporia manter as coisas como estão. Não sairíamos nunca, então, das cavernas.”

            É preciso falar sobre Educação, sempre.



olhar


aprender a olhar
para encontrar uma flor
beleza escondida


(Favor clicar para ampliar.)

Foto: A.Vianna, jul 2016, jardim.

Ódio à Psicanálise

Em entrevista publicada no El País (3 JUL 2016) por Borja Hermoso, George Steiner, aos 88 anos, denuncia a má educação que ameaça o futuro dos jovens: “Estamos matando os sonhos de nossos filhos”.
O currículo de Steiner impressiona: professor de literatura comparada, leitor de latim e grego, eminência de Princeton, Stanford, Genebra e Cambridge; vencedor do Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2001; polemista e mitólogo poliglota, autor de livros vitais do pensamento moderno, da história e da semiótica, como Errata — Revisões de Uma Vida, Nostalgia do Absoluto, A Ideia de Europa, Tolstoi ou Dostoievski ou A Poesia do Pensamento, etc.
            Pois ele declara: “Estou enojado com a educação escolar de hoje, que é uma fábrica de incultos e que não respeita a memória”.
            A entrevista é longa, e antes de chegar ao ponto que me interessa, destaco algumas afirmações do filósofo.
O que mais me perturba é o medo da demência. Ao nosso redor, o Alzheimer faz estragos. Então, para lutar contra isso, faço todos os dias exercícios de memória e atenção. [...] Eu me levanto, vou para o meu pequeno estúdio de trabalho e escolho um livro, não importa qual, aleatoriamente, e traduzo uma passagem para os meus quatro idiomas. Faço isso principalmente para manter a segurança de que conservo meu caráter poliglota, que é para mim o mais importante, o que define a minha trajetória e meu trabalho. Tento fazer isso todos os dias... e certamente parece ajudar.”(O Louco chama isso de escrita terapêutica.)
A poesia me ajuda a concentrar, porque ajuda a memorizar, e eu, sempre, como professor, defendi a memorização. Eu adoro. Carrego dentro de mim muita poesia; é, como dizer, as outras vidas da minha vida.”
Vivemos uma grande época de poesia, especialmente entre os jovens. E escute uma coisa: muito lentamente, os meios eletrônicos estão começando a retroceder. O livro tradicional retorna, as pessoas o preferem ao kindle... Preferem pegar um bom livro de poesia em papel, tocá-lo, cheirá-lo, lê-lo. Mas há algo que me preocupa: os jovens já não têm tempo... De ter tempo. Nunca a aceleração quase mecânica das rotinas vitais tem sido tão forte como hoje. E é preciso ter tempo para buscar tempo. E outra coisa: não há que ter medo do silêncio. O medo das crianças ao silêncio me dá medo. Apenas o silêncio nos ensina a encontrar o essencial em nós.”
“O erro é o ponto de partida da criação. Se temos medo de cometer erros, nunca podemos assumir os grandes desafios, os riscos.”
“O dinheiro nunca falou tão alto quanto agora. O cheiro do dinheiro nos sufoca, e isso não tem nada a ver com o capitalismo ou o marxismo. Quando eu estudava, as pessoas queriam ser membros do Parlamento, funcionários públicos, professores... Hoje mesmo a criança cheira o dinheiro, e o único objetivo já parece querer ser rico.”
A entrevista continua, os pontos de vista apresentados pelo filósofo são interessantíssimos, porém, de repente deparo-me com uma surpreendente manifestação de ódio. Perguntado se tinha simpatia pela Psicanálise, Steiner respondeu:

“A psicanálise é um luxo da burguesia. Para mim, a dignidade humana consiste em ter segredos, e a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades me enoja. É como a confissão, mas com um cheque. É o segredo que nos torna fortes, por isso todos meus trabalhos sobre Antígona, que diz: “Posso estar errada, mas continuo sendo eu”. De qualquer forma, a psicanálise está em plena crise. Lembre-se das palavras magníficas de Karl Kraus, o satirista vienense: “A psicanálise é a única cura que inventou sua doença. [...] Freud é um dos maiores mitólogos da história. Mas se trata de ficção. Era um romancista excepcional.”

            Chegamos ao ponto que me interessa. Ao dizer-se enojado – a palavra é forte – penso que Steiner confessa o sentimento de ódio que carrega sobre o assunto. Declarações como esta não são raras. Kafka, contemporâneo de Freud, afirmou que desejava “manter-se o mais longe possível da Psicanálise”. José Saramago, nosso Nobel de Literatura da língua portuguesa, também manifestou idêntica opinião. A lista é longa; agora Steiner, com ênfase impressionante: “...a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades me enoja”.
            Esta frase é emblemática e contem três aspectos interessantes. Primeiro a questão do dinheiro, o devido pagamento ao psicanalista, que com enorme frequência afeta os analisandos. Como todo ser humano, estes só desejam receber, não querem dar nada. Sentem-se explorados pelo analista, que segundo eles, conscientemente ou não, tem a obrigação de atendê-los. Trata-se de manifestação puramente infantil.
            O segundo ponto é o do segredo. Mas que segredo? Os problemas do homem são impressionantemente semelhantes! Quando verbalizados, e então deixam de ser segredos, perdem por completo sua força, interdição, mistério, pecado. Tornam-se fatos banais, corriqueiros, mundanos, comuns a todos os seres humanos. Édipo Rei, de Sófocles, tem mais de 2.400 anos...
            O terceiro aspecto é o da intimidade. O processo analítico gera intimidade entre duas pessoas, e não há nada de errado nisso! Exige sim muito trabalho, tempo, paciência, perseverança, elementos que haverão de trazer benefícios ao funcionamento mental de ambos, permitindo o afloramento das manifestações do inconsciente.
            Wilfred Bion (1897-1979) chamou tais manifestações de “ódio à Psicanálise”. A expressão cai bem diante das declarações de Steiner. A Psicanálise pode não servir a ele, mas por que ignorar o benefício que traz a milhares de seres humanos que padecem de sofrimento psíquico?
            De qualquer modo, vale a pena ler a entrevista de George Steiner.

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/29/cultura/1467214901_163889.htm