quinta-feira, 30 de abril de 2020

E daí


Ramos precisa entregar a crônica semanal ao Diário de Notícias de sua cidade, passam os dias e ele se sentindo completamente estéril, incapaz de juntar A com B, atordoado com os últimos acontecimentos da política nacional, parece o boxeador que leva potente direito em pleno frontal e bambeia, vacila, troca as pernas e cai, é lona é lona é lona, o juiz inicia a contagem regressiva, Ramos tira forças sabe lá de onde e se mantém de pé, porém uma única expressão martela sua mente, persistente, teimosa, impedindo qualquer outra ideia porque só lhe vêm duas palavrinhas aparentemente inocentes, bobas, pueris mesmo, mas que martelam sem cessar – e daí e daí e daí e daí edaí edaí edaíedaíedaíedaíedaíaíaíaíííííííí...  Estarei enlouquecendo? pensou o jornalista.
            Ramos matuta sobre o significado da expressão e daí e a primeira dúvida que surge é se se trata de interrogação ou de interjeição. Lembra-se então de certa canção interpretada pela grande Maysa, autoria de Miguel Gustavo, justamente com o título E Daí? que diz:

Proibiram que eu te amasse
Proibiram que eu te visse
Proibiram que eu saísse
E perguntasse a alguém por ti

Proíbam muito mais
Preguem avisos, fechem portas
Ponham guizos
Nosso amor perguntará:
E dai? E daí?

            Na melancolia dessa letra Ramos encontra algum alívio para sua obsessão e ele mesmo passa a se perguntar, e daí? Não entrego a merda dessa crônica para o jornal e está acabado. E daí?
            A consciência pesa, ele nunca havia descumprido o compromisso nos 27 anos que trabalha para o Diário, respeitadíssimo pelo Editor Chefe e pelos colegas, apreciado pelos assíduos leitores de suas crônicas, ele não pode faltar com o compromisso, é homem de palavra, nunca assinou um cheque sem fundos, como jornalista podia não dizer toda a verdade mas mentir nunca mentia... e daí? Preciso escrever a porra dessa crônica.
            Ramos decide-se então pela paródia, inspirado em Miguel Gustavo:

Proíbam tudo
fechem ruas e pontes
soem alarmes
tranquem as portas
não saiam de casa
o vírus está solto
cuidado com o maligno 
ele mata de todas as formas
pneumonia infarto trombose
mata crianças jovens adultos velhos
principalmente velhos
quem tiver mais de 80 já está morto
não cheguem perto dos velhos
protejam seus avós
tranquem os netinhos
nada de abraços e beijinhos
daqui pra frente é tudo virtual
mesmo assim morre gente
morre gente
morre gente
morre gente
os cemitérios lotados
caixões empilhados
empilhados
empilhados
empilhados
morte solidão
morte indigna 
sobre-humano sofrimento
horror horror horror
e diante da tragédia
alguém pergunta
alguém exclama
– e daí?!

            O jornal publica o texto no alto da primeira página e Ramos é carregado nos ombros da multidão que se aglomera em frente à Redação. E daí.



Em tempo, Ramos recomenda fortemente que os leitores do Louco ouçam a interpretação de Maysa:

https://www.youtube.com/watch?v=OZujyvU0abc




Por quê?


