quarta-feira, 21 de junho de 2017

Escolha do título



          Como não se deliciar com o texto de Machado de Assis, logo no primeiro capítulo de Dom Casmurro! Eis um pouco do que chama a atenção de um simples leitor como eu e que me provoca espanto riso admiração, grande prazer enfim, com a leitura.

1 -       ...”um rapaz aqui do bairro”: desperta no leitor o sentido de realidade, de proximidade, de algo concreto, verdadeiro, acontecendo aqui perto, do “nosso” bairro.

2 -       ...”que eu conheço de vista e de chapéu”: meu irmão Paulo, exímio tradutor (fez inúmeras traduções de Machado para o Esperanto), conhecedor de Machado como poucos, certa vez me perguntou, Como traduzir esta expressão “conhecer de chapéu”? Difícil, Paulo! Como traduzir tamanha delicadeza?

3 -       ...”falou da Lua e dos ministros”: falou de nada e de tudo, como os ingleses falam do tempo, ao iniciar qualquer conversa.

4 -       ...”mas não passou do gesto; estava amuado”: o leitor pode ver perfeitamente o rosto emburrado do rapaz. (Gosto mais de emburrado, que tem a mesma origem de amuado: mulo ou burro.)

5 -       ...”alcunhando-me Dom Casmurro”: o verbo alcunhar, eu nunca tinha visto ou ouvido! Que modo fantástico de justificar para o leitor o título do romance que ora se inicia!

6 -       ...”deram curso à alcunha”: que elegância!

7 -       ...”que afinal pegou”: esse ‘pegar’ é moderníssimo, contemporâneo mesmo. O apelido pegou, dizemos ainda hoje!

8 -       ... seguem-se vários exemplos engraçados de como a alcunha pegou entre os amigos do autor. Terminam, os exemplos, com “só não lhe dou moça”: uma graça!

9 -       ...”fumos de fidalgo”: mais uma vez a elegância incomparável!

10 -     ...”poderá cuidar que a obra é sua”: surge aqui a ironia machadiana, fina, delicada, mas que cutuca, percebe o atento leitor.

Cada leitor haverá de destacar o que mais lhe afetou no texto. Cada leitor, um texto!

(O primeiro capítulo está no post anterior deste blog.)

Primeiro capítulo

Os que já leram, tornarão a fazê-lo com gosto. Os que nunca leram, estimulados pelo Primeiro Capítulo aqui apresentado, continuarão a leitura do romance, inevitavelmente. Eis minha homenagem ao grande Machado, aniversariante no dia de hoje.
A Obra Completa do autor pode ser encontrada em: machado.mec.gov.br



Dom Casmurro

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

CAPÍTULO PRIMEIRO

DO TÍTULO

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.
— Continue, disse eu acordando. — Já acabei, murmurou ele.
— São muito bonitos.

Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: "Dom Casmurro, domingo vou jantar com você”.— "Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo”.— "Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça”.

Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.


Parabéns, Gabriela!




Paula Vianna publicou no Facebook:

"Hoje saiu o school report da Gabi. Óbvio que ela ainda não tem nota, mas eu não podia estar mais orgulhosa dos resultados." 

"Gabriela is a cheerful, hardworking class member who enjoys learning and being a part of our class. She consistently demonstrates a very high standard of respectful behaviour towards her teachers and peers and is a very positive role model for other students. Effort: very high! " 

O avô sente o mesmo orgulho, com muita saudade.

(Gabi está na segunda fila, é a segunda da direita para a esquerda.)

Aniversário de Machado


Comemora-se hoje o 178 o aniversário de nascimento do maior escritor brasileiro!
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839, filho de ex-escravos, mulatos, alforriados, Francisco José de Assis, pintor de paredes, e Maria Leopoldina Machado de Assis, lavadeira. Ainda pequeno tornou-se órfão, sendo criado por Maria Inês, sua madrasta, também mulata, que lhe ensinou as primeiras letras.
Sua extensa obra literária é composta por nove romances e peças teatrais, 200 contos, cinco coleções de poemas e mais de 600 crônicas. É considerado o introdutor do Realismo na literatura brasileira.
Morreu em 29 de setembro de 1908.

Basquiat

Meus quadros favoritos


Jean Michel Basquiat