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quinta-feira, 24 de março de 2022

Roudinesco fala sobre designações identitárias

 

 

A pensadora Elisabeth Roudinesco, durante a programação do

Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre, no ano de 2016

Foto: Fronteiras do Pensamento

 


Entrevista interessante de Elisabeth Roudinesco a Guilherme Evelin, para O Estado de S.Paulo (19 mar 2022) traz a manchete: Elisabeth Roudinesco critica identitarismo e excesso de terminologias que pautam o debate público. Autora francesa lança 'Eu Soberano' e afirma que há uma efervescência de termos, como cisgênero, branquitude, interseccionalidade, que obscurecem a realidade.

            

“Elisabeth Roudinesco notabilizou-se como historiadora da psicanálise, autora de biografias sobre Sigmund Freud e Jacques Lacan e de um Dicionário da Psicanálise. Com O Eu Soberano - Ensaio sobre as derivas identitárias, recém-lançado no Brasil (Zahar, 304 págs., R$ 74), ela faz sua intervenção no debate incandescente sobre a questão identitária. O livro é um libelo contra as “designações identitárias” que, segundo ela, reduzem o ser humano a uma experiência específica e tentam acabar com a natureza do que é distinto. A autoafirmação de si, escreve Roudinesco no prefácio do livro, leva à hipertrofia do eu, em que “cada um tenta ser si-mesmo como um rei, e não como um outro” e consolida tendências de isolamento. Em contraponto, diz ela, é preciso reforçar a existência de uma identidade universal, que é múltipla e inclui o estrangeiro. No livro, Roudinesco fala com admiração da obra de Gilberto Freyre, da mestiçagem e da existência de um “hibridismo barroco” no Brasil.”

            Segue a entrevista: “O ensaio é uma genealogia do que Roudinesco chama de “derivas identitárias” – a metamorfose de movimentos sociais que, no começo do século 20, buscavam a emancipação, o progresso e a transformação do mundo para melhor em movimentos de afirmação de identidade, que buscam exprimir indignação ou o desejo de visibilidade e reconhecimento.”

            Prossegue Roudinesco: “Outra motivação para o ensaio é mostrar que houve passos para trás com várias dessas derivas identitárias. A questão do gênero foi revolucionária ao introduzir a noção de que ele é uma construção social e psíquica e não apenas uma diferença anatômica de sexo, mas houve uma guinada no sentido contrário quando se passou a negar o sexo em detrimento do gênero. Ambos, sexo e gênero, são necessários.”

            A senhora considera então que muitas dessas derivas identitárias estão promovendo retrocessos?

“Sim. A noção de “negritude”, por exemplo, passou a ser racializada. Quando Aimé Césaire (poeta de origem martinicana) dizia que era negro e permaneceria sempre negro, ele não afirmava isso do ponto de vista da raça, mas, sim, do sentido do pertencimento a uma história e a uma cultura. Todas essas derivas, além disso, são acompanhadas de uma linguagem obscura. Há uma efervescência de terminologias, como cisgênero, branquitude, interseccionalidade, que obscurecem a situação real. O excesso de jargões é sempre um mau sinal. Um pensador que inova, é claro, inventa conceitos, mas há um certo limite para criar neologismos. Nesse caso, nós chegamos a um ponto de exagero.”  

            “As derivas identitárias são sintomas de um mundo que está em transformação. Por isso, são derivas. Não são coisas bem instaladas. Acredito que se trata de uma crise do pós-colonialismo, do pós-comunismo. É uma crise que tem aspectos positivos, viu? As derivas identitárias colocaram o problema das minorias. Mas, no combate da história, estão condenadas porque elas se tornaram punitivas com a cultura do cancelamento, o boicote aos espetáculos e, sobretudo, com a releitura das obras de arte.”

             A senhora relaciona a eclosão das angústias identitárias à ascensão de uma cultura do narcisismo. Essa cultura foi reforçada pelas redes sociais?

“Sim. Tomei a expressão “cultura do narcisismo” de empréstimo de Christopher Lasch (historiador americano) e de Adorno, da Escola de Frankfurt. Eles – e os psicanalistas também – notaram como o narcisismo tinha se tornado um fenômeno social muito importante no final do século 20. Nós substituímos Édipo por Narciso. Quando Freud começou com a psicanálise, vivíamos em uma sociedade de frustração, onde a liberdade sexual não existia. A partir dos anos 60, com a liberação sexual nas sociedades ocidentais, com o sujeito confrontado a ele mesmo e não mais às proibições do começo do século 20, percebeu-se que as pessoas passaram a ter outras patologias: as depressões e os narcisismos.”  