O esmero com a verdade e o gosto pela boa comunicação devem ter sido o princípio. Sentia prazer em transmitir mensagens claras e fieis à realidade, ser um mediador confiável com mínimo ruído e boa síntese. Armei a vela para pegar esse vento.
Para mim, o conteúdo era o principal e a mensagem teria que acrescentar conhecimento, ser útil. Grande engano. A essência é a forma, a beleza, a fluidez. Tive que navegar em águas desconhecidas.
As tintas e as perspectivas importam mais do que a paisagem. Sei agora que a minha interferência e o meu ruído são o mais interessante da história. Os rastros são nossa assinatura, os sinais que estivemos ali, a única forma de ser autoral.
Escrever me ensinou a ler. Experimentar a dificuldade me fez admirar Pessoas, Clarices e Quintanas. Fez despertar minha inveja em prosa e verso. Eles sequestraram milhares de frases, metáforas e sons que deveriam ser meus. 
Não há como escrever somente por vaidade. O orgulho é massacrado pela manhã, ao relermos aquele nosso texto que foi dormir príncipe e acordou sapo que beijo nenhum é capaz de encantar novamente. Ressaca que só sara com humildade e trabalho. 
Deixar legado do que vi no meu tempo, na esperança de renascer sempre que for lido, é uma ambição surreal. A garrafa com o meu pergaminho nunca será encontrada. São infinitas as cápsulas do tempo acumuladas na nuvem.
Por que escrever então, se a vaidade não sacia, a inveja maltrata e o registro se perde? Pergunta boa. 
O esforço para alterar a percepção do cotidiano, registrar ideias e ir lapidando o papel até encontrar a mais bela forma de contar a estória, provoca uma imersão no desconhecido. O texto é vivo, caminha pelas próprias pernas e nos ensina parte do que somos.  
Escrevo para mim. Essa é a minha resposta. Gosto de dirigir nessa estrada de mão dupla. O que sai revela o que está por dentro e justifica passar horas buscando palavras, versos e personagens. Eles falam de mim, mostram segredos, tratam angústias...podem até curar. 

                                  Moisés Lobo Furtado    (28/04/2020)

terça-feira, 28 de abril de 2020

Ipanema, 2014

Galeria de Família


Janeiro de 2014, Ipanema! 

Não há lugar mais lindo no mundo! 

Saudade imensa. 

Sem palavras.





Os primos e as férias

Galeria de Família


O quintal de nossa casa em Guaratinguetá abria-se para o jardim da casa de nossos avós, Breno e Cici, era só atravessar o portão e entrávamos em outro mundo, bem mais calmo do que aquele que tínhamos em nossa própria casa, silencioso, pacífico, algum gato escondido em meio às plantas da avó, Maria lavando roupa pela manhã antes de subir a escada e entrar na cozinha para preparar o almoço, quem sabe hoje teremos pastel, a especialidade da casa!
            Este silêncio, alimentado pelo amor que nos dedicavam essas três personagens, Breno, Ceci e Maria, era quebrado em julho, nas férias do meio do ano, e em janeiro, com a chegada de Tio Tói, Tia Glaura, e os primos Lucila, José Augusto e Glaucinha. Era uma festa, esperada com ansiedade.
            Durava um mês cada vinda deles, hospedados na casa dos avós. Vivíamos aqueles dias, pelo menos eu e meu irmão Paulo, em função de íntima convivência com os tios e primos. Foram tempos marcantes em nossa infância, com muitas histórias para contar. 
            Por ora, registro as fotos, todos adultos, guardando algum traço do tempo que passou.


Lucila, Guto e Glaucinha



José Augusto, esposa e filhos.

sábado, 25 de abril de 2020

Catleias gêmeas




“Que imaginação depravada têm as orquídeas! A sua contemplação escandaliza e fascina. Vivem procurando e criando inéditos coloridos, e estranhas formas, combinações incríveis, como quem procura uma volúpia nova, um sexo novo...”


            In Mario Quintana, Poesia completa
    Editora Nova Aguilar, 2006.


