quinta-feira, 30 de agosto de 2012

P de Palavra


 Da série Abecedário Pessoal
           

   Começo a procurar uma palavra, que de alguma forma me seja cara, especial, significativa, íntima, para acrescentar ao meu Abecedário Pessoal, e me deparo com a existência deste mar oceano a que chamamos dicionário, imensidão em superfície e profundidade. Porque há palavras que boiam, sobrenadam, pertencem à superfície das coisas e das ideias. Consciência, por exemplo, e não sei bem por quê, é colocada sempre na superfície, em oposição à profundidade onde se encontra o Inconsciente. Ou, pelo menos, assim os humanos as dispomos, nem sempre de forma racional.

   Tão logo inicio minha busca e percebo que minha escolha (talvez inconsciente) recai sobre a Palavra. Mas de que Palavra estarei a falar? Da palavra dada, empenhada, palavra de Deus (sobre todas as coisas), de honra, de rei (aquela que não volta atrás), de prata (pois o ouro pertence ao silêncio), da palavra fácil (nem sempre muito responsável), da autorizada (que tem peso), ou da palavra por palavra (vã), daquela adocicada, açucarada, melíflua, amarga, ríspida, áspera, dura (às vezes necessária), ou da palavra mole (sem consistência), oca (que, quando se junta a outras tantas vazias, damos o nome de palavreado ou palavrório), econômica (talvez mais próxima da sabedoria), profética (que antecipa), estranha (estrabuleguice, lanfranhudo, afuazado, grugunzar, mangorra, catrâmbias, abrenuncio, baldroca, todas dicionarizadas, diga-se de passagem), ou da bombástica (explosiva), retumbante (que ecoa), da palavra amiga (feita de mel), palavra que não enche barriga, ou do palavrão (espécie particular, de múltipla utilidade e vítima de enormes preconceitos)? De que Palavra estou a falar?

   De nenhuma delas e de todas elas.

   O vocábulo, informa o dicionário etimológico, vem do grego parabolé, que no latim ficou parabola, e acabou em palavra, na última flor do Lácio. É assim que as palavras vão mudando de forma e significado ao longo do tempo e conforme o uso: Parábola transmudou-se em transmissão de preceitos; Palavra não, serve pra dizer tudo, sem qualquer restrição moral. A liberdade da palavra é o que mais aprecio: a mesma palavra, para diferentes pessoas, tem significados diferentes (o que complica muito a vida da gente!). Também interfere no significado de uma mesma palavra a entonação, a altura, o timbre (qualidades do som) com que é proferida. Isso não é incrível?!

   Como controlar todas estas variáveis, por parte de quem fala? Daí que parece mais seguro escrever do que falar. Porém, quando se escreve, a palavra fica registrada, outro tipo de perigo. A palavra dita, o vento leva; a escrita, permanece.

   Inventaram até que não se pode pecar em palavras, atos e pensamentos! Isso também é incrível: a palavra que não pode nem ao menos ser pensada! E como impedir que a palavra pensada venha à nossa mente? Então, se ela vem, independentemente de nossa vontade, só nos resta a sensação de culpa?

   Ah!, ninguém manda na Palavra.

   Por isso é que, para mim, em meu Abecedário Pessoal, P é de Palavra!

           



terça-feira, 28 de agosto de 2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Cabeças

Na Pinacoteca do Estado de São Paulo, uma cabeça fora do lugar.

Foto: A.Vianna, 2010, São Paulo.

Lago Paranoá


Lago Paranoá, com a cidade de Brasília ao fundo. O horizonte aqui é largo e o céu aberto. Os políticos bem que podiam aproveitar com o que nos inspira a natureza.
Foto: A.Vianna, 2009, Brasília.

Rés do chão

Acabrunhado, ameaçou atirar-se pela janela. Os amigos nem se importaram. Ele morava no térreo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Lucidez

Chamamos de lúcido àquele que apenas diz o que pensamos, mas não sabemos dizê-lo.