            A senhora aponta também a emergência do identitarismo de extrema-direita, que brande a defesa do nacionalismo e ganhou grande força na França, com dois candidatos, Marine Le Pen e Éric Zemmour, com chances de chegar ao segundo turno das eleições presidenciais em abril. Como analisa esse fenômeno – em particular, a novidade política representada por Zemmour, um judeu de origem argelina?

“Estamos numa situação em que nós, na Europa e na França, acordamos velhos demônios. O verdadeiro perigo identitário é esse: a extrema-direita, os populismos, os nacionalismos – é isso que leva às guerras, como a da Ucrânia, porque Putin é de extrema-direita e quer ressuscitar uma Rússia imperial. Éric Zemmour encarna o pior do pior na França. Zemmour é adepto da teoria racista da “grande substituição” e diz defender os valores ditos judaico-cristãos da Europa contra as “invasões islâmicas”. Por trás do seu racismo contra os árabes há também antissemitismo porque todo racista é também antissemita.”

 

Roudinesco faz a gente pensar!

 

 

https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,elisabeth-roudinesco-critica-identitarismo-e-excesso-de-terminologias-que-pautam-o-debate-publico,70004012948

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Filósofo Gilles Lipovetsky



O pensador e escritor francês Gilles Lipovetsky,
na sede do Instituto Cervantes em Paris. LÉA CRESPI


O filósofo Gilles Lipovetsky dá entrevista a El País (3 fev 2020): “Nem tudo pode ser discutível. O professor tem de recuperar a autoridade”. (Reportagem de Borja Hermoso.) Seleciono apenas dois ou três temas, que considero mais importantes, mas vale a pena ler toda a entrevista.

“R. Antes, as pessoas não queriam comprar o mais recente modelo de tablet ou smartphone o tempo todo, nem queriam sair de férias para todos os lugares possíveis, ou tomar um avião todo fim de semana, ou morar em um apartamento maravilhoso, ou ir a um restaurante dia sim e dia não... Simplesmente não se vivia assim. Fui a um restaurante pela primeira vez quando tinha 25 anos. Agora, crianças com oito anos vão com frequência ao McDonald's. Então, por um lado, temos uma sociedade na qual as desigualdades crescem sem parar, mas, por outro, temos um volume de aspirações que também não param. É, mais do que o bem-estar, o sonho do bem-estar. As marcas de luxo! Antes nem se pensava nisso. Hoje, qualquer pessoa em um bairro popular pode usar uma Nike de 125 euros. E todos os jovens sabem o que é Louis Vuitton, Hermès, Gucci... Só vivem para as marcas! Não querem sapatos, querem uma marca de sapatos.”

“R. É necessária uma economia liberal, porque é a única via possível para a iniciativa e a eficiência. Mas, ao mesmo tempo, é preciso ajudar as pessoas porque, do contrário, caminhamos para uma situação explosiva. A melhor solução é o que já fazem em certos países escandinavos, o que chamam de "flexisegurança". Uma economia flexível, em que as pessoas possam ser demitidas se for necessário, mas na qual existam ao mesmo tempo programas de treinamento e reciclagem de habilidades, e não um simples sistema de assistência social. Quando alguém é demitido, recebe os meios para se reciclar. Assim, pelo menos, não terá a sensação de que a sociedade o abandonou. E, em segundo lugar, é preciso investir em educação, em inteligência e em criação.”

“R. A escola pública não é uma despesa, é um investimento para o futuro. É preciso pagar bem aos professores e ensinar o aluno a respeitá-los. Não sou eu quem diz isso, hein. Platão já dizia. Se acreditamos que computadores e tablets resolverão todos os problemas, estamos em um erro grave. O professor é imprescindível. E é preciso formar os jovens de modo que sejam mais adaptáveis, com menos medo de mudar. Assim, haverá menos frustração. E muito importante: é preciso dar muito mais importância à arte e à cultura. Caso contrário, só nos restará o shopping!”

"R. Uma sociedade cujos eixos exclusivos são as telas, o trabalho e a proteção social é uma sociedade deprimente. É preciso investir em educação. E as possibilidades de investimento em assuntos educacionais são infinitas. Um dos maiores fracassos nas sociedades ocidentais do pós-guerra foi a "democratização da cultura". Pensou-se que, ao abrir muitos museus por muitas horas e com grandes obras, graças ao dinheiro do Estado, muita gente nova se juntaria às visitas, mas não foi assim. Quando se presta atenção, ao longo do tempo as pessoas que vão aos museus são as mesmas de sempre: gente de um certo nível educacional. Os camponeses e os operários da construção em geral vão pouco. É uma questão de educação.”