Foto: AVianna, abr 2020, jardim.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Jovem Ahmed




Pode não ser um grande filme, mas O jovem Ahmed, mostrado no último festival de Cannes, merece ser visto porque trata de tema atual e que precisa ser discutido. A direção é dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, premiados no festival.
O personagem-título é um garoto belga de 13 anos (Idir Ben Addi é o ator), seguidor fanático do imã de seu bairro, seduzido pela interpretação radical do Alcorão. Desde as primeiras cenas Ahmed já se mostra possuído pelo fanatismo religioso, ao se recusar apertar a mão de sua professora ao fim da aula: “Um muçulmano de verdade não aperta a mão de uma mulher”, exclama. 
Há problemas familiares que certamente colaboram para as atitudes do adolescente; o pai é ausente; a mãe não segue os preceitos religiosos e ainda por cima bebe vinho; o irmão prefere jogar bola do que estudar o Alcorão; não será difícil para o imã radical seduzir um jovem como Ahmed. 
Durante o filme, mesmo submetido a minucioso e interessante processo de recuperação porque repleto de afeto e consideração pelo ser humano, fica claro que Ahmed dificilmente haverá de mudar seu modo de pensar. Assim age o fanático! Passa então pela cabeça do expectador a pergunta Ele vai se tornar um homem bomba? Um certo clima de terrorismo permanece durante todo o filme, até as cenas finais.
            O que leva alguém a se entregar de corpo e alma ao fundamentalismo religioso? Entregar-se de corpo e alma a ponto de se tornar um terrorista?
            Precisamos conversar mais sobre isso!

Boas lembranças


...

– já leu o último artigo sobre trombose na covid-19?
– parei de ler sobre o assunto.
– e o que pensa da hidroxicloroquina?
– não penso sobre o assunto.
– por que? é importante.
– se pegar a doença eu morro; pra que saber tudo sobre ela?
– ... 
– então leio um bom romance.
–  ...
– também leio poesia.
– ...
– no respirador, vou ter algo de bom para me lembrar.
– ...

...

Reanimação

Charge do dia



Os livros nos ajudam a viver!

Dia Mundial do Livro



23 de abril

Dia mundial do livro

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Paula espetacular!






Com menos de 1 cm, a maioria dos mergulhadores nem nota estes blennies, que vivem entocados nos corais. 
E você, também está entocado em casa? #fiqueemcasa




Teeny-tiny female blenny

Fotos: Paula Vianna, com Búzios Divers

Ser terra





Ser terra
E cantar livremente
O que é finitude
E o que perdura.

Unir numa só fonte
O que souber ser vale
Sendo altura.


            Hilda Hilst
            In da poesia
            Companhia das letras, 2017





Hilda de Almeida Prado Hilst, ou apenas Hilda Hilst, nasceu em Jaú, SP, em 21 de abril de 1930. Completaria ontem 90 anos. Fica aqui a singela homenagem do Louco.



domingo, 19 de abril de 2020

À espreita


No meio do caminho tinha uma pedra. Quando levantaram a pedra, lá estava ele, à espreita, o vírus.

Sergio, um grande brasileiro



Sergio Vieira de Mello





Se o expectador vir o filme apenas como homenagem a Sergio Vieira de Mello (1948-2003), um grande brasileiro, já vale a pena.
         Estou a falar de Sergio, filme americano (o som é ótimo) estrelado por Wagner Moura e a belíssima cubana Ana de Armas (e que armas...), baseado no livro O Homem Que Queria Salvar o Mundo – Uma Biografia de Sergio Vieira de Mello, escrito pela diplomata americana Samantha Power. A direção é de Greg Barker.
         O desempenho diplomático de Sergio de Mello, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que o tornou admirado em todo o mundo pela capacidade de demonstrar empatia e negociar em circunstâncias políticas as mais difíceis, é ofuscado no filme por seu romance com Carolina, às vezes melodramático em demasia.
         Sergio de Mello teve uma morte terrível, soterrado sob os escombros de explosão de carro-bomba, atentado terrorista perpetrado pela Al-Qaeda logo após a ocupação americana no Iraque, em 2003. A organização terrorista depois confirmou que Sergio era mesmo o alvo do atentado. O grande brasileiro merecia destino melhor.
         É preciso destacar o impecável desempenho de Wagner Moura, que fez crescer o roteiro. 


sexta-feira, 17 de abril de 2020

Biblioteca familiar

Frase do dia

"É incompreensível que se negligencie uma biblioteca familiar nos dias em que vivemos."