Devoção, um delírio


Confesso: aquele manequim vestindo a roupa nova da santa causou-me o impacto de uma visão sobrenatural. Levei um bom tempo até poder desviar o olhar da fotografia e ler a reportagem, recentemente publicada no jornal O globo, e ainda disponível no site do autor, Ancelmo Gois, onde a imagem pode ser vista (http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/posts/2012/08/04/a-foto-de-hoje-virgem-de-roupa-nova-458699.asp).  A matéria traz o título A Virgem de roupa nova, e anuncia a troca do manto de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, por senhoras devotas, ritual que perdura por incríveis 200 anos, num país não tão afeito assim às tradições.
            Até aí, nada demais, apenas um antigo costume religioso. O que espanta é a sofisticação na confecção do novo traje, encomendado a renomado estilista da alta costura. A veste é de rico tecido cinza-azulado, talvez de pura seda, tem os punhos de fina renda, e recebeu nada menos que 600 cristais Swarovski, conhecidos por sua delicadeza e brilho. O manto é confeccionado em cetim azul, bordado com pérolas e cadarços, ornado de plumas azuis, “para dar uma ideia de nuvem”, destaca a reportagem. É belíssima! E caríssima, certamente.
            A visão majestosa suscitou em mim um certo tipo de delírio metafísico.  Estaria a Virgem, naquele exato momento, a descer dos céus, aquilo que chamamos de uma aparição? Ou, ao contrário, tão magnífica, estaria pronta para subir ao céu, onde seria recebida por toda a corte de anjos e santos, sem falar da indispensável presença do Pai? De onde vem, ou para onde vai, Nossa Senhora da Glória do Outeiro, assim tão regiamente vestida?
            Findo o meu delírio, me dei conta de que a imagem há de permanecer mesmo em um outeiro. A propósito, palavra outeiro vem do latim altarius, de altus, e significa elevação.  A palavra altar tem a mesma origem, pois quem está no alto, está mais próximo do céu. Outeiro, porém, não passa de humilde elevação; é menos que um morro. A igrejinha situada no Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro, pintada de branco, é linda por sua simplicidade, muito longe da ostentação de uma catedral. Portanto, no pequeno altar de um outeiro reside a imagem de Nossa Senhora da Glória do Outeiro.
            Fico imaginando se as senhoras devotas também não estarão delirando.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

A morte de Camões


“Entra, chegaste à tua casa.”
            Com estas palavras Saramago recebeu o cãozinho sem dono, que entrou assustado em seu jardim, em Lanzarote. O escritor havia acabado de receber a notícia, através do Ministro da Cultura de Portugal, de que ganhara o Prêmio Camões, a maior honraria literária da língua portuguesa. Não poderia ser outro o nome a ser conferido ao pequeno animal: Camões!
            Tempos atrás, quando já sentia falta da companhia de um cachorro, resolvemos, eu e minha mulher, adquirir um Yorkshire de boa estirpe. Dei-lhe o nome de Camões.
            Desde então, quando na rua alguém me ouve chamá-lo – e às vezes faço-o de propósito –, infalivelmente isso causa surpresa, espanto, e um certo risinho em tom de mofa: nome tão majestoso para animal tão pequenino?
 Camões?, repete admirado o transeunte.
Pois é a deixa que espero e me convém:
 Sim, Camões é como o chamamos. Mas não por causa do poeta português, aquele dos Lusíadas. Minha homenagem é a José Saramago, que possui um cão que atende pela mesma alcunha.
      Ah!
      Conhece Saramago? Já leu algum livro dele?
      Não conheço...
Pronto, está entabulada a conversa. Faço então minha propaganda do Saramago, elogio-lhe o estilo, recomendo o Ensaio sobre a cegueira... Viu o filme? Não sugiro de cara o Evangelho, com medo de espantar o freguês, pois o livro espantou até mesmo os portugueses. E o escritor foi se esconder – e protestar – em Lanzarote.
Quando o transeunte responde que sim, que conhece Saramago, que já leu livro dele, então o papo fica ainda mais animado.
      Qual o seu preferido?
      Memorial do convento, respondo sem titubear.
      Este eu não li.
      Pois então leia, obra prima!
O assunto vai longe, se eu e o transeunte dispomos de tempo e vontade de conversar, conversinha despretensiosa, afetuosa porque desinteressada. Ainda melhor se ambos gostamos de literatura ... e de cães.
Camões apenas ouve, quando não está mais preocupado em carimbar algum poste. E se reencontro aquela pessoa, às sextas-feiras pela manhã no supermercado, local propício a conversinhas despretensiosas, a pergunta que ouvirei será sempre a mesma:
      Como vai o Camões?
      Vai bem, obrigado!
Pois agora chega a notícia da morte de Camões, o do Saramago, veiculada por Pilar, no site da Fundação Saramago. Ficamos tristes. Acontece que meu Camõesinho vai completar 12 anos em breve. Vezes 7, são 84. Ficou mais velho que o dono. Está bem surdo, como o dono. E neurastênico... Cansa-se com facilidade. Sobraram-lhe poucos dentes, mas ainda come com disposição. E espera ansiosamente pelas caminhadas do fim de semana. Como o dono, Camões caminha para o destino de todos nós. Dizem que os animais não têm consciência da inexorabilidade da morte. Não estou certo disso. Recentemente, em Oxford, cientistas assinaram manifesto atestando que alguns animais, cavalos, gatos, golfinhos, elefantes, os cães naturalmente, têm consciência. Donde a certeza de que não sabem que a morte se lhes avizinha?
Talvez por isso o nosso Camões ande pedindo tanto colo.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

proximidade



                                       na manhã de domingo
céu azul e silêncio
seis cães dormem
placidamente na varanda


sonham sonhos caninos
os mais primitivos
sonhos mamíferos


quem me dera decifrá-los
poderia então decifrar
os sonhos humanos
também sonhos mamíferos 


o que nos tornaria
ainda mais próximos
cães e seres humanos

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

boa companhia

não há lugar
para solidão
quando se tem por perto
          - bem perto -
                              um cão