“P. O senhor escreveu contra o fato de que os pais eduquem seus filhos com luvas de pelica. O que queria dizer exatamente?” [Pergunta]
"R. É um erro imenso. É indispensável que o professor recupere a autoridade. Há alunos que insultam o professor, e isso é inadmissível. Educar não é seduzir. Há obrigações. Em um dado momento, é preciso obrigar a fazer coisas. Nem tudo pode ser flexível, agradável, discutível. É preciso trabalhar duro, e forçar a trabalhar. O homem é Homo faber, é preciso ensinar a fazer. E é preciso recuperar a retórica, ensinar as crianças a se expressarem e a raciocinar, porque o computador não vai fazer isso por eles. O homem é Homo loquens, o ser que fala.”


sábado, 10 de fevereiro de 2018

Caça às Bruxas?


O cineasta austríaco Michael Haneke
Foto: Eric Gaillard/Reuters

O austríaco Michael Haneke, um dos maiores cineastas da atualidade, duas vezes vencedor da Palma de Ouro em Cannes, considera que o movimento #MeToo, de denúncia de abusos sexuais, se tornou uma "caça às bruxas" e que gera um novo "puritanismo".
            Ele afirma: "Me preocupa este novo puritanismo, impregnado de ódio aos homens, que nos chega no rastro do movimento #MeToo".
"Enquanto artista, começamos a confrontar o medo ante esta cruzada contra qualquer forma de erotismo".  Segundo ele, O Império dos Sentidos, de Oshima, um dos filmes mais profundos sobre sexualidade, "não poderia ser filmado hoje".
"É claro que qualquer forma de estupro ou abuso sexual deve ser punida. [O grifo é meu.]  Mas esta histeria e as condenações sem julgamento que assistimos hoje me parecem repugnantes".
“Para o diretor de A Fita Branca (Palma de Ouro em 2009) e de Amor (Palma de Ouro e um Oscar em 2012), que não foi objeto de nenhuma acusação, "cada 'shitstorm' (enxurrada de críticas) que essas 'revelações' geram, inclusive nos sites de jornais sérios, envenena o clima no seio da sociedade. Na realidade, no que se refere ao abuso sexual, este ambiente de "caça às bruxas" pode "tornar cada vez mais difícil" um debate "sobre este tema tão importante".

Este blog procura revelar as opiniões mais distintas e divergentes, para que possamos pensar melhor sobre o assunto. Minha admiração por Michael Haneke (e sua A fita branca, um dos melhores filmes que já assisti!) faz com que registre aqui o ponto de vista dele.





terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Duas respostas de Fernanda Montenegro



Adriana Del Ré, para O Estado de S. Paulo (23 Jan 2018), entrevista Fernanda Montenegro, que fala do papel em ‘O Outro Lado do Paraíso’, assédio e ameaças na internet.
A atriz, que completa 90 anos no próximo ano, prepara livro de memórias, que certamente merecerá ser lido.  
Da entrevista, destaco apenas duas perguntas e as respectivas respostas. São elas:

1. Você deve estar acompanhando as mulheres denunciando assédio. Isso também é um reflexo dessa nova era?

Acho que o estupro é um crime inafiançável, não tem perdão. Não só estupros com mulher, mas com homens também. 

2. E há casos de anos atrás que estão vindo à tona só agora.

Acho que nunca é tarde para se falar o que se quer falar, mesmo que seja algo que levou 20, 40 anos em silêncio. A gradação do que é mais criminoso ou menos criminoso, aí não sei. Sei que, quando é algo que não é aceito e vai para a força, é um ato criminoso. Botou a mão no joelho, não quer a mão no joelho, manda a mão na cara. Levanta e bota a boca no mundo, seja onde for, num bar, num trem, com chefe. Hoje em dia acho que há um movimento forte para se dizer que não quer. 

            Este blogueiro vem postando notícias sobre o tema “assédio”, desde o manifesto de Catherine Deneuve, sem deixar claro seu ponto de vista. Agora posso dizer que concordo plenamente com Fernanda Montengro: “Botou a mão no joelho, não quer a mão no joelho, manda a mão na cara.”





Foto: Eduardo Nicolau / Estadão