Mr. Darcy

In Orgulho e preconceito, Jane Austen, L&PM, 2013.

Em Lorena

Galeria de Família



Em visita a nossa irmã Maria Helena, moradora de Petrópolis, uma parada obrigatória em Lorena, para encontrar-me com meu irmão.
          Então ocorreu o ótimo almoço, em companhia das sobrinhas Nara e Flora, criaturas encantadoras. Paulo, muito alegre na foto.
          Tudo tão bom que fiquei boquiaberto...

The Shoemaker's Corner

Meus quadros favoritos


Jamie Heiden

The streets of Gamla Stan, Stockholm, Suécia. As imagens são todas baseadas em fotografias tiradas pela autora.

Morre Garcia-Roza

  
Luiz Alfredo Garcia-Roza em 2016, em Copacabana,
bairro onde se passa a maioria de seus livros
Foto: Leo Martins / Agência O Globo


Morre, aos 84 anos, o mestre da literatura policial Luiz Alfredo Garcia-Roza, que popularizou o personagem do detetive Espinosa (O Globo, 16/04/2020).
         Garcia-Roza foi professor de Psicologia e Psicanálise, tendo deixado importantíssima literatura sobre estas especialidades. Um intelectual, humanista, tarde na vida, já com 60 anos de idade, resolveu escrever ficção, gesto de coragem, liberdade de pensamento e independência intelectual, fazendo enorme sucesso. (A certa altura ele afirmou que se cansou da academia.) O silêncio da chuva ganhou o Jabuti, na categoria romance. 
Garcia-Roza escreveu 12 romances, todos pela Companhia das Letras. Alguns dos mais conhecidos são  "Achados e perdidos" (1998), "Uma janela em Copacabana" (2001), "Espinosa sem saída" (2006),  "Céu de origamis" (2009), "Um lugar perigoso" (2014).
Seus romances desencadearam grande popularidade de Espinosa: detetive culto, leitor compulsivo, metódico ao extremo – quem não se lembra dos livros empilhados na parede da sala? – sempre perambulando pelas ruas de Copacabana. 
Eu e minha filha Cecília nos tornamos fãs de Espinosa, e hoje choramos a morte de seu criador. 



No banheiro...



Banksy faz arte no banheiro de casa 
durante o confinamento
Foto: Reprodução Instagram


Da Redação de O Estado de S. Paulo (17 abr 2020).

Banksy, o misterioso artista de rua britânico, está confinado em casa por causa do coronavírus. Ele usou seu próprio banheiro para postar a foto de sua arte no Instagram com a seguinte frase: 

"Minha mulher odeia quando trabalho em casa". 

A frase é boa, mas penso que cabe a pergunta: É isso Arte?

“A identidade de Banksy continua um segredo. Acredita-se que ele viva em Bristol. Suas obras são vistas em diversos locais do Reino Unido, mas também em outros países. Algumas das obras de Banksy são vendidas em leilão e um de seus quadros arrecadou US$ 12 milhões em outubro - um recorde para um artista de rua.”




Jovem iluminado

A foto do dia



Foto vencedora do World Press Photo simboliza esperança, disse júri da premiação
Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP


Foto de um jovem iluminado por luzes de celular enquanto declama uma poesia em meio a uma multidão de manifestantes no Sudão ganhou o prestigiado prêmio World Press Photo 2020 na quinta-feira, 16.


quinta-feira, 16 de abril de 2020

Grade, areia e mar

Fotominimalismo




Foto: AVianna, Bahia

Visita a Coromandel

Galeria de Família



Todas as vezes que vamos a Coromandel, MG, é obrigatório uma visita a botequim do Roberto. A cerveja é gelada e os bolinhos de arroz fantásticos. Melhor é a companhia! 

Fotoabstração N.64





Foto: AVianna, Paris

Passeio a Serra da Mantiqueira

Galeria de Família

Por ocasião do casamento do nosso querido Camilo, Paulo nos levou a Serra da Mantiqueira, passeio inesquecível em junho de 2016. 


Vista do Vale do Paraíba




Dois irmãos
Ao fundo, o belo restaurante




Tio Paulo e Ciça




Mercêdes sempre elegante




Precisamos abrir à força a cantina
para saborear ótimas trutas


Fotos: AVianna

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Visita a Montalcino

Galeria de Família

Memorável visita a Montalcino, Itália, em 1998.


Berço do Brunello!



A pequena cidade no alto do morro



O bar de vinho em um castelo,
com incontáveis marcas de Brunellos



Degustando!



As vinícolas

Fotos: AVianna

Aprender sempre

Frase do dia


“Quanto mais eu conseguir aprender, mais longe vejo e mais alcanço.”

                              Leandro Karnal



https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,qual-e-a-nossa-lingua,70003270924


Que língua?


O tema é da inteira predileção deste blog, tratado hoje (15 abr 2020) por Leandro Karnal para O Estado de S.Paulo: Qual é a nossa língua? O ideal é dominar a linguagem sintética, mas também investir em Euclides da Cunha.
Mário de Andrade (1893-1945)  fazia dura crítica ao abismo entre a oralidade e linguagem escrita, em tempos em que “o valor de alguém era medido pela riqueza vocabular, precisão e estilo erudito. Fulano era culto, dominava mesóclises, evitava barbarismos, contrariava o uso corrente e empregava palavras raras em orações com inversões sintáticas. Era um distintivo social, uma forma de exclusão mais do que comunicação.”
 Afirma Karnal: “Hoje, a língua escrita, encastelada em palácio de mármore, teve seu fosso terraplenado e suas torres atacadas pelas catapultas do uso coloquial. Se o modernista ironizou a insistência na norma formal lusitana, hoje caminharia em um campo devastado pelo uso que se impôs: a eficácia acima de tudo. ...Importante é comunicar e nivela-se pelo ponto mais baixo, dando a entender que a oralidade é imperatriz e a formalidade, uma serva imunda que se esconde no porão da cidade conquistada.” 
            Karnal destaca a perda de importância da gramática normativa, em detrimento 
do que é falado nas ruas. “Transitamos da demofobia para a normafobia”, alerta o articulista.
            Se meu caro leitor ainda não percebeu, peço que preste atenção na fala dos jornalistas dos diversos noticiários da tv. Mesmo em uma breve notícia haverá pelo menos um atentado contra a língua portuguesa, seja na concordância verbal, seja nos plurais “comidos” pelo locutor. Quanto mais extensa a notícia, maior o número de equívocos.
            O mesmo ocorre com a fala de gente importante, como os ministros, por exemplo. Um deles, em evidência no momento (pelo menos até hoje), sabe o que diz, porém não se importa como diz. (Outro, apenas em evidência quando diz asneiras, esse erra sempre na forma da comunicação.)
            Acrescenta Karnal: “um aluno deve ser estimulado a dominar a linguagem rápida, sintética, sem vogais e com imagens do WhatsApp. Da mesma forma, deve ser levado a decifrar os longos períodos do padre Antônio Vieira ou o vocabulário de Euclides da Cunha. Acima de tudo, no coloquial livre ou no formal profissional, todos devem ter clareza da adequação e da precisão dos termos empregados.”
            Aprendi com os mais bem educados que é interessante alternar leituras de clássicos com autores contemporâneos e sigo este conselho à risca. Machado será sempre nosso guia, mas a liberdade de um Luiz Ruffato não pode ser desprezada. Assim, seguimos aprendendo, o antigo e o novo, o rigor e a irreverência, e até mesmo, por que não, o “certo” e o “errado”. Porém, sem fundamentalismos.
            Conclui Karnal com frase para se emoldurar e colocar na parede da sala de nossa casa: “Quanto mais eu conseguir aprender, mais longe vejo e mais alcanço.”
            Amém!




Foi-se...

Charge do dia



Alisson Affonso homenageia o cantor e compositor Moraes Moreira 

terça-feira, 14 de abril de 2020

Qual livro?

Há dias meu irmão Paulo vem me atentando com pergunta impertinente porque de resposta impossível, Se você tivesse que indicar um livro, apenas um para quem permanecerá três meses em isolamento social, qual livro você indicaria? Embora parta de meu adorável irmão, a pergunta é irritante. Escolher um entre milhares é exercício fadado ao fracasso, pois muitos ficarão de fora, o que não é justo. 
            Mas o irmão insiste; não apenas ele, a provocação está nos jornais, na Internet, gente procurando o que dizer e o que fazer, é isso, sem nada melhor para fazer ou dizer, lá vem a pergunta, Que livro você indicaria para quem está numa ilha deserta?
            Reluto em responder para não cometer injustiça. 
            Até que encontro e releio o seguinte trecho:

“E ele, o Reinaldo, era tão galhardo garboso, tão governador, assim no sistema pelintra, que preenchia em mim uma vaidade, de ter me escolhido para seu amigo todo leal. Talvez também seja. Anta entra n’água, se rupêia. Mas, não. Era não. Era, era que eu gostava dele. Gostava dele quando eu fechava os olhos. Um bem-querer que vinha do ar de meu nariz e do sonho de minhas noites. O senhor entenderá, agora ainda não entende.”

            Pronto, aí está minha resposta: Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Este o livro!


            Já morador em Brasília, curtindo férias no Rio de Janeiro no final dos anos 70, ganhei o livro de meu pai, na 11ª edição da José Olímpio Editora, de 1976. Repito: em 1976 imprimia-se a décima primeira edição!
            Abri o livro, iniciei a leitura que prometia grandiosa, e veio o primeiro susto: “– Nonada.” O que é isso? Que palavra é esta? Prossegui. Cheguei ao final da primeira página sem entender nada. Guardei-o, pois era presente de meu pai. 
Anos depois voltei a ele, e desde então nunca mais me saiu de perto. Junto da velha edição, coleciono outras, comemorativas, incluindo o volume de número 51 da edição de colecionador, quando foram editados apenas 63 exemplares em comemoração aos 63 anos do lançamento da primeira edição, em 1956. A sobrecapa deste volume foi bordada pelas artesãs de Cordisburgo, Morro da Garça e Andrequicé (MG), e Linha Nove e Teia de Aranha (SP), inspirada no avesso do Manto da Apresentação, de Arthur Bispo do Rosário, com o nome dos personagens do romance. (Companhia da Letras, 2019.) Está no blog: 


            E assim termina esta crônica, a atender solicitação gentil de meu irmão, e homenagear nosso grande Guimarães Rosa. 

29 Washington square

Meus quadros favoritos


William James Glackens (1911)


segunda-feira, 13 de abril de 2020

Pastor de ovelhas e seu cão

A foto do dia
dedicada a Cecília



Horácio cria suas ovelhas na aldeia de 
Santa Margarida da Serra, no Alentejo, Portugal
Foto: Francisco Javier Martín del Barrio



          Aos 70 anos, o pastor Horácio não tem medo do coronavírus. “Lutei na guerra de Moçambique, depois fui a Angola, depois ao Iraque... Se ele vier, aqui estamos. Você acha que o vírus se lembrará de nós?”


          “Como Portugal mantém o coronavírus mais controlado que países europeus mais ricos. Precauções sanitárias, planos de controle oportunos e união política controlam a epidemia melhor que em outros lugares com mais recursos econômicos.”